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A leitura e a escrita no ensino médio: uma análise do trabalho docente com o texto

P ARTE II – F UNDAMENTAÇÃO T EÓRICA

CAPÍTULO 4 – R EVISÃO DA L ITERATURA

4.1 A leitura e a escrita no ensino médio: uma análise do trabalho docente com o texto

verbal escrito (Queiroz, 2000)

Queiroz (2000) investigou, em sua dissertação de mestrado, que lugar a leitura e a escrita ocupam nos processos de ensino e aprendizagem em uma escola pública de Goiás, analisando como essas práticas são concebidas e trabalhadas por professores de diferentes disciplinas, exceto Português. Para a autora, que tem larga experiência no ensino de Língua Portuguesa, o trabalho desenvolvido pelos professores de Português não é suficiente para elevar o nível de eficácia da capacidade dos alunos para a leitura e produção de textos porque privilegia o ensino da gramática normativa, de modo que “o trabalho com a leitura e com a produção escrita acaba se tornando apenas um instrumento, uma mediação para o trabalho com a disciplina gramatical” (p. 13).

Dessa forma, justifica a ausência de uma reflexão sobre as aulas de Língua Portuguesa em sua investigação e acrescenta que o lugar ocupado pela leitura e escrita nas diferentes disciplinas não é tão frequentemente contemplado nas pesquisas quanto o é na disciplina Língua Portuguesa. Acreditamos, entretanto, que não se pode simplesmente aceitar como realidade imutável a ênfase que as aulas de língua materna tradicionalmente depositam no ensino de gramática normativa, como se, ao professor de Português, não coubesse rever e problematizar a utilidade dessa ênfase na constituição das competências leitora e escritora dos alunos. Se a todos os professores tem sido atribuída a tarefa de desenvolver tais competências,

com mais razão ainda se pode esperar que tal trabalho seja realizado pelos professores de Português, cujo objeto de estudo específico é a própria língua.

Numa sociedade tão fortemente caracterizada pelo avanço e uso de novas tecnologias, Queiroz (2000) questiona por que o domínio da leitura (de textos escritos) e da escrita permanece como exigência para o êxito dos processos de ensino e aprendizagem. A autora lembra que o domínio de outros códigos de representação e comunicação passa necessariamente pelo domínio do código alfabético escrito, de maneira que não se pode prescindir de habilidades tão básicas como a leitura e a escrita (do texto verbal). Lembra, ainda, remetendo-nos a Soares18 (1991), que à luz de estudos antropológicos, a escrita só tem valor positivo absoluto em sociedades letradas, nas quais, por sua vez, os valores atribuídos à escrita diferem de uma classe – a dos dominantes – para outra – a dos dominados. Assim sendo, numa sociedade que se organiza pela divisão social do trabalho, como a nossa, a escrita acaba assumindo uma função discriminatória que perpetua privilégios. Ler e escrever são, para os “dominados”, uma exigência do e para o mundo do trabalho, representam um “valor de produtividade” e de luta por melhores condições de vida e não de afirmação do sujeito.

Ainda segundo Queiroz, é a imposição de um discurso ideológica e linguisticamente marcado pela visão das classes dominantes que, reforçando a visão pragmática das classes dominadas, nega-lhe o discurso e o acesso à escrita por meio de mecanismos de discriminação. Isto porque, embora haja diferentes visões sobre o valor da escrita, a visão que prevalece é a das classes dominantes. Se a escola deseja se comprometer com a transformação social, precisa assumir o papel que lhe atribui Snyders19 (1977, p. 105, apud Queiroz, 2000) ao defini-la como um local de luta e não como um feudo da classe dominante. Enquanto a escola continuar restringindo, para as classes populares, o acesso à escrita, limitando-o a uma mera introdução do sujeito em seu universo através da alfabetização, a única cidadania a ser conquistada pelos alunos será, como pondera Queiroz (2000, p. 26), aquela pensada do ponto de vista burguês, “que conjuga obediência, servilismo dócil, submissão, negação de si mesmo, em favor dos valores da classe dominante”.

