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Os resultados das análises laboratoriais permitiram obter dados sobre a incidência de R. solanacearum para as diferentes matrizes (hospedeiros e substratos). O número total de amostras colhidas proveniente do ‘Programa Nacional de Prospecção’ neste período, os resultados das análises laboratoriais e a frequência relativa de casos positivos encontram-se descritos na Tabela 3.3. Os dados apresentados encontram-se enumerados por ordem decrescente de frequência relativa de casos positivos (p) e, portanto, de incidência de R. solanacearum, para os vários hospedeiros e substratos. Na Figura 3.1 apresentam-se os respectivos intervalos de confiança (95%) associados (α’=0,00341).

Tabela 3.3 – Incidência de Ralstonia solanacearum em diferentes matrizes, em Portugal, no período de 1999-2006.

Programas de prospecção Total Pos. Neg. % pos. p

Tomateiro 109 32 77 29,4 0,29 Águas superficiais 661 191 470 28,9 0,29 Solo 90 18 72 20,0 0,20 Plantas espontâneas 255 19 236 7,5 0,07 Indústrias 108 5 103 4,6 0,05 Tubérculos de batateira 1463 25 1437 1,7 0,02

A comparação múltipla de intervalos de confiança permitiu verificar que os valores de incidência de R. solanacearum em tubérculos de batateira e indústrias de transformação não diferem significativamente entre si mostrando-se relativamente baixos. A incidência da doença em tubérculos de batateira mostrou-se rara (<0,05), com valores de 0,014 para a batata-semente nacional e de 0,032 para tubérculos de origem nacional destinados ao consumo. 0,29 0,29 0,20 0,07 0,05 0,02 0,16 0,24 0,07 0,03 0,01 0,42 0,34 0,33 0,12 0,11 0,03 0,00 0,05 0,10 0,15 0,20 0,25 0,30 0,35 0,40 0,45

Tomateiro Á guas sup. Solo Espontâneas Indústrias B atateira

Matrizes In ci dê n ci a e sp e ra da Incidência (p) L1 L2

Figura 3.1 – Incidência Ralstonia solanacearum em diferentes matrizes e valores dos limites mínimos (L1) e máximos (L2) dos intervalos de confiança (95%) associados (α’=0,00341).

Embora os valores de incidência obtidos para aquelas duas matrizes não sejam significativamente diferentes, poderão resultar de causas claramente distintas. Efectivamente, para os tubérculos de batateira os baixos os valores de incidência da doença, que contribuirão de forma pouco notória para a sua transmissão vertical, devem-se sobretudo a um apertado controlo ao nível da produção e comercialização destes materiais vegetais (União Europeia, 2006). Existe a obrigatoriedade de se proceder a ensaios laboratoriais para todos os lotes de batata-semente importados de países terceiros e a necessidade de os lotes de batata-semente e de batata-consumo provenientes de países da União Europeia possuírem passaporte fitossanitário, atestando a sua isenção, relativamente à presença de R. solanacearum. Deste modo, e dada a elevada qualidade destes materiais, os casos positivos existentes entre nós poderão resultar unicamente de contaminações por via da utilização de águas superficiais na rega (infecção primária) ou devido ao desrespeito

pelo período de quarentena das parcelas cultivadas (transmissão horizontal). Já no caso das indústrias, a fraca incidência deste organismo nas amostras analisadas poderá resultar da falta de fiabilidade dos ensaios laboratoriais numa matriz com uma microflora autóctone muito rica capaz de inibir o crescimento de R. solanacearum. Conforme se relata na Directiva 2006/63/CE (União Europeia, 2006), “a sensibilidade do teste de isolamento é afectada pelas populações de bactérias saprófitas competidoras, normalmente muito superiores nos efluentes de transformação de batata e de esgotos … Devem considerar-se as limitações em termos de sensibilidade do esquema de ensaio, ao avaliar a fiabilidade de eventuais resultados negativos obtidos”.

Também nas plantas espontâneas a incidência deste organismo é relativamente baixa (0,03 a 0,12) atingindo, no entanto, valores que embora não diferindo significativamente daqueles obtidos para os tubérculos de batateira e indústrias, evidenciam uma maior prevalência da doença. Estes resultados referem-se unicamente à presença de infecções características com sintomas típicos da doença, onde se incluem, em muitos casos, a presença de necroses internas dos feixes vasculares. Embora se trate de uma doença vascular, a realização de isolamentos a partir de tecidos destes feixes, desprezando-se a epiderme ou a massa radicular da planta, poderá introduzir algumas discrepâncias relativamente à incidência real de R. solanacearum, por se menosprezar tanto a sua sobrevivência epifítica como aquela que se poderá verificar ao nível da rizosfera destas plantas.

Já nos solos, embora os valores de incidência possam variar entre 0,07 e 0,33, não diferindo significativamente daqueles obtidos para as plantas espontâneas, águas superficiais ou tomateiro, a possibilidade da frequência relativa de casos positivos poder atingir em média 20% indicia que a atenção dada aos solos como reservatório de R. solanacearum não deve ser menosprezada. De novo, estes valores poderão ser condicionados quer pela qualidade do método de amostragem quer pela presença de resultados falsos negativos decorrentes da falta de sensibilidade e especificidade dos meios de diagnóstico disponíveis (União Europeia, 2006).

