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Os padrões interacionais modificados nas aulas de gramática: a inserção de

Capítulo 4 – Parte 1

4.2 Ensino de gramática – TAC 1

4.2.3. Os padrões interacionais modificados nas aulas de gramática: a inserção de

É importante assinalar, primeiramente, a inserção do item fala do aluno em inglês, nas aulas observadas entre agosto e novembro/2004. Essa mudança é significativa e pode ser explicada pela opção, nesse período, por atividades com ênfase na prática oral para trabalhar o desenvolvimento lingüístico dos alunos, tais como: quebra-cabeça (jigsaw), entrevistas e debates, algumas delas demonstradas às professoras no EDUCONLE, ou por elas mesmas sugeridas nas sessões colaborativas do estudo44. Por meio desse novo aporte metodológico, as professoras passaram a oferecer aos alunos um patamar lingüístico mínimo, com base no qual eles puderam interagir na LI, de modo socialmente importante. Decorre disso que o discurso docente também foi produzido com mais freqüência na LI e, por isso também, deixou de ser tão necessário recorrer extensivamente ao uso de metalinguagem, visto que as professoras passaram a ensinar uma língua em uso. Essa nova centralidade das aulas (ditas) de gramática assinala uma re-inserção da LI com propósitos ligados à sua prática social, como é retratado no excerto 23, em que a Professora Patrícia debate com os alunos o conteúdo de diferentes textos sobre estrangeirismos. O foco lingüístico da aula era a habilidade de

44 Mais detalhes sobre a efetivação das atividades de produção oral nas salas de aula observadas serão

demonstrar concordância ou discordância/opinião na LI, por meio de enunciados afirmativos e negativos:

Excerto 23 (aula de 14/09/04):

P: Como o deputado pode dizer que não concorda? (...) He can say I agree And you: do you agree or disagree with him?

A: Agree (risos) B: I don´t agree A: I don´t agree

Como também pode-se observar no excerto 23, as perguntas de demonstração continuam, nessa fase das aulas, presentes. Esse padrão de interação demarca uma configuração interacional familiar às professoras e seus alunos, em cujos contornos é empreendida a complexa (e às vezes difícil) tarefa de ensinar. Trata-se de um padrão interacional ao qual os alunos, quase sempre, se engajam, participando conforme solicitados. De todo modo, as professoras, agora mais conscientes dos processos interacionais envolvidos na aprendizagem de LI, bem como de seu papel social, parecem deixar a vida lá fora, aos poucos, entrar pela soleira da porta da sala de aula, isso é demonstrado, no Quadro 5:

Quadro 5 – Padrões de interação das professoras em aulas comunicativas (outubro e novembro de 2004):

Estratégias de Participação Exemplos: Uso de perguntas para criação de rapport com os

alunos

Ok. Let´s ask her about this (...) what do you think?

Uso de display questions O que o Texto 1 fala sobre que assunto? É contra ou a favor?

Uso reduzido de metalinguagem Como o deputado pode dizer que não concorda? He can say I agree

Uso mais extensivo da LI OK. So you use don´t, OK? Recuperação do conhecimento pré-existente dos

alunos

Vocês lembram que a gente viu isso na aula passada?

Uso de perguntas indutivas E para dizer onde mora? Do you live(...) Fala do aluno em inglês I don´t agree

Com respeito às mudanças discursivas e metodológicas do período de observação de aulas registrado no Quadro 4, a Professora Patrícia faz uma interessante reflexão. Ela afirma enxergar (agora) a LI como um todo sistêmico, a ser ensinado a partir de tudo e não do verbo to be, diferentemente do que ela havia declarado no início da pesquisa. Assim, conclui-se que a consciência, o auto-questionamento, podem mudar as justificativas das professoras sobre o que elas faziam na sala de aula, conforme explicita o excerto 24:

Excerto 24 (SC de 25/10/04)

P: (...) Agora, né (...), A-FTER EDUCONLE ((ri para as colegas, que também riem)) é que eu estou pensando nisso ((preparação de aulas)). Antes, eu só chegava lá e PRON- TO (...) falava a aula. (...) Agora eles ((alunos)) participam muito mais. Tenho mais trabalho antes da aula do que durante a aula, sabe?

Desse modo, no excerto 24, há determinados traços discursivos que demonstram também percurso reflexivo. Note-se, por exemplo, a contra-posição das palavras AFTER e PRONTO, pronunciadas em tom de ressalte e com o recurso da silabação. O termo after indica, ao que parece, uma passagem. Ele descreve a mudança na atuação da Professora Patrícia antes de sua inserção no EDUCONLE e nesta pesquisa, em comparação com sua atuação atual, segundo seu próprio ponto de vista. Para demonstrar isso, a Professora Patrícia declara que agora tem que pensar sobre a aula, isto é, trabalha mais em sua preparação do que durante a aula propriamente dita (em que os alunos participam/trabalham mais que ela): antes eu falava a aula. A contraposição entre os pronomes eu e eles, parece significar que, agora, eles (os alunos) fazem a aula com ela.