É fácil reconhecer a adequação de um nível primário de domínio da escrita a este modelo de cidadania. Para exercer, como lembra Silva20 (1998, apud Queiroz, 2000), uma

18 SOARES, Magda Becker. “As condições sociais da leitura: uma reflexão em contraponto”. In: ZILBERMAN, Regina e SILVA, Ezequiel Theodoro da (orgs.). Leitura: perspectivas interdisciplinares. 2ª ed., São Paulo: Ática, 1991.

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SNYDERS, Georges. Escola, classe e luta de classe. 2ª ed. Lisboa: Moraes Editores, 1977.

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“cidadania esclarecida”, o domínio da escrita pelo cidadão deve ser cada vez mais eficiente e completo. Isto não lhe viabilizará exercer uma cidadania plena, posto que, para tal, muitos dos direitos e deveres de que necessita não podem ser garantidos ou estabelecidos pela escola. A esta caberá preparar o educando para exercer uma cidadania esclarecida, na medida em que promova o desenvolvimento das habilidades de escrita, com criticidade – construção de um leitor crítico e maduro, usuário eficiente da linguagem escrita.

O que Queiroz (2000) propõe, em sua pesquisa, é que a leitura e a escrita sejam objetos de ensino, pelo menos, até o final da educação básica, em todas as disciplinas que utilizam o texto verbal escrito como veículo principal de informação dos conteúdos e como mediação para a realização das aprendizagens. Convém destacar que conteúdo, na concepção informada por Libâneo (1994), não se restringe a conhecimentos científicos, incluindo, ainda, procedimentos, hábitos, atitudes e habilidades.

Nesse sentido, questionamo-nos se todos os professores têm condições (formativas e/ou pragmáticas) de atuar como interlocutores críticos e eficientes no uso da linguagem escrita, dialogando com o aluno e mediando sua relação com os autores e seus discursos através dos textos, uma vez que, como destaca Queiroz (2000, p. 32-33),

Ler e escrever devem ser ensinados concomitantemente ao ensino dos conhecimentos próprios de cada disciplina. Não se pode considerar o aluno leitor fluente e produtor eficiente de textos, ou responsável para dar conta disso, só porque passou pela alfabetização ou porque ainda estuda Português. Desta afirmação se podem extrair duas conclusões: uma, que sublinha a necessidade de se continuar ensinando alunos, de qualquer nível de escolaridade, a ler e a escrever, se se assume que a alfabetização é um aprendizado que tem início, mas não fim; (...) A outra conclusão é a de que todo professor, e não o de Português apenas, é responsável pelo ensino da leitura e escrita, já que essas habilidades são a todo momento requeridas no processo de ensino e aprendizagem dos diversos conteúdos escolares.

Destacamos que, quando a autora afirma que “todo professor, e não o de Português apenas, é responsável pelo ensino da leitura e escrita”, está de certa forma questionando as próprias aulas de Português que priorizam o ensino de gramática normativa em detrimento das habilidades de leitura e produção de texto.

Para que os professores deem conta de conduzir um ensino eficiente de leitura e escrita, Queiroz (2000) considera que o grande entrave a ser superado é a falta de conhecimentos específicos destes conteúdos, acentuando, portanto, a importância de uma consistente fundamentação teórica permeando a formação docente. Leitura e escrita são objetos de ensino complexos, de modo que se os concebemos como processos de construção de significados, não podemos reduzi-los às meras capacidades de decodificar ou codificar um

texto. Disso inferimos que, para a autora, o problema não remete a uma suposta falta de interesse ou engajamento dos professores, mas à sua formação.

Embora ratifiquemos as considerações da autora referentes à necessidade de conhecimentos solidamente construídos acerca dos processos de leitura e escrita, insistimos, como fazem autores que privilegiam a reflexão sobre as situações concretas de ensino (Azanha, 1990, 2004 ; Souza, 2006), que a ênfase na questão formativa do professor implica o risco de considerarmos que a qualidade do ensino e, de modo mais abrangente, da educação, depende exclusiva ou principalmente de atuações de professores bem formados, como se a teoria pudesse ser simplesmente “transplantada” para a prática. Corroboram nossa posição as seguintes considerações de Azanha (2004, p. 370):

(...) tentativas de derivar regras práticas de teorias científicas são, na maior parte das vezes, exercícios claudicantes do ponto de vista lógico, por desconsideração das complexas questões implicadas no trânsito entre o conhecimento de fatos e possíveis regras que consistiriam numa aplicação desse conhecimento.

