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5 EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PRODUÇÃO DE

5.5 A PERSPECTIVA DAS INTERAÇÕES COLETIVAS

Com o objetivo de complementar o fenômeno, neste item serão traçadas algumas considerações das relações coletivas identificadas na pesquisa. É complementar, visto que, entre as limitações da pesquisa, estava o tempo que seria insuficiente para aprofundar tais dimensões. Ainda assim, parece apropriado aos objetivos do trabalho mencionar algumas das dimensões identificadas nas relações ente os/as participantes.

A partir das posições assumidas pelos sujeitos e suas ações, foi possível identificar algumas dimensões, dentre as quais se destacam: relações de aprendizagens, relações de exclusão e inclusão e relações étnico-raciais.

5.5.1 Relações de aprendizagens

Para aprender com o outro, as crianças compartilharam impressões sobre os recursos didáticos realizando análises apreciativas e depreciativas, discordaram de opiniões, estabeleceram relações entre saberes, produziram explicações, realizaram leitura, auxiliaram na escrita, escreveram para o outro, relataram histórias de suas vidas, denunciaram situações de desrespeito, aconselharam sobre posturas, forneceram apoio/acolhimento, realizaram observações, mantiveram silenciamentos e levaram fotos pessoais para sala.

Fui ao lado do Chad e perguntei o que ele havia escrito, ele ficou quieto e a Makena tentou ajudá-lo. Esperei. Ela tentava ler o que ele havia escrito. Depois, percebi na

gravação que algumas crianças ainda conversam sobre alguém que é “moreno”, Depois que Makena ajudou Chad, eu perguntei de novo para ele o que havia escrito, e ele respondeu: “Minha mãe é branca e meu pai é negro”. O Kodwo chegou perto, interrompeu, perguntando-me: “Oh, tia, qual é a nome da cor do Adjatay?”. Eu disse que não sabia e perguntei para o próprio Kodwo, e ele disse que não sabia. Então indiquei para ele perguntar para o Adjatay. Não me aproximei da situação, pois outras crianças vieram solicitar ajuda, mas sabia que o assunto seria retomado na conversa coletiva, e também achei uma oportunidade boa para os dois meninos dialogarem, pois Kodwo estava tentando compreender-se enquanto pardo e, para isso, questionava a “branquitude” do colega (Atividade 3).

Assim, como o trecho citado mostra, é possível perceber que, durante as atividades, diversas interações entre crianças ocorriam ao mesmo tempo. Enquanto um ajuda o outro, outros conversam; enquanto uns liam, outros solicitavam materiais emprestados. Há momentos em que as crianças negociam participação em jogos/brincadeiras que ocorreriam na aula seguinte, de Educação Física. Nesse sentido, os dados evidenciam que as aprendizagens não estavam restritas às questões de escrita e leitura, mas em compartilhar saberes, negociar posições, solicitar e decidir sobre partilhar materiais e também dialogar sobre o pertencimento étnico-racial.

5.5.2 Relações de exclusão e inclusão

As preferências nas relações escolares podem envolver diferentes aspectos; na pesquisa, a análise dos dados indica que os aspectos eram relacionados a dificuldades de aprendizagem, gênero, cor/raça e deficiência visual.

Desses aspectos mencionados, o que foi marcado pela fala foi a deficiência visual, pois as posturas relacionadas à criança com baixa visão, em algumas situações, não favoreceram a sua participação, como ao solicitar que ela sentasse, pois queriam ver alguma imagem. No entanto, ele precisava estar próximo da televisão ou do livro para visualizar. Por outro lado, em outros momentos os colegas auxiliavam, como na escrita e na explicação das atividades.

Chewe queria escrever barba, porque ele (a imagem na tela) tinha barba, mas mencionei que não era isso que eu queira saber, mas ele argumentou “Mas, ele tem barba. E se a barba faz parte dele tem que escrever”. Abeba, então, explicou para o menino: “É a cor Chewe”, mas ele não se convenceu muito (Atividade 5).

