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O género e a parentalidade no estudo do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal

Parte I – Enquadramento Teórico

2. O ESTUDO DO EQUILIBRIO ENTRE TRABALHO E VIDA PESSOAL

2.4. O género e a parentalidade no estudo do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal

São os fatores individuais que determinam e influenciam a perceção de equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. É sobre esses fatores individualistas e de diferentes fases da vida que este capítulo se debruça.

Género (feminino ou masculino), idade, fases da vida e da carreia são alguns dos fatores individuais que, de algum modo, afetam a disponibilidade para suportar as exigências do trabalho e da vida pessoal (Guest, 2002). Acresce a estes fatores a vertente da parentalidade, questão muito pertinente no estudo do equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal. Santos (2015), através do seu estudo, expõe que “O ciclo de vida familiar, particularmente as experiências de paternidade, ilustra as diferentes narrativas” (p.1) detetadas num grupo de académicos, pois conseguir o equilíbrio entre o trabalho e vida pessoal entre indivíduos pais e não pais, pode requerer distinto esforço. A parentalidade cruza-se ainda com o fator género. Segundo Santos (2015), as “experiências de paternidade são distintas para homens e mulheres” (p.2).

A tradicional interpretação de que os homens são os responsáveis por “pôr dinheiro em casa” e de que as mulheres são as responsáveis por cuidar da casa e dos filhos, coloca-os em diferentes situações de interferência entre o trabalho e a vida pessoal. É, por isso, expectável que exista nos homens maior propensão para o trabalho interferir na vida pessoal do que nas mulheres, sendo estas mais sujeitas a que a vida pessoal interfira no trabalho. Exemplo disso é o homem usar o seu tempo da vida pessoal como uma forma de “relaxar” e até organizar trabalho do dia seguinte; enquanto na mulher é comum observarmos a sua falta ao trabalho para assistir um filho doente (Santos, 2007).

No entanto, a conceptualização de diferentes tipos de interferências de acordo com o género não é consensual. Eagle, Miles & Icenogle (1997) falam, no seu estudo, que a propensão para o trabalho interferir na vida pessoal é maior, independentemente de se ser homem ou mulher, expressando que “Não foram detetadas diferenças de género em relação à permeabilidade do trabalho com os limites da família” (p.180). Exemplo disso, e que é apontado no mesmo estudo,

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é o facto de nos casais em que ambos têm atividade profissional poderem existir situações em que ambos trabalham no tempo que estaria destinado à vida pessoal, assim como o homem estar cada vez mais envolvido nas tarefas domésticas. As conclusões de Eagle et al. (1997) vão ao encontro do estudo realizado por Beach (1989), pois este refere que o conflito entre o trabalho e a vida pessoal é atualmente importante tanto para as mulheres como para os homens, e que as alterações sociais na compreensão dos papéis relativamente ao género, parentalidade e compromisso com o trabalho, pode ser a sua justificação.

Independentemente de as suas interferências serem similares, a forma como o trabalho interfere na vida pessoal pode ser distinta. Santos (2007) revê na literatura que há estudos que apontam para que o homem sinta esta interferência através das longas horas de trabalho e a mulher através da existência de filhos de tenra idade.

De facto, a perspetiva de género mostra, na revisão da sua literatura, diferentes resultados. Existem estudos que evidenciam que tanto os homens como as mulheres têm perceções idênticas do conflito entre o trabalho e a vida pessoal, embora por distintos motivos (Bedeian, Burke & Moffet, 1988; Loerch, Russell & Rush, 1989). Outros estudos sustentam que a perceção de conflito entre o trabalho e a vida pessoal por homens e mulheres é diferenciada, atribuindo a estas os níveis maiores de conflito. Neste caso, e de acordo com os modelos tradicionais, é-lhes atribuído um spillover negativo, justificado essencialmente pelas suas responsabilidades com a casa e com os filhos (Andrade, 2015; Kaufman & Uhlenberg, 2000; Keene & Reynolds, 2005).

Segundo Santos & Cabral-Cardoso (2008), a perspetiva de género dentro das organizações é apoiada pela tradição social, que associa as mulheres à vida familiar, definindo-as como seres sensíveis e emocionais, enquanto remete os homens para as responsabilidades laborais e os associa à racionalidade. Na opinião de Gonçalves & Rafael (2014), o género pode ainda ser incluído como uma variável individual que pode influenciar as respostas ao stress dentro das organizações, referindo que os homens e as mulheres percecionam, reagem e “combatem” de forma distinta os fatores do mesmo.

Olhando para a abordagem das perspetivas da parentalidade, é esperável que estas “exerçam um efeito mais substancial na carreira do que o casamento” (Santos, 2007, p.94). Estudos realizados em torno desta perspetiva evidenciam que são as mulheres quem são mais

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penitenciadas, e não tanto os homens, por assumirem os papéis da maternidade e da paternidade, respetivamente (Santos, 2007). As tensões associadas ao conflito entre o trabalho e a parentalidade são, ainda, sentidas principalmente pelas colaboradoras que são mães de crianças pequenas (Santos & Cabral-Cardoso, 2008), pois estas exigem maior tempo dispensado para o seu cuidado (Bianchi, Milkie, Sayer & Robinson, 2000; Presser, 1994; Presser, 1995).

No entanto, Kaufman & Uhlenberg (2000) questionam de que forma a vinda de um filho pode influenciar a vida laboral para os homens. Segundo os autores, a literatura revela que “tornar- se pai muda significativamente a vida dos homens” (p.932), pelo que seria de admirar se os trabalhadores pais e os trabalhadores não pais se encontrassem em relações idênticas com o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal.

Haar (2013) mostra no seu estudo que a perceção do equilibro entre o trabalho e a vida pessoal não tem padrão definido. Este obteve relações positivas perante o equilíbrio em indivíduos com filhos que trabalharam 60 horas por semana, e obteve perceções negativas de um individuo com filhos que trabalhou 40 horas por semana. Por outro lado, o autor evidencia as discrepâncias existentes entre colaboradores pais e não pais, sendo que estes últimos espelharam nas suas entrevistas que também lutam para alcançar o equilíbrio entre os domínios laboral e extratrabalho, incluindo-se aqui a prática de hobbies, visitas à família, e o tempo com os amigos. Haar (2013) argumenta ainda que a abordagem sobre o equilíbrio entre indivíduos com filhos ou sem filhos evidencia resultados idênticos, sendo igualmente importante explorar estas questões independentemente de tais variáveis.

2.5. O papel das organizações na promoção do equilíbrio entre o trabalho e a vida