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Capítulo 3 – Metodologia

3.6 Os cenários das observações participantes

3.6.3 Escola 2 (E2) – Professora Nelma

(...) De manhã era assim: a gente não fazia e passava. Agora à tarde eu não sei como vai ser26. A E2 fica localizada num bairro de baixa renda na periferia de Belo Horizonte, distante cerca de quarenta minutos do centro da cidade. Ela é municipal e atende alunos do ensino fundamental e médio, nos três turnos, com um total de 400 alunos. O prédio aparenta ter passado por algumas reformas e ampliações sem muito planejamento. No entanto, é bem conservado e limpo. Há salas de professores com um banheiro reservado, quadra de esportes e, recentemente, foi instalado um mini-auditório, com poltronas estofadas, vídeo e TV de 29”. A biblioteca é pequena, porém muito freqüentada pelos alunos, pois eles são estimulados por Ciclos de Leitura, criados pelos professores de português. Há dicionários, livros de estórias e livros-texto de inglês, alguns com fita cassete. Sobre o acervo de livros, a professora me contou que já fora maior, pois, durante a arrumação de um final de ano, muitos livros de inglês, conseguidos por Nelma como doação, acabaram jogados no lixo. Quando perguntei a razão, ela relatou que os

26 Depoimento informal de uma aluna sobre sua percepção dos métodos avaliativos da escola, que segue

funcionários teriam alegado que precisavam “arrumar” o local e precisavam, assim, “desocupar” espaços. No início deste trabalho, os professores dispunham de uma cota reduzidíssima de xerox (somente para provas, fato que depois foi modificado, ampliando-se a cota) e acesso restrito a retro-projetores, que existiam em número muito pequeno.

Quanto a normas disciplinares, havia a presença constante de coordenadores pelo pátio e corredores da escola. A eles cabia a função de organizar a escola e chamar os pais dos alunos, a pedido dos professores, para conversas acerca do desempenho e da disciplina de seus filhos. De acordo com o relato informal de uma das coordenadoras, os casos mais sérios eram encaminhados, sempre que possível, para apoio psicológico e/ou pedagógico gratuito, oferecido pela Secretaria de Educação.

O formato das aulas na E2 era um pouco diferente do habitual nas escolas brasileiras: os professores permanecem sempre nas mesmas salas, das quais possuem as chaves, e os alunos é que se movimentam a cada aula. Há, assim, algum tipo de material visual relativo a cada disciplina, nesse caso, havia cartazes com expressões, números e figuras em inglês pregados nas paredes. As salas têm uma média de 25 alunos, são bem iluminadas, possuem quadro de giz e quadro branco.

A merenda é de qualidade e é servida para e alunos e para os professores que desejarem. Além do prato principal, geralmente sopa com carne ou frango, arroz e macarrão com carne ou frango, havia também sempre um doce, para sobremesa.

A escola promove, também, atividades eventuais de acolhimento da comunidade e dos próprios alunos, fora do horário curricular. Grande parte deles realizados pela Professora Nelma, principalmente ensaios e apresentações teatrais, que ela promovia e coordenava voluntariamente. Talvez por isso, ao contrário da E1, a E2 não possuía muros ou paredes pichadas.

Nos dias em que estive na E2, fui sempre recebida de maneira entusiasmada pelos alunos que, no período vespertino, são quase ainda crianças e pré-adolescentes. Era, quase sempre, o foco das atenções, ao contrário do que ocorria na E1 e na E3. Passava nos corredores e pelo pátio e recebia cumprimentos em inglês. Outras vezes, queriam saber nomes de objetos ou expressões, ou me traziam trechos de letras de música, para que eu os traduzisse. Eu participava dos grupos de estudo durante as aulas e minha presença era disputadíssima: Na próxima aula, você vai sentar com o grupo da gente. Na tentativa de compreenderem melhor meu papel ali, perguntavam-me se eu estava lá para ver se eram insuportáveis mesmo. Seus pais eram, segundo relato da professora Nelma, na maioria, operários de baixa renda. Havia também, segundo a professora, meninos recém–saídos da infância e já usuários de drogas, ou envolvidos com algum tipo de delito.

Observei também alguns alunos que, mesmo formalmente matriculados na sexta-série, turma que eu acompanhava, não eram alfabetizados. Segundo depoimento da professora, esses alunos eram fruto das normas pedagógico-avaliativas da Escola Plural de Belo Horizonte. De acordo com Nelma, essas normas foram mal interpretadas

por muitas escolas e conduziram a uma prática pedagógica sem compromisso com a aprendizagem dos conteúdos acadêmicos minimamente necessários27.

Assim como na E1, e também na E3, notei resistência dos alunos à instituição da LI como código legítimo de interação em sala de aula. Porém, na E2 esse movimento era mais infreqüente e desenvolvido por poucos alunos. A maior parte deles, ao contrário, mesmo em meio ao barulho constante, parecia aprovar o uso da LI, pela professora, para dar pequenas instruções, o que para eles, era quase um jogo. A professora falava e eles iam tentando adivinhar o que deviam fazer, muitas vezes traduzindo e repetindo o que ela dizia. Nesse sala, notei o uso de alguns chunks, ou seja, itens lingüísticos aprendidos pelos alunos, por meio da interpretação do contexto, de maneira não-analisada. Entre eles: It´s one for two (fala da professora que sempre acompanhava a distribuição das folhas de exercícios em duplas), ou: Nelma, o Nelma, eu vou, eu vou, just a minute, please (para pedir licença e sair da sala de aula). Havia, no entanto, muita dificuldade de manutenção do piso conversacional da professora, pois o barulho dos alunos era constante e sua voz, baixa. Ela chamava a atenção, em português, e ia seguindo a aula, atendendo aos pequenos grupos ali formados e que estavam em estágios quase sempre diferentes de execução da atividade do dia. Nelma ministrava, assim, muitas aulas ao mesmo tempo e, não apenas, uma.

Durante o período em que observei suas aulas e, segundo ela, após sua entrada no EDUCONLE, a professora Nelma não seguia rigidamente um único livro didático,

27 A Escola Plural de Belo Horizonte teve seus métodos de progressão continuada sem reprovação e

equiparação idade-série muito questionados por pais e professores. Um projeto da Secretaria de Educação Municipal prevê sua re-estruturação. Por isso, não havia dados precisos a serem coletados acerca da política de ensino municipal no período de observação de aulas na E2.

optando por atividades retiradas de materiais didáticos variados, que eram xerocadas por ela ou pela escola e entregues aos alunos, em duplas. Havia jogos e dramatizações de leituras feitas pelos alunos, na frente da sala. O rito instrucional começava, sempre, com a distribuição da folha de atividades, seguida de instrução. Os alunos eram organizados, para isso, em pequenos grupos, e copiavam o exercício no caderno, devolvendo, quase sempre, a folha de atividades, que ela usava com outras turmas.