• Nenhum resultado encontrado

O equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal nas Organizações de Saúde

Parte I – Enquadramento Teórico

2. O ESTUDO DO EQUILIBRIO ENTRE TRABALHO E VIDA PESSOAL

2.6. O equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal nas Organizações de Saúde

Na sua generalidade, os hospitais são caracterizados como organizações muito complexas da sociedade pois “desenvolvem a sua atividade num sistema composto por múltiplos agentes de natureza, de nível e de diferenciação diferentes, interagindo com praticamente todas as expressões do tecido social e da sociedade civil” (Ferreira, 2005, p.77). Ainda segundo o mesmo autor, os hospitais são “uma organização tradicionalmente burocrática e dominada por grupos profissionais” (p.85).

Considerando o caso particular dos hospitais portugueses, estes são frequentemente reconhecidos pelos fracos níveis de desempenho, nomeadamente quando comparados com organizações congéneres de outros países europeus, facto que Proença (2000, p.45) atribui à falta de “uma cultura gestionária e de responsabilização” neste contexto organizacional.

Tal tem estimulado reformas no setor da saúde que, segundo Campos, Borges & Portugal (2009, p.127), “determinam a necessidade de repensar orientações políticas de gestão de recursos humanos” por forma a adequar e rentabilizar os mesmos, além de prever as suas necessidades, tais como formação e condições de trabalho adequadas. Tratam-se, todavia, de mudanças difíceis de implementar num contexto em que se verifica “a necessidade de reduzir os custos, de modificar os modelos de afetação de recursos e de repartir as competências entre os diferentes intervenientes” (Proença, 2000, p.34), sendo que “o nível de serviço depende, quase exclusivamente, do nível educacional e comportamental dos recursos humanos” (Campos et al., 2009, p.139).

Assim, a organização dos recursos humanos é “uma das dimensões mais importantes na gestão dos sistemas de saúde” sendo necessário, no contexto nacional realizar “projeções relativas à sua evolução e avaliar a adequação entre estas e a evolução das respetivas necessidades” (Campos et al., 2009, p.128).

Paralelemente, há quem defenda que o “hospital é uma empresa e que a ele se devem aplicar os mesmos critérios e princípios de funcionamento e avaliação que se aplicam a uma empresa de um qualquer ramo” (Proença, 2000, p.24).

Os médicos, sendo profissionais altamente qualificados e fruto de um percurso formativo longo são considerados por Campos et al. (2009, p.140) como “a matéria-prima essencial dos processos de prestação de cuidados” pelo que a sua permanência não se consegue apenas

39

através da remuneração atribuída, como de outras variáveis, tais como, qualidade do projeto profissional, meios humanos e técnicos disponíveis, e esquema de incentivos.

Pela complexidade de serviços que disponibilizam, as organizações de Saúde e, mais propriamente, os hospitais são considerados “um lugar excecional para estudar a interferência entre o trabalho e a vida pessoal” (Barrett, 2014, p.441). Zerubavel (1979) identifica mesmo o hospital como sendo “das poucas organizações, cuja exploração ocorre em torno do relógio, sete dias por semana, 365 dias por ano” (p.xix).

Sendo um hospital um estabelecimento de prestação de cuidados diferenciados, i.e., constituído por meios tecnológicos que não existem nos cuidados primários, onde a sua atividade se centra nos meios complementares de diagnóstico, tratamento e reabilitação, onde os seus cuidados se prestam em regime de internamento ou ambulatório, exige uma diversidade de respostas por parte dos seus recursos humanos, exigindo destes talvez um maior esforço para equilibrar a sua vida extratrabalho.

Outro motivo que justifica a avaliação da questão do equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal numa organização de saúde é a rotatividade de horários, que, por vezes, são incompatíveis com a rotina pessoal e familiar. Segundo Nelson & Tarpey (2010), os horários dos profissionais de saúde são distribuídos de acordo com as necessidades dos utentes e funcionamento da organização onde se prestam cuidados de saúde, ou seja, 24h/dia e 365 dias por ano.

Os recursos humanos destas organizações experienciam um tipo de trabalho com pouca margem para erro, exercido sob pressão, e caracterizado pela rotatividade de horários e por rotinas que o diferenciam de qualquer outro trabalho (Rovik, Tyssen, Hem, Gude, Ekeberg, Moum & Vaglum, 2007). Os seus colaboradores experimentam maior dificuldade em equilibrar os diferentes domínios das suas vidas comparativamente aos trabalhadores de contextos organizacionais em que é proporcionado um horário fixo (Barrett, 2014). A situação agrava-se na resposta a urgências, atendendo à imprevisibilidade no volume de pacientes e à diferenciação em casos clínicos, pois tal requer variabilidade no grau de especialização de tarefas e diferentes tipos de habilitações dos profissionais (Nelson & Tarpey, 2010). É o termo “urgência” que acaba por influenciar e limitar ainda mais a gestão de tempos dos colaboradores de uma organização de

40

saúde, concluem Bluedorn & Standifer (2004). Ballard & Seinbold (2003) definiram “urgência” em ambiente hospitalar como:

“Uma preocupação ou conjunto de preocupações com prazos de conclusão da tarefa, sendo, por isso, considerada como situação temporal recorrente em situações de emergência, causando no colaborador a sensação de que o tempo está sempre a esgotar- se “ (p.390).

