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5 EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PRODUÇÃO DE

5.3 PRODUZIR TEXTOS E REEDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-

5.4.3 Kofi

5.4.4.3 Etapa III – reconhecer o Outro, não anula o Eu

Já na Etapa III, observa-se que Asad continuou a apresentar outros discursos abrangendo valores, marcando na sua fala a referência de respeito ao Outro.

Na análise das imagens, Saran falou que o colega tinha comentado que a autora era feia. Nouberse repetiu o que eu havia falado, e Bikila falou: “Ela é bonita”. Makena disse que ela era linda, enquanto Nala falou que o Mugambi disse que era feia. Quando fui comentar com a sala, a menina disse: “Imagina se ela estivesse aqui e o Mugambi dissesse que ela é feia, ela ia ficar muito triste”. Concordei com ela e comentei que ele estava comportando-se como o outro colega, e Asad disse: “Não adianta falar brincando”. Makena e Bikila disseram: “Magoa a pessoa” (Asad, Atividade 11, Etapa III).

Em outro momento, o menino assumiu sua voz, na seguinte situação:

Analisando uma imagem de casamento na África, Asad disse: “Professora, aí estão casando dois negros, mas podia estar casando um branco e um negro”. Comentei com a sala que ele tinha falado uma coisa importante e que eles não tinham ouvido. Quando foi falar para sala, o menino tomou a palavra e disse: “Podia casar um branco e um negro que ninguém ia rir” (Asad, Atividade 11, Etapa III).

A possibilidade do casamento inter-racial sem “ninguém rir” é outro indicativo de que, na intervenção, a criança percebeu que respeitar o outro não está circunscrito ao contexto da sala de aula; também deve estar presente nas diferentes relações sociais.

Um outro aspecto que surgiu foram as dúvidas que envolveram, desde aspectos climáticos até características corporais. Para exemplificar, foram selecionadas algumas das perguntas que o garoto Asad realizou:

“Aqui no Brasil não neva, e lá na América (EUA) e na África começa a nevar. Por que isso acontece?” (Asad, Atividade 6, Etapa II).

“Mas todas as músicas que a gente ouve foram os negros que criaram?” (Asad, Atividade 6, Etapa II).

“Mas os africanos foram sequestrados? Desrespeitados?” (Asad, Atividade 9, Etapa II).

“Mas África fica em outro planeta?” (Asad, Atividade 11, Etapa III).

“Por que os lábios [da criança que estava na tela] são da mesma cor da pele do rosto?” (Asad, Atividade 11, Etapa III).

O conteúdo de cada pergunta mostra que a criança pôde pensar sobre os temas abordados e procurou dar sentido às conversas, ao diálogo. Essa afirmação pode ser percebida devido ao uso da conjunção “mas”, que, por conectar orações, estabelece relações. Como está no começo das frases, aponta para uma oração anterior, portanto provavelmente uma fala anterior marcando um diálogo.

Para finalizar, destacam-se dois aspectos da dimensão da participação: primeiro diz respeito à pesquisa com crianças, e Asad demonstrou com sua fala que eram participantes da pesquisa, ou seja, deixa explícito que a pesquisa se constituiu com as crianças:

Asad perguntou: “Essa pesquisa que a gente está fazendo, vai ser o nome que a gente escolheu?” (Asad, Atividade 7, Etapa II).

E, em um momento da última atividade da intervenção, Asad compartilhou com a turma suas compreensões, corrigindo as/os colegas e produzindo definições.

Depois fui conversando com as crianças e com elas realizava a interpretação da frase “Penso, logo existo”. Algumas crianças pareciam não entender muito do que eu estava falando, e, quando perguntava, Asad, Makena, Udama respondiam que a frase falava que tinha que pensar para existir. Quando perguntei o que dizia a frase, Asad disse: “Que, para existir, precisa pensar”. Continuei a atividade, falei do senegalês Senghor, mencionei o país dele e a frase. Obax perguntou: “África existe?”. Eu disse que sim e depois mostrei a frase que ele havia produzido: “Eu sinto, eu danço o Outro; eu sou”. Quando perguntei sobre como na frase era ser, Abeba disse: “Tem que dançar”, e Asad falou: “Sentir o outro”. Perguntei se tinha mudado a frase. Raekwon disse que sim e explicou: “O primeiro falou que para pensar precisa existir, o segundo falou outra coisa”. Asad corrigiu: “Para existir precisa pensar”. Perguntei do segundo, e Asad disse: “Sentir, dançar para ele ser ele mesmo”. Conversamos sobre a segunda frase, e as crianças concordaram que era mais legal dançar junto. Depois expliquei sobre o pesquisador que estudava jogos e brincadeiras, e expliquei que o jogo que tinha ensinado para eles eu tinha aprendido em uma aula com o pesquisador e li e versão de Fabiano Maranhão. Várias crianças queriam falar, e Asad disse: “Na primeira frase. ele está falando que tem que pensar, na segunda, tem que sentir o outro e dançar e a outra, na última frase, ele usou as duas primeiras, mais a dele” (Asad, Atividade 15, Etapa III)

Observa-se como a sua fala indica que a criança conseguiu perceber diferenças e semelhanças nos textos apresentados e depois definiu:

Falei que depois do recreio eles iriam fazer a versão deles e ouviu um “Eba”. [...] Asad disse: “Parece uma autobiografia menor”. Depois de tirar algumas dúvidas, as crianças começaram a escrever, e Kofi disse: “É uma miniautobiografia” (Asad, Atividade 15, Etapa III).

A definição elaborada condiz com seus próprios textos.

Fonte: Dados da pesquisa. Figura 20 – Escrita de Asad, Atividade 15, Etapa III

Fonte: Dados da pesquisa.

Aqui se pode constatar que o estudante produz sua autobiografia sem grandes problemas na linguagem escrita e marcou seu discurso o fato de colecionar, marca essa que manteve na sua “autobiografia menor”. Esse dado mostra que um trabalho que tem como foco as relações étnico-raciais não anula os desejos, interesses, opções das/nas produções das crianças e essa

diversidade de infâncias que constituiu o contexto da sala de aula, enquanto Asad disse um Eu que colecionava, houve Outros produzindo dizeres que marcavam a identidade étnico-racial. Em sua escrita, também há elementos valorativos de afetividade como a amizade que o garoto citou crianças brancas e negras como melhores amigos e o amor pela família. Assim, o percurso analisado revelou que houve aprendizagens e desenvolvimento da criança.