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1.6⏐Patobiologia de Ralstonia solanacearum Interacção patogéneo x hospedeiro x ambiente

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Allen et al. (2005) descrevem a série de desafios com que R. solanacearum se confronta durante o seu ciclo biológico, o qual poderá incluir etapas de patogenicidade e de vida saprofítica. Assim, na sua sobrevivência no solo confrontar-se-á com condições ambientais diversas. Ao efectuar a transição para um estado patogénico, aumentará o seu nível populacional e atingirá a rizosfera e rizoplano de plantas hospedeiras, penetrando através de feridas ou orifícios naturais das raízes. Já no interior do córtex da raíz, R. solanacearum multiplica-se, utilizando os nutrientes disponíveis, e procura os feixes do protoxilema que conduzem ao seu habitat preferencial no hospedeiro. Uma vez que os feixes vasculares não constituem um local particularmente rico em nutrientes, são dotados de uma pressão relativamente elevada, e atravessados por um fluxo de água e de minerais rápido (transporte xilémico), em consequência da evapotranspiração da planta, a sua agregação e adesão às paredes dos feixes poderá ser muito dificultada. Por outro lado, os mecanismos de defesa da planta poderão reconhecer a sua presença. As células da membrana e parênquima da medula podem igualmente bloquear a passagem entre vasos xilémicos adjacentes, impedindo a sua dispersão na planta. Os vasos xilémicos encontram-se também frequentemente obstruídos por tiloses e exopolissacáridos. Caso venha a multiplicar-se de forma exuberante, conduzindo à morte das células do hospedeiro, essas células em lise produzirão um ambiente rico em substâncias fenólicas e outros produtos tóxicos para as células bacterianas, e com a desidratação da planta morta, experimentarão situações de stresse hídrico. R. solanacearum volta assim a reentrar num período de vida saprofítica onde terá de se adaptar a diferentes habitats.

A sobrevivência saprofítica depende da capacidade de R. solanacearum em usar uma gama de compostos orgânicos muito variada, bem como de resistir à presença de compostos, muitas vezes tóxicos, presentes no solo. Possui assim um grande arsenal de genes catabólicos e desenvolveu mecanismos de quimiotaxia e de adesão, que facilitam a colonização ou manutenção em nichos ecológicos menos favoráveis (Genin & Boucher, 2004). É capaz de degradar compostos aromáticos derivados da lenhina, libertados durante o processo de degradação dos feixes lenhosos das plantas no solo, favorecendo a sua manutenção após a morte da planta.

R. solanacearum produz também um grande número de enzimas hidrolíticas extracelulares como pectinases, poligalacturonases, proteases e glucanases capazes de gerar substratos de

baixa massa molecular, que podem depois ser metabolizados. Possui igualmente um elevado número de transportadores capazes de importar um grande número de outros substratos, que podem ser depois metabolizados, bem como de exportar substâncias tóxicas para o exterior.

Denny (2005) efectua uma revisão sobre o estudo da patogenicidade de R. solanacearum iniciado por Okabe, Kelman e Sequeira na década de 50, com a identificação dos primeiros factores de virulência, e experiências com alguns mutantes espontâneos, dificultadas pela sua natureza pleiotrópica. Na década de 80, com a utilização de novas técnicas como a mutação de transposões, foi possível identificar o sistema de secreção de proteínas Hrp, a produção de factores de virulência extracelulares, e explicar parcialmente o processo de conversão fenotípica espontânea observado nas células de R. solanacearum em cultura. As alterações espontâneas no fenótipo das células de R. solanacearum, relacionadas com modificações no seu nível de virulência (interacção R. solanacearum x hospedeiro x ambiente), constituíam um problema de difícil resolução, que se tornou explicável com a descoberta do regulador global da transcrição PhcA (Schell, 2000). Na verdade, as mutações espontâneas de phcA podem resultar de um erro genético, mas PhcA possui um papel central na complexa rede reguladora que confere a R. solanacearum a capacidade de alterar o seu comportamento fenotípico em resposta à disponibilidade de nutrientes, ou à concentração de células bacterianas no ambiente, actuando como activador ou repressor da transcrição de inúmeros factores de virulência. Este regulador é por sua vez controlado pelo sistema sensor de confinamento Phc, codificado pelo operão phcBSR, que produz e detecta um autoindutor, o éster metilado do ácido 3-hidroxipalmítico (3-OH PAME) (Denny, 2005).