Por isso, as situações de urgência influenciam a gestão do tempo dos colaboradores, inclusive ao nível dos seus hábitos alimentares, dada a indefinição de tempos para as refeições. Os ritmos de trabalho e a forma de comunicar com o utente são também distintos numa situação de urgência, afetando, por exemplo uma boa comunicação com o utente (Conte, Landy, & Mathieu, 1995).

Nelson & Tarpey (2010) referem que a possibilidade de programar determinadas atividades, por exemplo de enfermagem, poderia incrementar a satisfação destes profissionais e permitir a coordenação da sua vida profissional com a vida pessoal.

No entanto, Bartel & Milliken (2004) consideram que a indefinição do ritmo de trabalho (por exemplo uma programação de consultas de enfermagem para 15 minutos, mas um utente ultrapassa este tempo acaba por condicionar o agendamento seguinte), possibilidade de atrasos, a pontualidade, são fatores que influenciam o tempo adequado para cada tarefa programada, assim como podem influenciar os seus resultados, i.e. influenciar no cuidado prestado.

Tal como enunciam Allen (2005) e BMA (2010) é cada vez mais usual os colaboradores de um hospital trabalharem a tempo parcial, ou ajustarem os seus horários de trabalho em prol da vida familiar, sem penalizar as suas vidas profissionais (Crompton & Lyonette, 2011). Segundo Barrett (2014), através dessas medidas, o conflito entre o trabalho e a vida pessoal dos profissionais de saúde poderia ser atenuado, deixando de ser uma problemática.

Todavia, Grzywacz, Frone, Brewer & Kovner (2006) desenvolveram um estudo onde se evidenciou que 50% dos enfermeiros experimentam, pelo menos uma vez por semana, conflito entre o trabalho e a vida pessoal, sendo que para a maioria dos enfermeiros estudados o trabalho interfere muito mais com a vida pessoal do que o oposto.

41

Segundo o Departamento de Trabalho dos EUA (2007), 91% dos mais de 2,5 milhões de enfermeiros são do sexo feminino, facto que, de acordo com o estudo de Nelson & Tarpey (2010), pode influenciar os níveis de perceção de conflito entre trabalho e vida pessoal, visto serem imputadas às mulheres a maior parte das responsabilidades familiares. Portanto, a propensão dos enfermeiros daquele país para experimentarem o conflito entre o trabalho e a vida pessoal tende a ser elevada devido ao género dominante no setor, assim como, devido aos irregulares e longos turnos de trabalho a que estão sujeitos pela natureza da sua profissão (Nelson & Tarpey, 2010).

No Hospital de Braga, grande parte dos serviços estão organizados em termos de atividade, distinguindo-se entre atividades de rotina e atividades de urgência. A urgência é pré- programada, i.e. os horários são elaborados e distribuídos já com o dia de urgência. Todavia existem situações em que determinado profissional pode ser chamado a intervir sem que tal estivesse previsto. Para isso acontecer, basta que um utente necessite de cuidados de uma especialidade e que apenas determinado profissional tenha essa competência.

Outro tipo de atividade praticada no Hospital é a atividade em regime de Prevenção. Esta atividade consiste em que um profissional, em determinado período (por exemplo das 20:00 ás 08:00), não esteja em presença física no hospital, mas esteja “à chamada”, ou seja, caso algum doente naquele período de tempo necessite dos cuidados daquela especialidade, é aquele profissional que irá deslocar-se ao hospital. Também em casos excecionais, um profissional pode ser chamado a assistir um doente, sem estar de prevenção, para isto acontecer basta diferenciar- se em determinadas skills necessárias à prestação do cuidado daquele utente. Este tipo de atividade aumenta a imprevisibilidade de quando e em que circunstância vão ser chamados a “intervir”.

Desta forma, os hospitais devem ter a predisposição e capacidade para desenvolver políticas adequadas e efetivas ao equilíbrio entre o trabalho e vida pessoal dos seus recursos humanos que visem ir de encontro às necessidades dos trabalhadores e ao próprio sucesso organizacional.

43