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Professores: a leitura compreensiva é importante para aprender os conteúdos das disciplinas

P ARTE II – F UNDAMENTAÇÃO T EÓRICA

O LEITOR E A OBRA

5.3.2 Professores: a leitura compreensiva é importante para aprender os conteúdos das disciplinas

O professor Lucas (36 anos de idade, 10 de magistério), preocupa-se muito com a proficiência leitora dos alunos, pois a considera imprescindível à aprendizagem dos conteúdos de Geografia, sua disciplina. Também acredita que, lendo mais e melhor, os alunos podem aprimorar sua capacidade de se expressarem por escrito, devido à ampliação do conhecimento de mundo. Para ele, ler é compreender os sentidos do texto e, sem essa compreensão, a aprendizagem é comprometida. Quanto à escrita, parece-nos que o professor demonstra maior insatisfação com a pobreza de conteúdo dos textos dos alunos, como se estes não tivessem muita coisa a dizer, devido, justamente, à pouca prática de leitura e influência negativa dos meios de comunicação. No registro que segue, descreve-se uma conversação entre o professor Lucas e eu, presenciada pela professora Ivone, de Matemática, que também interveio na conversa. Ela menciona como a dificuldade dos alunos em compreender as comandas das atividades muitas vezes prejudica seu desempenho na realização das mesmas:

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O professor Lucas me apresenta um texto que está trabalhando com seus alunos e pede que eu emita uma opinião sobre o texto, manuscrito por ele mesmo em duas páginas e mimeografado. (...)

Ao terminar de ler o texto, eu disse que havia gostado muito. Ele explicou que queria refletir com os alunos sobre a ideologia do consumismo, individualismo e competitividade que o mundo moderno deve à consolidação do capitalismo. Disse ter encontrado o texto na Internet e me orientou sobre como encontrá-lo, usando o google: “Hoje você pode encontrar praticamente tudo na Internet”.

O professor Lucas mostra-se preocupado com a proficiência leitora dos alunos, o que me chama a atenção. Ele diz que quer trabalhar muito com a leitura, porque percebe que os alunos têm uma compreensão bastante superficial dos textos. Segundo ele, a escrita está sendo negligenciada em virtude dos meios de comunicação: “Quero trabalhar muita leitura com os alunos, que eles saiam do senso comum, que saibam ser mais articulados, expressarem-se por escrito sem usar tantos clichês e sem serem tão vagos e superficiais”.

A Ivone, professora muito experiente, de Matemática, diz que explicou alguns conceitos matemáticos de potenciação e que, ao passar uma atividade: “Identifique a base das potências”, os alunos queriam calcular a potência porque, segundo ela, não entenderam o que significava “identificar”. O Lucas continuou falando da dificuldade dos alunos para entender os textos quando esbarravam em qualquer palavra cujo significado desconheciam, já que não prosseguiam com a leitura na tentativa de procurar inferir/ apreender o seu significado pelo contexto. “Aparece a palavra ‘colapso’, os alunos param e perguntam. Eu não tenho paciência para interromper a aula e propor procurar a palavra no dicionário, eu esclareço logo o que quer dizer e prossigo com a explicação ou atividade”. Ele lembra os autores que falam da capacidade dos jovens de hoje em dia para fazer várias coisas ao mesmo tempo, autores dos quais discorda: “Os jovens podem até fazer várias coisas ao mesmo tempo, mas não fazem bem nenhuma”. Cita o exemplo do M..., um aluno do 2º colegial que “passa o dia inteiro na lanhouse e não sabe sequer copiar e colar um texto no Word. Como diz um autor, o conhecimento deles é como um lago, extenso e raso, nada é aprofundado, eles nunca saem da superfície das coisas, muito menos dos textos”.

Acho muito interessante que um professor de Geografia não esteja preocupado apenas com a parte conceitual de sua disciplina, mas que, ao contrário, considere como parte fundamental da aprendizagem dos conceitos geográficos o aprimoramento das habilidades dos alunos para lerem, compreenderem e produzirem textos. [Apêndice D]

É interessante notar que o professor Lucas, apesar de não ter conhecimentos específicos acerca de como se processa a leitura na mente/ cérebro, dispõe, como leitor, de intuição para considerar a importância de se prosseguir com a leitura mesmo na presença de palavras desconhecidas, com vistas a inferir-lhes os significados pelo contexto, estratégia utilizada por leitores proficientes. Quando afirma que “não tem paciência” para propor que se procure no dicionário cada palavra desconhecida, preferindo, para agilizar a leitura, explicar os significados questionados pelos alunos, parece querer justificar-se, como se o procedimento mais recomendável fosse de fato parar e procurar no dicionário cada palavra a respeito da qual os alunos manifestassem dúvida. Talvez, se tivesse conhecimentos mais explícitos acerca dos procedimentos utilizados por leitores experientes na produção de

sentidos, poderia, ao invés de informar os significados das palavras para os alunos, orientá-los a sempre prosseguir com a leitura e não parar diante de cada palavra desconhecida. Além disso, a leitura fragmentada não é compatível com o curto período de duração de uma aula e não favorece a constituição dos sentidos.

Outro trecho que evidencia a concepção de leitura do professor Lucas – ler é compreender, ser capaz de interpretar os textos – é o seguinte:

O professor Lucas, de Geografia, disse que faria uma sugestão: “Nossa meta principal deve ser atacar a principal dificuldade dos alunos, que é a interpretação de textos. Quaisquer projetos, idealizados pela escola ou propostos pela DE, devem focalizar essa dificuldade. Deve ser bem debatido o trabalho interdisciplinar, vamos trabalhar os propostos pela DE, mas focalizando a dificuldade de leitura dos alunos, pra ver se alcançamos de fato o nosso objetivo, discutindo coletivamente”. [Apêndice D]

A professora Flávia, de Ciências, também faz observações quanto às dificuldades dos alunos para assimilarem os conteúdos de sua disciplina em função de problemas de leitura:

A Flávia [professora de Ciências] disse que há alunos na 5ª série que não sabem ler: “eles sabem copiar, mas ler não. Muitas vezes não conseguem fazer a atividade porque não sabem ler”. [Apêndice D]

Depoimentos dessa natureza evidenciam a percepção dos professores quanto à importância do domínio da leitura como requisito para otimizar a aprendizagem dos alunos em suas disciplinas. O que certamente difere, entre os professores, é o compromisso em assumir como objetivo de sua área a formação da competência leitora dos alunos, em conjunto com as outras áreas, ou simplesmente pressupor que fazem o possível e que ensinar a ler extrapola seu papel, sendo tarefa exclusiva dos professores alfabetizadores e/ou de Língua Portuguesa (destes, contudo, muitos alegam que também não foram formados para alfabetizar e que, se seus alunos não melhoram na leitura e na escrita, é porque não observam as regras gramaticais que tão insistentemente lhes são ensinadas).