É em função disso que nosso estudo visa a refletir sobre a percepção que os professores demonstram acerca da importância da leitura e da escrita no processo de aprendizagem dos seus alunos à luz das dificuldades que enfrentam quando buscam promover essa aprendizagem. Tais dificuldades podem resultar, também, de equívocos teóricos decorrentes do modo como os professores concebem os processos de leitura e escrita e as estratégias para promover sua aprendizagem, mas certamente não se limitam a eles.

Os resultados da pesquisa de Queiroz (2000), que se ampararam na observação e análise de 58 sessões de aula de quatro professores de diferentes disciplinas, ao longo de um bimestre letivo, em uma escola pública de Goiás, foram os seguintes, no que diz respeito às práticas de ensino de leitura empreendidas pelos docentes:

• O texto verbal escrito é o instrumento por excelência utilizado pelos professores (p. 97). Esta conclusão fundamenta-se na análise dos planos de ensino desses professores, nos seus depoimentos e nos registros das observações de suas aulas;

• O tipo de texto escrito privilegiado é o didático;

• Em suas observações, Queiroz verificou que, independentemente do suporte textual empregado pelos professores – livro didático, apostila, folhas avulsas – muitos alunos não o tinham ou não dispunham de tempo suficiente para a sua leitura (textos avulsos ou apostilas eram recolhidos no final da aula)21. Assim, não se pode afirmar que um

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lugar específico é reservado para a leitura no processo de ensino e aprendizagem, nem como mediação nem como objeto desses processos. Uma explicação possível, segundo o que relatou um dos sujeitos da pesquisa, é a escassez de tempo durante a aula, que seria destinada a verticalizar/ aprofundar os conteúdos. Ao analisar o depoimento desse professor, Queiroz (2000, p. 109) destaca que sua preocupação é com o “ensino” dos conteúdos específicos de sua disciplina, com a sua atividade docente:“A atividade do aluno em sala é controlada como forma de não se comprometer o desempenho da atividade do professor, que é central, e de não se ‘atrasar’ o programa de conteúdos pré-definido para ser desenvolvido”;

• A leitura fica sempre relegada a um plano secundário em relação às outras mediações, de modo que não é dada ao aluno a oportunidade de interagir com o texto, para atribuir-lhe sentido e compreendê-lo. Segundo a autora, “não se pode afirmar que a escola esteja contribuindo para que o aluno se constitua um leitor proficiente e crítico” (Queiroz, 2000, p. 110);

• Não são explicitados objetivos com relação à formação do leitor nas atividades desenvolvidas em sala de aula (p. 132);

• Os registros de observação revelam que o contato do aluno com o texto é muito rápido e diluído pela mediação do professor (p. 145).

Ao examinar as concepções dos professores sujeitos da pesquisa sobre o que seja ensinar a ler, Queiroz (2000) identificou as seguintes opiniões: a) fazer o aluno ler e explicar o que entendeu, seja falando ou escrevendo, sempre com base nas ideias do texto; b) orientar o processo de decodificação das palavras, explorar o nível lexical e levar o aluno a dominar os significados dos termos, palavras e conceitos; c) envolver o aluno com a literatura para desenvolver-lhe a imaginação, o pensamento abstrato e o raciocínio lógico; d) orientar o aluno a buscar, além do significado das palavras fornecido pelo dicionário, informações extratextuais, como o contexto histórico, a historiografia do autor, a opinião sobre ideias diferentes das do autor, de modo a viabilizar o entendimento.

Queiroz (2000) afirma que, nos procedimentos adotados pelos professores nas atividades que exigem leitura, por ela observadas, não se verificam ações voltadas especificamente para o desenvolvimento de habilidades de leitura, conforme a concepção de leitura que ela defende em seu estudo – processo interacional de informações, perceptivo e cognitivo ao mesmo tempo, que requer interação entre leitor e autor, via texto, para resultar

em compreensão. Entretanto, a autora reconhece que as ações dos professores são coerentes com a concepção de leitura que eles próprios adotam.

Concordamos com Queiroz (2000, p. 146) quando afirma que

Ao professor caberia promover o encontro do aluno com o autor e mediar essa relação, assumindo-se, não como um intérprete, mas como mais um interlocutor, e como tal, crítico, problematizador, instigador, tanto do autor como do aluno.

