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CAPÍTULO 1 – M ETODOLOGIA DE PESQUISA

1.3 Procedimentos utilizados na constituição do corpus de análise

1.3.1 Escola Estadual (EE)

1.3.1.1 Observação e diário de campo

Ao longo do primeiro semestre de 2006, registramos sistematicamente situações, depoimentos e reflexões decorrentes de observações realizadas em uma escola estadual da região metropolitana de São Paulo, na qual atuávamos como professora de Língua Portuguesa nas séries finais do Ensino Fundamental e também no Ensino Médio.

Esses registros resultaram em um diário de campo (apêndice D), produto de uma intenção inicial de registrar o cotidiano da escola, focalizando todas as condições que julgávamos necessárias para que a ação pedagógica alcançasse sucesso. Obviamente, tal período de observação teve natureza exploratória, de maneira a permitir, numa etapa posterior, a delimitação necessária do objeto de estudo a ser investigado.

Assim, os registros realizados durante ou imediatamente após os períodos de observação eram posteriormente ampliados, a fim de facilitar a recuperação de aspectos da situação observada que não puderam ser registrados no momento da observação – a importância de tal procedimento era minimizar perdas ou desvios nas descrições, decorrentes de falhas na memória do investigador, já que não utilizamos gravações com vistas a diminuir os efeitos da intervenção de um pesquisador no ambiente natural da escola.

Depois de registradas e ampliadas, as notas de campo foram digitadas e totalizaram cerca de duzentas páginas. Estas foram objeto de uma primeira etapa de leituras, da qual resultou o seguinte critério para recorte dos diversos registros: selecionamos as situações que remetiam de alguma forma ao ensino deliberado ou não de leitura e escrita e as condições que julgávamos interferir de modo mais ou menos direto no resultado da aprendizagem dos alunos. Os demais dados registrados foram desconsiderados para fins de análise, por abrangerem uma gama muito extensa de temas cuja investigação em nenhuma hipótese poderia ser esgotada no âmbito de um só trabalho, ainda que suas imbricações no âmbito concreto do ambiente escolar fossem inextrincáveis. O diário que resultou desse recorte pode ser conferido integralmente no Apêndice D.

A observação e registro de situações vivenciadas no ambiente natural da escola ao longo de um semestre letivo foram de suma importância para avançarmos na constituição de nosso objeto de estudo, bem como para nos familiarizarmos com os procedimentos de registro dessas situações. Nas primeiras notas, por exemplo, era muito mais comum parafrasearmos as falas ouvidas, ao invés de procurarmos reproduzi-las da forma mais fiel possível. Tal conduta foi sendo modificada à medida que incorporamos as contribuições de alguns autores que refletem sobre o processo de constituição de um corpus de dados qualitativos. Rockwell, por exemplo, afirma em suas reflexões que, enquanto registramos, escapam palavras e frases desconhecidas, resumimos o sentido do dito, eliminamos repetições, de modo que o melhor é procurar fazer registros que incluam uma versão o mais textual possível do que se disse e escutou, pois “geralmente são mais valiosos os fragmentos mais textuais do discurso que o ‘todo’ resumido em palavras do investigador” (1986, p. 16).

A título de ilustração, seguem duas passagens desse diário de campo, as quais exemplificam a mudança de perspectiva narrativa – do relato com palavras do investigador (paráfrase) para o registro mais textual das falas ouvidas:

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Registro de Observação [RO] – Reunião de Conselho 15 de fevereiro de 2006 (Quarta – escola/ 16h30) [...]

Depois as candidatas saíram e o diretor fez algumas considerações sobre a importância do trabalho integrado entre professores, direção e coordenação. Não entendi por que razão tanto o diretor quanto alguns professores insistiram em dizer que nem sempre o conhecimento era o

mais importante. Pareceu-me que o diretor queria, sem citar nomes, ressaltar a importância de

se ter experiência como coordenadora para bem exercer a função, pois o trato com as diversas funções a serem desempenhadas era de fundamental importância. Preciso checar quais, dentre aquelas candidatas, já haviam atuado em coordenação escolar. [Apêndice D]

Registro de Observação [RO] – Reunião de Planejamento 01 de março de 2006 (Escola – 13h20)

[...] Começou discussão sobre tópico 2 da pauta: análise das ações/projetos trabalhados em 2005- quais deveriam ou não continuar?

O prof. Lucas disse que faria uma sugestão: “Nossa meta principal deve ser atacar a principal dificuldade dos alunos, que é a interpretação de textos. Quaisquer projetos, idealizados pela escola ou propostos pela DE, devem focalizar essa dificuldade. Deve ser bem debatido o trabalho interdisciplinar, vamos trabalhar os propostos pela DE, mas focalizando a dificuldade de leitura dos alunos, pra ver se alcançamos de fato o nosso objetivo, discutindo coletivamente”.

Beatriz: “Mas o que vamos fazer de novo? O que a gente pode trabalhar para melhorar isso, além do que já temos feito? Todo ano nós diagnosticamos o mesmo problema”. Continua: “Todo o trabalho que eu faço não aparece como resultado nas provas que avaliam o desempenho dos alunos no SARESP”.