Na presença de baixas concentrações de células bacterianas, o confinamento celular é reduzido, não ocorrendo produção de PhcA e permitindo a expressão dos genes reprimidos de forma negativa por PhcA e responsáveis pela sobrevivência e colonização: (i) produção de endopoligalacturonase; (ii) produção do sideróforo estafiloferrina B; (iii) produção de “pili” tipo 4 (Tfp) e consequente motilidade contráctil (“twitching motility”), autoagregação e formação de biofilmes; (iv) motilidade flagelar; (v) tolerância a sais; e (vi) actividade do regulador da transcrição de HrpG. Este comportamento revela-se semelhante ao evidenciado pelos mutantes espontâneos phcA, os quais apresentam baixos níveis de virulência. Em presença de confinamento, como acontece nos feixes vasculares densamente colonizados, ocorre a produção de PhcA funcional que activa a expressão dos genes que controla de forma positiva: (i) produção de exopolissacáridos de elevada massa molecular; (ii) produção de endoglucanase; (iii) produção de pectina metilesterase; (iv) competência para transformação natural de DNA; e (v) um sistema “quorum sensing” de lactona acil-homoserina (Bhatt & Denny, 2004; Denny, 2006). Possivelmente existirão outros genes regulados por PhcA ainda não identificados.

O mecanismo referido permite concluir que R. solanacearum pode alterar o estado morfológico e fisiológico durante o seu ciclo biológico, em função das condições a que está sujeita, estando as formas de baixa densidade particularmente adaptadas ao solo, e as de

alta densidade especialmente ajustadas à multiplicação em plantas hospedeiras (Poussier et al., 2003). Na realidade confirmou-se que as raízes são invadidas e colonizadas por células bacterianas, presentes na rizosfera das planta, apresentando fenótipo de baixa densidade e possuindo motilidade natatória ou flagelar (Tans-Kersten et al., 2001). A colonização sistémica dos tecidos do caule é efectuada por fenótipos de alta densidade, nos quais a presença de motilidade flagelar não parece indispensável, mostrando-se, neste caso, mais importante a activação de um sistema Tfp associado a motilidade contráctil (Kang et al., 2005).

Na sua interacção com o ambiente e o hospedeiro, R. solanacearum encontra-se assessorada pelos vários sistemas de secreção que permitem o efluxo de variadas proteínas e que são regulados por PhcA e/ou por outros reguladores, dependendo o seu comportamento da fase do ciclo biológico em que se encontra.

Os sistemas de secreção dos tipos II e III parecem possuir uma actividade relevante na patogenicidade, mostrando os mutantes deficientes grande dificuldade em colonizar e multiplicar-se na planta. O sistema de secreção do tipo II (T2SS) de R. solanacearum é responsável pela produção de pelo menos seis importantes exoproteínas (EXPs) responsáveis pela degradação das paredes celulares (CWDE) (pectinase, endoglucanase, duas poligalacturonases, Pg1A e PehB) que desempenham uma função essencial no processo de infecção e morte das plantas. As várias cópias deste sistema, existentes no genoma de GMI 1000, parecem estar relacionadas com o potencial adaptativo desta estirpe. A análise de proteínas do secretoma de GMI 1000 permitiu identificar 103 novas proteínas, além das já conhecidas, 36 das quais pareciam referir-se a EXPs translocadas via T2SS, até agora não identificadas (Liu et al., 2006). Também González et al. (2007), através do estudo do secretoma, identificaram novas proteínas produzidas pelo sistema de secreção “twin arginine translocation” (Tat) e consideradas potenciais factores de virulência. O sistema T2SS possui um papel igualmente importante na invasão dos vasos xilémicos, conduzindo a uma infecção do tipo sistémico (Ohnishi et al., 2006).

O sistema de secreção do tipo III (T3SS) é responsável pela injecção de proteínas nas células vegetais, e os mutantes deficientes deste sistema não conseguem produzir doença nos seus hospedeiros, nem reacção de hipersensibilidade em plantas resistentes. O T3SS é codificado pelo ‘cluster’ de genes hrp, do megaplasmídeo, e possui a capacidade de inibir o sistema de defesa do hospedeiro (Boucher et al., 2006). Dos 70 a 80 genes potenciais candidatos, cerca de 25 possuem já a sua função devidamente identificada.