Mas julgamos apropriado ponderar que, a despeito de a leitura ser conquistada com experiência e não com ensino (Smith, 1999), é muito compreensível que o professor se coloque como intérprete dos textos, perante os alunos, quando estes não conseguem ou resistem a interpretar ou compreender os textos, pois, entre tantos papéis forjados pelas transformações sociais e históricas por que passou e passa a sociedade e a escola atual, aquele que os docentes provavelmente têm mais aceitação em reconhecer e assumir como seu é o papel de ensinar. O mero contato frequente dos alunos com textos até pode dar conta, do ponto de vista teórico, de desenvolver suas habilidades de leitura, mas na prática, há outros fatores intervindo nesse engajamento dos alunos em ler, desde a história pregressa de experiências com a escrita que o aluno traz para a escola, passando pela organização do tempo escolar, fragmentado e acelerado, até a influência de valores e crenças que podem relativizar a importância da leitura como um bem formativo do qual se deva apropriar.

Na escola convive uma pluralidade de aspectos, por vezes conflitantes, com os quais o professor se vê obrigado a lidar simultaneamente, no curto tempo de que dispõe e com recursos nem sempre apropriados e suficientes para desenvolver seu trabalho. Nesse sentido, afirmar que o professor, ao assumir a função de intérprete, adianta-se à leitura do aluno ou a inviabiliza, requer mais consideração às condições pelas quais se efetiva o fazer docente na sala de aula de uma escola pública. Não é tão fácil determinar se o professor deixa de oportunizar situações autênticas de leitura por falhas em suas concepções teóricas ou metodológicas ou se é levado a desenvolver estratégias para solucionar, ainda que precariamente, certas contingências do cotidiano, como o fato de não haver cópias dos textos para todos os alunos (o que o obriga a arcar, muitas vezes, com os custos da reprodução de material, que precisa ser recolhido no final da aula para ser trabalhado com diversas turmas). Ou, ainda, com o fato de os alunos não fazerem as leituras previamente solicitadas, como preparação para um momento de autêntica interação com o texto, mediada pelo professor no decorrer da aula. Na verdade, parece haver um círculo vicioso em que o aluno não faz as leituras, entre uma infinidade de razões, por saber que o professor vai explicar a matéria e

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este, por sua vez, adianta-se à leitura do aluno ou se coloca após essa leitura, para “explicar a matéria”, porque sabe que o aluno não leu ou não compreendeu o que leu.

Não pretendemos, com isso, discordar de Queiroz quando afirma que o professor precisa se dispor a estimular o aluno a construir sua própria relação com a leitura, mas apenas ressaltar que há contingências sobre as quais é preciso refletir para que reais possibilidades de ação possam ser implementadas. Desautorizar o professor e imputar unicamente às suas concepções, suposta ou efetivamente equivocadas, os problemas verificados no dia a dia das salas de aula, pode atender aos objetivos de uma pesquisa acadêmica, mas não aponta caminhos viáveis de transformação da realidade. O professor, mergulhado nessas contingências, não consegue dialogar com trabalhos que apontam essa natureza de resultados e, em decorrência disso, não se beneficia efetivamente de suas contribuições, mesmo que relevantes e pertinentes.

A esse respeito, lembramos as considerações de Smith (1999, p. 119-120) sobre a importância de os aprendizes terem acesso a modelos de bons leitores, simplesmente interagindo com eles:

O papel fundamental desempenhado pelos adultos, quando ajudam as crianças nesta tarefa fundamental de entender o sentido da escrita, é mostrar o sentido da escrita para elas. (...) Todos os aspectos especializados da leitura (...) são aprendidos através de modelos e da orientação dada por pessoas que sabem como fazer isso. Não é tanto uma questão de ensinar essas habilidades às crianças, mas sim de fazer junto a elas, somente mostrando como isso é feito.