Lucas: “Eu também me sinto assim, mas o momento de discutirmos é aqui, como vamos trabalhar de forma complementar, um professor reforçando e complementando o trabalho do outro?”

O professor fez uma sugestão, dando um exemplo: “Um projeto que trabalhe a televisão, cada professor trabalhando a sua área de conhecimento, trabalhando as relações com outras áreas, mas com o mesmo objetivo”.

Os professores estão agitados. Muitos falam ao mesmo tempo. [Apêndice D]

Pode-se dizer que, embora essas duas tendências apareçam ao longo de todo o diário, a paráfrase predomina nos registros das primeiras semanas, havendo inclusive uma mistura de relato, por um lado, com reflexão sobre o acontecimento relatado, por outro (o registro ampliado não foi feito de forma sistemática, no início). Sempre que o momento permitia, íamos relatando situações e falas e ao mesmo tempo expondo nossas impressões sobre elas. Nos registros finais, entretanto, predominam as notas mais textuais, quando relativas a falas de pessoas em determinados contextos: reuniões, conversas no intervalo, falas de alunos no decorrer das aulas, mas, principalmente, em reuniões de HTPC (Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo).

1.3.1.2 Entrevistas

Ao longo do primeiro semestre de 2006, a maior parte das entrevistas ocorreu de maneira informal, assemelhando-se a conversas que tematizavam assuntos referentes à escola e seus sujeitos. Essas entrevistas, no entanto, eram pouco estruturadas, correspondendo mais ao que Goode (1977) chama de conversações exploratórias. Sua finalidade era complementar, verificar ou validar impressões surgidas no decorrer das observações, bem como ampliar o repertório de informações, sentidas como necessárias para compreender as situações observadas. Como lembra Goode (1977), apesar de poder funcionar como poderoso instrumento para se obter informações, esse tipo de entrevista, aberta e pouco estruturada, sugere sempre a necessidade de atenção ao problema da fidedignidade, pois não permite ao investigador oferecer prova de que seus dados são como descreve. Uma vez que a entrevista é uma relação interpessoal e social, na qual o próprio entrevistador é o principal instrumento, é necessário estudar para desenvolver a habilidade de entrevistar, melhorar a técnica, aprender a evitar alguns erros, a reconhecer, localizar e controlar suas próprias distorções. Uma das maneiras utilizadas para minimizar o risco dessas distorções foi realizar os registros no diário logo após as conversações exploratórias.

O processo de organização dos dados provenientes das observações e entrevistas informais revelou que era necessário complementar as informações coletadas ao longo do primeiro semestre de 2006. Para tanto, elaboramos um roteiro semiestruturado e, no segundo semestre de 2009 (havia já cerca de dois anos que não trabalhávamos nessa escola), voltamos a fim de entrevistarmos professores de diferentes disciplinas, os quais já atuavam ali quando a pesquisa teve início. Priorizamos professores cujas disciplinas envolvem mais diretamente um trabalho com textos em linguagem verbal e também aqueles que se mostraram mais disponíveis. Assim, foram gravadas e transcritas entrevistas com duas professoras de Língua Portuguesa, uma de Matemática, uma de Ciências e um professor de História. O professor de Geografia que atuava nessa escola no início da pesquisa havia se removido para outro município, mas entramos em contato com ele e, mesmo na impossibilidade de agendarmos um encontro, devido aos seus compromissos, a entrevista foi concedida por e-mail. O roteiro semiestruturado que utilizamos nessas entrevistas pode ser conferido no Apêndice A.

Apesar de partirmos de um roteiro composto de questões abertas que contemplavam os pontos-chave relativos às informações que queríamos obter dos professores, outras questões lhes foram dirigidas no decorrer das entrevistas, conforme as ênfases e direcionamentos que estes imputavam aos temas tratados. Neste sentido, Zago (2003, p. 303) destaca que

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A flexibilidade faz parte da lógica do método qualitativo e da entrevista compreensiva, mas é importante demonstrar, na sua condução, aonde o pesquisador quer chegar. Daí a importância de termos um ponto de partida e garantirmos essa condição mediante um roteiro de questões. (...) Esse processo auxilia na definição da problemática, ajuda a hierarquizar assuntos ou temas, separando o que é central do que é periférico na investigação.

Desse modo, nosso roteiro versou, basicamente, sobre as opiniões manifestadas pelos professores acerca do que consideram serem as maiores dificuldades de seus alunos, as causas que atribuem a essas dificuldades, suas formas de intervir para a superação dos problemas e modos de orientar os alunos na realização das atividades. No decorrer de suas considerações, procurávamos observar o quanto esses professores relacionavam os problemas de aprendizagem de seus alunos a dificuldades de leitura e escrita – como concebiam esses processos, seu ensino e sua importância para o sucesso da aprendizagem em suas disciplinas – bem como que outras condições julgavam intervir de modo mais ou menos efetivo nos processos de ensino e de aprendizagem.