O cromossoma de R. solanacearum possui igualmente um ‘cluster’ de genes que fazem parte de um transposão conjugativo (muitas vezes designados por ilhas genómicas), responsáveis pela expressão de um sistema de secreção do tipo IV, semelhante ao existente no plasmídeo Ti de Agrobacterium, e que parece pertencer a uma família de elementos móveis comuns a várias espécies de proteobactérias com habitat no solo (Liu et al., 2001). Este ‘cluster’ é constituído por 13 genes, parte dos quais estão envolvidos no catabolismo de metabolitos secundários e em processos de defesa da célula bacteriana contra terpenos, como o

limoneno, que são produzidos pelo sistema de defesa e comunicação planta-planta.

A capacidade de adesão e motilidade de R. solanacearum é conferida pelo flagelo polar (motilidade natatória), bem como por um sistema tipo IV de formação de “pili” (Tfp) responsável pela motilidade contráctil. A estirpe GMI 1000 parece ainda possuir outros tipos de “pili”, os quais serão responsáveis pela produção de biofilmes, nas paredes dos vasos xilémicos das plantas, e que permitem a sua autodefesa e a sua sobrevivência em períodos de infecção latente e de vida saprofítica. Outras moléculas do tipo das adesinas, nomeadamente lectinas, parecem possuir um papel importante na adesão de R. solanacearum ao solo, bem como na sua interacção com rizoplano (Genin & Boucher, 2004).

A produção de espécies reactivas de oxigénio (ROS) por parte da planta parece estar directamente envolvida num sistema de defesa antimicrobiano. Durante a colonização de um hospedeiro compatível, R. solanacearum reage a este stresse oxidativo através da activação do gene bcp, que codifica para uma peroxidase da família AhpC/TSA, criando condições favoráveis à sua sobrevivência naquelas condições (Flores-Cruz et al., 2006).

O papel do tactismo de R. solanacearum na sua interacção com hospedeiros compatíveis encontra-se presentemente a ser estudado por Allen et al. (2006). A capacidade das células bacterianas se deslocarem em direcção a um ambiente mais favorável foi detectado na estirpe K60, a qual possui quimiotactistmo relativamente à rizosfera do hospedeiro, bem como para ambientes ricos em aminoácidos e ácidos orgânicos. Outras estirpes poderão possuir perfis quimiotácticos distintos. A utilização de mutantes permitiu verificar que o tactismo contribui significativamente para a virulência e adaptação das estirpes nas fases mais precoces do processo infeccioso. O aerotactismo parece facilitar igualmente a infecção das raízes do hospedeiro, estando também correlacionada com a formação de biofilmes, embora ainda não se conheça o seu papel nas diferentes fases de desenvolvimento da doença.

Ao atingir a planta hospedeira, R solanacearum liga-se à superfície das raízes, em particular à zona de alongamento e nas regiões de emergência das raízes laterais, invadindo os espaços intercelulares do córtex. Posteriormente multiplica-se, atinge o parênquima, e finalmente os feixes vasculares do protoxilema. A sinalização da planta é reconhecida por PrhA através da membrana externa das células bacterianas e transferida para hrpB que se expressa através de uma rede de genes em cascata, PrhA-PrhR/PrhI-PrhJ-HrpG (Ohnishi et al., 2006).

A separação no comportamento das células bacterianas entre os estados mais iniciais do processo infeccioso e a intensa colonização dos vasos xilémicos levou Hikichi et al. (2007) a proporem um modelo global de regulação dos genes de virulência para as primeiras fases daquele processo. Este modelo de regulação global envolve os reguladores HrpB e PhcA. Assim, após invasão dos espaços intercelulares por R. solanacearum, hrpB é activado em resposta à detecção da planta e activa o ‘cluster’ hrp, que sintetiza o T3SS. R. solanacearum

populacional que permite a expressão de phcA. PhcA impede então a expressão dos genes envolvidos na sinalização da planta, enquanto o regulador hrp activa os genes eps e outros genes que produzem enzimas degradativas.

Figura 1.3 – Modelo de regulação global de genes ligados à patogenicidade em Ralstonia solancearum. Após invasão dos espaços intercelulares, a célula bacteriana induz a expressão de hrpB em resposta aos sinais da planta e activa o regulador hrp, que produz T3SS. As células bacterianas podem então proliferar nos espaços intercelulares com a ajuda das enzimas produzidas por este sistema de secreção, atingindo um nível populacional que desencadeia a activação da expressão de phcA. Finalmente a repressão de phrR por expressão de PhcA resulta na repressão dos genes regulados por hrpB e activação dos genes eps com a produção de EPS (adaptado de Hikichi et al., 2007).