Apesar das mudanças registradas na prática das professoras, como demonstra o Quadro 5, e os excertos aqui apresentados, o processo de conscientização e reflexão crítica, que esta pesquisa se propôs a promover, descrever e analisar, foi povoado de incerteza e não-lineridade, comuns em qualquer situação de aprendizagem. Assim, não obstante a enorme capacidade de engajamento e disposição para mudar, que as professoras demonstram desde o ingresso no EDUCONLE até a participação voluntária neste estudo, havia meandros próprios da atividade educativa em que nem sempre era possível ingerir. Entre eles, destacaram-se as condições institucionais como fatores

limitadores de mudança, principalmente na E4, uma escola particular, em que a Professora Patrícia devia seguir, rigorosamente, a apostila adotada pela escola, de metodologia basicamente audiolingual. A despeito disso, na E2 e na E3, escolas públicas, em que as professoras tinham mais autonomia, apesar dos quase sempre escassos recursos materiais, houve mais episódios de mudança observável, como o registrado no excerto 25, em que a Professora Nelma procura estabelecer uso e significado social para o conteúdo lingüístico em foco (informações pessoais na LI):

Excerto 25 (aula de 16/08/04, Professora Nelma)

N: (...) É igual a uma ficha de hotel.Vocês já viram? O que vocês têm que preencher? A: Nome, idade, RG, CPF, endereço...

N: Agora vocês vão olhar aqui e preencher: What´s your name? How old are you?

Conclusão da parte 1 do capítulo

Na tentativa de responder à primeira pergunta desta pesquisa: Os professores em formação integram a teoria aprendida no EDCUONLE à prática docente? Como e em que medida? é preciso, primeiramente, retornar à premissa inicial deste estudo, segundo a qual a integração teoria-prática resulta, primeiramente, de um repensar crítico sobre a profissão de professor. Assim, essa integração requer, antes de tudo, conscientização sobre o ser-professor, conforme Freire (1972) definiu o termo. Tendo isso em vista, a reflexão crítica sobre a ação docente, aqui demonstrada, envolveu duas dimensões, estreitamente interligadas: (a) a dimensão segundo a qual crítico significa socialmente importante e uma outra, (b) de acordo com a qual o termo indica um pensar dialético e não-dicotomizante da relação teoria-prática. Decorre delas, ainda, uma terceira

dimensão, em que a reflexão crítica foi definida como (c) uma forma de criar e recriar a teoria e, não apenas, repeti-la de modo subalterno.

Desse modo, as professoras pesquisadas percorreram um caminho de conscientização em que debateram colaborativamente seu fazer docente e puderam transformar o conhecimento teórico em um modo de auto-conhecimento, adaptando-o às suas realidades locais e institucionais, a despeito das limitações, principalmente institucionais, que sempre vão existir.

No que tange ao ensino de gramática, especificamente, houve a construção de uma nova centralidade, demarcada discursivamente nas sessões colaborativas e com reflexos para a práxis. Nesse sentido, não se trata de constatar, apenas, que o ensino de temas isolados de gramática deixou ser foco central das aulas para ocupar uma posição diferente, em que a gramática serviu para garantir a comunicação efetiva e o uso socialmente importante da LI. Trata-se de assinalar, também, que as professoras recriaram, em suas salas de aula, situações em que a LI pudesse ser utilizada significativamente, mesmo quando dispunham de poucos recursos materiais, pouco tempo e a despeito da (dita) falta de prestígio que a disciplina possui na escola regular.

Para responder a segunda questão, proposta pelo estudo: Como os professores em formação utilizam a linguagem para debater criticamente a teoria divulgada no EDUCONLE nas interlocuções com a pesquisadora e para empreendê-la praticamente no cotidiano da sala de aula? Essa conexão contribui para a atenuação dos problemas enfrentados no cotidiano escolar? é necessário salientar que, no que concerne especificamente ao tema de ação-colaborativa 1 (TAC 1) deste estudo, foi preciso,

primeiramente, desmistificar as concepções que as professoras tinham sobre gramática e seu ensino. Assim, para elas, inicialmente, a gramática restringia-se ao ensino de itens lingüísticos isolados, empreendido por meio de atividades quase sempre de repetição ou de substituição. Foi preciso, por isso, tentar compreender, primeiro, que ao ensino de gramática deve preceder, necessariamente, um reconhecimento de que a linguagem é uma forma de interação humana. Para isso, a LI precisa ser ensinada como prática social e não simplesmente como um conjunto sistemático de regras a ser contemplado de longe pelo aluno. Desse modo, o uso social da LI, por exemplo, em situações concretas do cotidiano, ao ser debatido nas sessões colaborativas, propiciou às professoras nova tomada de consciência e um desvencilhamento do conhecimento de doxa sobre o ensino de gramática, até então hegemônico entre elas.

Diante disso, para além de dominarem a metalinguagem da área, passando a utilizar termos como gramática funcional, ensino estruturalista e uso significativo da LI, dentre outros, as professoras adaptaram o novo conhecimento e produziram heurística (Kumaravadivelu 2003), desenvolvendo, em suas aulas, atividades em que um novo paradigma de ensinar gramática começou a ser observável. Nesse processo, elas passaram a utilizar mais a LI, bem como seus alunos, e desenvolveram atividades centradas neles, não obstante as limitações institucionais que cercearam o trabalho docente, em especial na E4. Essas mudanças não foram lineares e nem ocorreram na mesma intensidade para todas as participantes. No entanto, acarretaram mais motivação da parte de professoras e alunos, bem como maior prestígio para a disciplina. O percurso de reflexão e mudança das participantes, aqui assinalado, foi demarcado discursivamente e balizado pelo construto tensão colaborativa, como retratado na Figura 1 (c.f. 3.4, deste estudo).