Por último, as matrizes onde a incidência de R. solanacearum assume maior preponderância são as águas superficiais (0,24-0,34) e o tomateiro (0,16-0,42), e nos quais, pelos dados obtidos, se espera um maior impacto na prevalência deste organismo e na sua manutenção. A elevada fiabilidade dos resultados obtidos no diagnóstico para estas matrizes permite dizer, com segurança, que serão os factores de risco mais importantes na manutenção e dispersão de R. solanacearum, embora o solo deva ser igualmente tomado em consideração. Relativamente à repartição da incidência da doença em termos geográficos torna-se algo difícil proceder a uma quantificação, dado variar muito em função da matriz. Sabe-se, no entanto, de acordo com os dados referentes à incidência de amostras positivas nas águas superficiais provenientes de diferentes aproveitamentos hidroagrícolas, que R. solanacearum se encontra amplamente dispersa e estabelecida nos ecossistemas das principais áreas de produção de solanáceas do país e que a presença de infecções repetidas nos permite

considerar este organismo endémico na generalidade dos aproveitamentos hidroagrícolas monitorizados.

Breukers et al. (2006), na tentativa de criar um modelo bio-económico para R. solanacearum na cadeia de produção de batata Holandesa, referem a contribuição das várias fontes de inóculo para o número final de lotes de tubérculos infectados num determinado período de tempo em que se pode excluir o efeito de um período inicial de transição (6 anos), ou seja, numa situação de equilíbrio dinâmico. Portugal encontra-se hoje também numa situação semelhante de equilíbrio dinâmico, resultante da reintrodução deste organismo em 1995. No caso Holandês, e à semelhança do que acontece no nosso país, as águas superficiais possuem grande importância nas infecções primárias contribuindo para 60% do número total de lotes de tubérculos infectados. A transmissão vertical, obtida pela utilização de material de propagação contaminado, contribui, naquele país, em cerca de 20% para o número total de lotes positivos. No que diz respeito à importância da designada transmissão horizontal, no caso da Holanda, não é atribuída qualquer importância às potenciais contaminações decorrentes da plantação, escolha e transporte de tubérculos, enquanto o papel do solo contaminado e do armazenamento serão apenas residuais. Outras manipulações culturais, como a gradagem e a colheita, têm uma importância ligeiramente superior, ainda que reduzida, na disseminação de R. solanacearum nesses sistemas de produção agrícolas.

Em Portugal, a análise por comparações múltiplas revela também outros factores que potencialmente poderão contribuir para a manutenção e dispersão de R. solanacearum, condicionando o número final de lotes de batata-semente e batata-consumo, de origem nacional, infectados. As águas superficiais de rega parecem ser o factor fundamental na origem de infecções primárias. A transmissão vertical parece ter uma importância residual, dado o número de lotes de batata-semente infectados ser diminuto. O grau de certeza relativamente a este contributo dependerá da percentagem de lotes sujeitos a análise laboratorial, contudo, dado o apertado controlo fitossanitário imposto pela legislação, esse valor não deverá nunca ser muito superior. Por outro lado, factores responsáveis pela transmissão horizontal da doença, como a presença e manutenção de espontâneas hospedeiras nos cursos de água e nos campos em quarentena, e o desrespeito pelos períodos de quarentena definidos para as parcelas, revelam também alguma preponderância. O contributo das indústrias, repondo resíduos não tratados nos campos e nas linhas de água, por falta de estações para tratamento dos mesmos, embora de difícil quantificação, parece real nas condições sócio-culturais ainda prevalecentes entre nós.

Finalmente, outros factores poderão ser potencialmente responsáveis por uma transmissão horizontal mas, como já referido inicialmente, ficam fora do âmbito deste trabalho, nomeadamente: o contributo das manipulações culturais, a replantação de tubérculos com infecções latentes, a partilha de batata-semente e, por último, as condições de higiene dos campos e dos locais de armazenamento que deveriam ser aspectos a ter em conta, sobretudo na formação dos agricultores, de modo a serem minimizados.

A inexistência de um sistema que permita uma rastreabilidade completa de todos os lotes de tubérculos, desde a sementeira até à comercialização do produto final, contrariamente ao que acontece na Holanda (Janse, 1996; Breukers et al., 2006), não permite tirar conclusões do mesmo tipo para o nosso país. Mesmo noutros países menos desenvolvidos como no Quénia ou no Egipto, onde a exportação para a UE de plantas ornamentais e de batata- consumo, respectivamente, é importante em termos económicos, foi possível tomar medidas neste sentido (Messiha, 2006; Smith et al., 2006).

Os resultados aqui apresentados revelam também a necessidade de os futuros trabalhos de monitorização de R. solanacearum serem acompanhados de um esforço suplementar, quer ao nível da colheita de amostras quer de rotina laboratorial, nas matrizes (substratos e hospedeiros) onde ocorrerá um maior risco de incidência deste organismo. Efectivamente, e como se pode constatar pela observação do número de amostras colhidas, o esforço afecto à análise laboratorial de tubérculos de batateira, embora importante por se tratar de material de propagação vegetativa, não produz um ‘output’ revelador da situação real face à presença, transmissão e dispersão geográfica deste organismo. Por outro lado, são os dados obtidos, por via laboratorial, das matrizes tomateiro e águas superficiais, aqueles que revelam um maior conteúdo informativo no que diz respeito à presença e dispersão geográfica de R. solanacearum nas principais áreas de produção de culturas solanáceas, permitindo identificar os locais onde é mais premente actuar, face à necessidade compulsiva de erradicar este organismo de quarentena.

3.4.2⏐Explorando o Contributo de Diferentes Factores de Risco. Que