De fato, se o professor não encontra uma maneira de desempenhar essa leitura juntamente com os alunos, no curto espaço da aula e na ausência de contato prévio desses alunos com os textos, resta-lhe, como estratégia de enfrentamento que visa a amenizar um possível desconforto frente a uma situação não ideal, tentar transmitir-lhes o que ele próprio compreendeu do texto na forma de “explicação da matéria”. Quase sempre, os alunos acharão proveito nessa estratégia, porque não terão “perdido” ou “gasto” um “tempo desnecessário” na leitura dos textos e ainda terão acesso à interpretação que consideram válida, autorizada, já que provém do próprio professor. Reproduzi-la ser-lhes-á suficiente.

Quanto aos resultados da pesquisa de Queiroz (2000, p. 147-148), referentes às práticas que os professores empreendem, ou não, para ensinar a escrita, destacamos as seguintes conclusões da autora:

• A escrita é utilizada apenas para aferir se houve aprendizagem dos conteúdos das disciplinas e não para realizar a aprendizagem dela mesma;

• Nos planos de ensino dos professores, a escrita é pensada como mediação para a aprendizagem e aferição de seus resultados.

Ao constatar que as oportunidades de escrita são, na grande maioria das vezes, propostas para realização de atividades ou avaliações cujo objetivo é mensurar o grau de aprendizagem, Queiroz (2000, p. 155) destaca que

Os textos dos alunos (...) não passam de repetições dos textos escritos que serviram de fonte para as aulas ou dos textos orais proferidos pelos professores, sendo estes textos avaliados em função da fidelidade que apresentam em relação aos textos originais lidos ou ouvidos.

Cabe questionar até que ponto essas produções dos alunos podem ser consideradas como meras “repetições” dos textos-fonte. Consideramos que a capacidade de parafrasear textos, ainda quando não se verifica, da parte do aluno, a sua autoria, revela uma habilidade que funciona, de certa forma, como pré-requisito para a leitura como diálogo autêntico com o texto: o aluno precisa ser capaz de reconhecer a autoria do texto e compreender o que o autor tinha a dizer para com ele poder dialogar. Dessa forma, dizer de outra maneira aquilo que o texto ou o professor disse, ainda que reproduzindo o seu conteúdo (estrutura profunda), mas por diferentes formas (estrutura de superfície), representa sim, a nosso ver, um grande avanço em relação à mera prática de transcrever – copiar – trechos de textos meramente decodificados e mal ou nada compreendidos. Afinal, que diálogo se pode estabelecer com um texto de cuja leitura não resulta uma compreensão minimamente satisfatória? Como reconhecer as intenções e os objetivos em função dos quais o texto foi produzido por alguém, que desempenha um papel social e escreve para alguém, num contexto social e historicamente determinado?

Sob esta perspectiva, consideramos fundamental o professor, ao refletir criticamente sobre sua prática, não sucumbir perante insinuações acerca de uma suposta e mal intencionada manipulação de sua parte em relação à compreensão do aluno, sob pena de abandonar-se a uma prática espontaneísta que implica o risco de nada fazer, à espera de que o aluno aprenda a ler e a escrever sozinho, “somente praticando”.

Concordamos com Queiroz (2000) quando afirma que “a formação do leitor exige a oportunização de leituras, realmente assistidas e levadas a efeito de muitos e variados textos” (p. 169). No entanto, a própria autora revela que, segundo as observações que fez,

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(...) as condições de produção do trabalho escolar não permitem que a leitura dos textos

seja realizada, por uma razão óbvia: o aluno está sempre desprovido do texto, seja porque ele

não adquiriu o livro didático (...), seja porque ele devolveu ao final da aula o texto que era emprestado, seja porque ele não adquiriu um exemplar desse texto, pelo qual ele teria que pagar. O recurso do empréstimo ou da aquisição de cópias, conforme se verificou, foi adotado em função das condições impostas pela escola, que, embora pública e uma das mais bem

equipadas do ponto de vista de seus recursos materiais, não dispunha de material suficiente para reproduzir os textos que os professores solicitavam (p. 179 – grifos meus).

Além dessas condições, a autora lembra que os professores também alegam falta de tempo para a atividade de leitura em sala de aula, devido à pequena carga horária de suas disciplinas e ao grande volume de conteúdos a serem trabalhados. A nosso ver, além de uma revisão dos conteúdos realmente pertinentes para viabilizar uma boa formação do educando – e ressaltamos que “conteúdos” não se restringem a conceitos teóricos, mas incluem