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Capítulo 3 – Metodologia

3.6 Os cenários das observações participantes

3.6.2 Escola 1 (E1) – Professora Patrícia

Eles moram em favelas da pesada, sabe?25.

Foram pesquisadas três escolas públicas (E1, E2 e E3) e uma particular (E4). A E1 fica localizada no centro da cidade, na região hospitalar. É estadual e tem cerca de 1000 alunos, com turmas que funcionam nos três turnos, do ensino fundamental ao médio. É uma escola tradicional da cidade de Belo Horizonte, em que, no passado, estudavam os filhos da classe média e média alta. O prédio é histórico e possui, em seu interior, um bonito auditório, com pesados móveis antigos em madeira de lei. Na sala dos professores, nos setores administrativos e na biblioteca, essa decoração de época é bem preservada. Os professores possuem banheiro reservado, armário e cota mínima para xerox (somente para matrizes de exercícios, provas e exercícios extras bimestrais). O número de retro-projetores é pequeno, mas é possível consegui-los, com reserva antecipada. Na biblioteca, há poucos exemplares de dicionários e livros textos de LI, com relação ao tamanho da escola. A merenda é distribuída para os alunos no horário do intervalo. É geralmente constituída de sopa com carne ou frango, arroz com carne ou frango, ou macarrão. A mesma refeição também é servida para o corpo docente, na sala dos professores. Há também cantina e serviço pago de xerox para os alunos.A escola possui um amplo pátio interno circundado pelas salas de aulas, que se distribuem em dois andares. Há boa iluminação e carteiras para todos os alunos, apesar das paredes mal-conservadas e sujas.

25 Comentário da Professora Patrícia acerca do nível sócio-econômico de alguns alunos. A localidade de

suas regiões determinou a decisão de modificar o horário das aulas para que acabem mais cedo, evitando que cheguem em casa após o “toque de recolher de algumas favelas”. (E1, Profa. Patrícia, depoimento coletado em 23/06/04).

Segundo relato da professora Patrícia, a escola não oferecia programas contínuos de aproximação com a comunidade, nem ficava aberta fora dos períodos de aula, como ocorre em alguns estabelecimentos de ensino público de Minas Gerais. Como conseqüência, a comunidade pode não tê-la acolhido, como ocorreu na E3 (c.f. item 3.6.4, a seguir). Talvez, em parte por isso, seus muros sejam completamente pichados, bem como suas paredes externas.

Nos dias em que estive lá, sempre no período noturno e com uma turma do segundo ano do ensino médio, observei alguns episódios de falta de professores, confirmados como freqüentes pela professora participante. Segundo ela, essas ocorrências dificultam o trabalho docente, uma vez que os demais professores são solicitados “subir” aulas para que os alunos não fiquem ociosos. No aspecto disciplinar, por outro lado, há certa rigidez no trato com alunos atrasados ou que “matam aula”: uma funcionária os impede de entrar na escola fora do horário previsto e outra os proíbe de ficarem pelos corredores durante as aulas.

As aulas começam às 18h para que possam terminar às 21h 50min, pois os alunos precisam chegar em casa antes do “toque e recolher” das vilas e favelas em que a maioria reside. São, assim, alunos trabalhadores, residentes de periferias. Isso os impede, de outro lado, de chegar na escola pontualmente, pois a maioria ainda não deixou seus trabalhos nesse horário. Como resultado, as primeiras aulas ocorrem sempre com um número muito baixo de presença.

Os alunos trajam a camiseta do uniforme da escola. Nos intervalos, ouvia-os falar sobre seus empregos em escritórios e lojas da região. Também escutava muitos comentários sobre músicas atuais e também do interesse em prestar vestibular numa

universidade pública. Alguns dirigiam-se a mim e me perguntavam se era estagiária, ou se ia trabalhar na E1. Quando sabiam quem era, perguntavam sobre a UFMG, o que fazia, como era estudar lá e se eu havia feito cursinho (uma vez que estudava lá!). Outros, ainda, perguntavam se a UFMG era paga ou não. Havia jovens pais e mães e, segundo, relatos informais, alguns alunos com envolvimento com drogas e violência. Os alunos da E1 demonstravam, na maior parte das vezes, interesse pelas aulas da Professora Patrícia. Eles procuravam responder a seus pedidos e perguntas, bem como realizavam, quase sempre, as tarefas propostas. Em determinadas circunstâncias, no entanto, havia a emergência de conflitos e uma espécie de “queda de braço”: os alunos resistiam a aprender e boicotavam a língua inglesa. Nesses episódios, a LI, objeto de estudo da aula, era também negada como código lingüístico legítimo da interação social, assim, os alunos diziam: “O professora, fala Português ai!” ou: “Eu não estou entendendo nada que a senhora está falando!”. A essas falas, a Professora Patrícia reagia, invariavelmente, dispondo-se a ajudar os alunos e procurando construir andaimes de aprendizagem: repetia frases, palavras e fazia gestos. Às vezes, no entanto, parecia considerar que era mais efetivo ceder momentaneamente e, então, mudava de código lingüístico.

A Professora Patrícia mantinha, com certo esforço às vezes, o piso conversacional na turma. Quando necessário, ela utilizava, para isso, um tom de voz alto mesclado com uma atitude de colaboração, mostrando-se pronta para atender aos alunos e anunciando que tinha a melhor das intenções: ensinar. Escrevia no quadro com letra grande, explicava várias vezes a instrução, alternando o código lingüístico. Suas aulas começavam, invariavelmente, com a retomada da aula anterior e o anúncio dos objetivos da aula que se iniciava, seguido de perguntas para ativar o conhecimento pré-

existente dos alunos sobre o tema a ser desenvolvido. No período em que observei as aulas, ela utilizava uma apostila montada por ela e comprada pelos alunos, pois não havia xerox oferecido pela escola. Este material era a compilação de exercícios retirados de variados livros didáticos, provas de vestibulares e algumas canções. Houve aulas em que ela promoveu debates sobre os textos lidos em inglês e entrevistas com os alunos acerca de temas como trabalho, por exemplo.