No entanto, as posturas das crianças que mostravam relação de exclusão ou inclusão geralmente não eram marcadas pela fala. Ou seja, as ações eram: não conversar com todos os colegas da turma, deixar sozinhas ou evitar sentar-se com algumas crianças, e, geralmente, essas

crianças eram: meninas, negras, que apresentavam alguma dificuldade de aprendizagem, meninos pardos e brancos que tinham dificuldade de aprendizagem e a criança com baixa visão. Essas posturas, que não eram acompanhadas pela fala, poderiam ser interpretadas como uma questão de “afinidade”, de “características dos sujeitos”. Contudo, esses argumentos não tinham alicerce no contexto estudado, visto que, quando a professora-pesquisadora convidava e incentivava essas crianças a participarem, elas não se negavam, mesmo aquelas que pareciam mais “tímidas”. Aos poucos, houve uma aceitação maior dessas meninas e meninos e elas/eles eram inclusas em mais momentos. Para a docente, era muito significativo, pois, na análise dela, incluir e estar incluído modificava as relações das crianças e influenciava também para suas produções.

Nas imagens a seguir, aparece uma foto da versão do labirinto criado por duas crianças, uma parda, que sempre participava, sabia ler e escrever e tinha um bom relacionamento com a maioria da turma, e outra negra, com dificuldade de aprendizagem, considerada quieta e que se relacionava com poucas crianças. E o registro que elas fizeram sobre o jogo – primeiro, da menina parda que escreveu que o jogo era legal e que elas haviam inventado um labirinto novo que também era legal e desenhou colorindo com lápis salmão, e o outro desenho da criança negra que escreveu que o jogo era legal – não disse sobre a invenção, mas sim da amiga, e desenhou as duas, colorindo de marrom. Portanto, são formas simbólicas e discursivas de inclusão.

Figura 24 – Fotografia da versão jogo Labirinto criado por duas meninas.

Fonte: Dados da pesquisa.

Fonte: Dados da pesquisa.

Figura 26 – Escrita de Saran, menina, negra, Atividade 11

Fonte: Dados da pesquisa. 5.5.3 Relações étnico-raciais

No trabalho as relações étnico-raciais que foram caracterizadas com questionamentos do pertencimento étnico-racial, discriminação racial, análise, observação e compartilhamento de ideais e valores sobre os cabelos, influência familiar, refletidas e escritas.

Aproximou-se Kowdo e mostrou o seu desenho. Perguntei se ela achava que estava bom, e ele fez que sim. Como eu achei que ele havia desenhado um cabelo arrepiado, questionei se aquele cabelo era como o dele, e ele balançou a cabeça de forma afirmativa (naquele dia, o cabelo dele estava raspado), e indaguei: “Mas que tipo de cabelo é esse?”, e ele na hora respondeu: “Black power moicano”, então solicitei que

ele escrevesse. O menino foi até sua carteira e falou feliz para os colegas próximos: “O meu é black power moicano”, e Ayo falou: “Ah, é nada!”. Expliquei que, se ele tivesse desenhado assim, poderia deixar, que não tinha problema. Eu sabia que o Kowdo não tinha o estilo de cabelo que ele havia desenhado, mas ele, de fato, estava encantado com aquela possibilidade de o cabelo dele ser maior (Atividade 2).

A influência familiar era percebida pelas falas das crianças, que relatavam que as mães diziam que elas eram “morenas”, não permitiam que seus cabelos ficassem longos, no caso dos meninos, e “bagunçados”, no caso das meninas. Uma delas relatou que a mãe disse que ela parecia uma “bruxa” quando ficava com os cabelos soltos, outras foram submetidas a procedimentos de alisamentos. Houve relatos de compartilhar os conhecimentos sobre os temas estudados, como o jogo africano e “explicação de que moreno era negro”.

As crianças também começaram a questionar algumas relações étnico-raciais. Durante uma atividade, a professora-pesquisadora explicava que, quando ela era da idade deles/delas, não sabia sobre África e africanos, e uma criança perguntou sobre o fato:

Kajumba perguntou “Tia, por que eles escondiam que os africanos eram importantes?” (Atividade 11).

Na mesma atividade, ao mostrar e falar um pouco sobre o ex-presidente da África do Sul e sua trajetória, as crianças ainda queriam saber:

Cleópatra perguntou se não tinha mais presidente na África e Akin perguntou se ele era importante até para nós e nossas famílias (Atividade 11).

Dessa forma, considera-se que essa visão panorâmica completa a análise das relações coletiva e reforçam tudo que foi apresentado no trabalho sobre a importância de possibilitar a conexão entre leitura e escrita e educação das relações étnico-raciais.