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5 EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PRODUÇÃO DE

5.1 A PERSPECTIVA DA AÇÃO PEDAGÓGICA

5.1.1 Organização

5.1.1.1 Escolha dos recursos

Na escolha de recursos, foram identificadas as seguintes ações: conversar com outras professora-pesquisadoras, selecionar história, imagens, textos, brincadeira, músicas e vídeo, opção por utilizar espelho, dispor adereços de cabelos (faixas de tecido), usar equipamentos de reprodução de imagem e som.

Na experiência, a professora-pesquisadora preferiu buscar e escolher os recursos utilizados, procedimento que indica um afastamento de uma posição de passividade, além de ter sido, de certa forma, uma maneira de envolver outras professoras da escola, que demonstraram interesse na pesquisa com conversas e sugestões; inclusive, algumas sugestões foram incluídas nas atividades, como a de um livro utilizado na atividade inicial da intervenção. Os recursos didáticos foram considerados pela professora-pesquisadora fundamentais para as atividades, visto que, do ponto de vista pedagógico, dialogar, repensar, selecionar, averiguar, organizar e formatar foram ações deliberadas de que ela necessitou para poder escolher os recursos, de modo que a inserção deles nas atividades estivesse pautada nos objetivos propostos.

A professora-pesquisadora acreditava que existiam materiais qualificados para promover os debates em torno de questões referentes à educação das relações étnico-raciais, contudo, pela experiência de já ter desenvolvido outros “projetos prontos” para trabalhar a língua escrita a partir de reflexões sobre outros povos e ter avaliado que não houve contribuições significativas para ampliar os conhecimentos sobre o outro e que ainda reforçava estereótipos, tornaram-se motivos para buscar uma postura mais atenta sobre os materiais que estavam dispostos.

Para desenvolver as atividades, além do material escrito, a professora-pesquisadora percebeu que, naquele contexto, outros instrumentos de apoio seriam importantes para as interações e estabelecimentos de relações. Por exemplo, dispor espelho e a faixa de tecido permitiram que ela pudesse observar algumas percepções das crianças sobre si. No caso do espelho, uma criança, ao se observar e perguntada sobre seu corpo, disse que “mudaria o corpo, queria ter o corpo branco”. A expressão do desejo de embranquecer, na opinião da professora- pesquisadora, prescindia de abordagem pedagógica, e então se percebeu a complementaridade dos recursos nas atividades. Após conversar sobre o corpo, as crianças escreveram e a mesma criança registrou que “gosta quando a mãe penteia seus cabelos”, portanto demonstrando que a relação de afetividade entre mãe e filha que envolve os cabelos e essa percepção de si. A partir do que foi apontado, é necessário dizer que esses episódios não estabeleceram uma “solução”

para a questão, pois, como aponta Gomes (2003), envolve identidade, por isso é complexa, mas deve ser foco de atenção das/dos professoras/res.

Dedicar um olhar atento para as questões sobre as percepções do corpo orientou os critérios para a escolha de outros instrumentos de apoio, além dos textos. Dessa forma, as imagens passaram a fazer parte do repertório das atividades.

As imagens tornaram-se referências para as conversas e para a ampliação das observações de semelhanças e diferenças entre as pessoas, implicando no fato de que as crianças também ultrapassassem o olhar sobre os limites da situação local (escola, casa). Do mesmo modo que inserir fotos de pessoas que estavam em países africanos em situações como: escola, lazer, encontros, com paisagens diversificadas trouxeram outros parâmetros para conhecer aspectos da vida humana em África.

A imagem seguinte foi de um casamento também na África do Sul Saran falou: “Está bem colorido”, algumas crianças falavam ao mesmo tempo e Makena disse: “Meu pai é negro, e daí quando ele foi casar com minha mãe, daí o padre tinha um negócio na cabeça do meu pai e o padre começou rir”. Eu tentei entender o que era que tinha na cabeça do pai dela e comentei que era uma falta de respeito a atitude do padre. Analisando a imagem do casamento em África, Asad disse: “Professora aí estão casando dois negros, mas podia estar casando um branco e um negro”. Comentei com a sala que ele tinha falado uma coisa importante e que eles não tinham ouvido. Quando fui falar para sala, o menino tomou a palavra e disse: “Podia casar um branco e um negro que ninguém ia rir”. Akin disse “Que nem o meu pai é negro e minha mãe é branca”, Nala falou: “Que nem meu pai que é moreno e minha mãe é branca”. Eu mostrei outras fotos do mesmo casamento e as crianças diziam: “Nossa”, Thembi disse: “Parece ouro”, Kajumba disse que estava bem colorido e Kofi falou que era grande (Atividade 11).

A análise apontou que, no desenvolvimento das atividades, o corpo da professora- pesquisadora também constituiu-se como um recurso para as reflexões na sala.

Kwesi e Adofo começaram a comparar as peles dos braços. Perguntei se eles eram pardos, e eles disseram que sim. Eu afirmei que era negra e coloquei o braço entre os meninos que, ao perceberem proximidade no tom das peles, riram (Atividade 11).

Segundo Gomes (2003), a relação pedagógica em sala de aula perpassa o corpo. Para a autora, os corpos são trabalhados no cotidiano escolar, porque são expostos.

Porém, ao mesmo tempo em que se expõem, os educadores também lidam com o corpo de seus alunos e de seus colegas. Esses corpos são tocados, sentidos. A relação pedagógica não se desenvolve só por meio da lógica da razão científica mas, também, pelo toque, pela visão, pelos odores, pelos sabores, pela escuta. Estar dentro de uma sala de aula significa colocar a postos, na interação com o outro, todos os nossos sentidos (GOMES, 2003, p. 173).

Assim, a escolha dos recursos indica que foi uma ação que estava pautada nos objetivos que tinham como núcleo as relações que propiciavam conhecimentos. Ao realizar escolhas de materiais, a professora-pesquisadora abrange a questão curricular, portanto política. De acordo com Oliveira (2008), o currículo compreendido enquanto narrativa torna o educador o seu narrador. Nesse sentido, é possível que os esforços da professora-pesquisadora estivessem concentrados neste produzir outros modos de narrar.