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5 EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PRODUÇÃO DE

5.1 A PERSPECTIVA DA AÇÃO PEDAGÓGICA

5.1.2 Orientações

5.1.2.1 Orientação da leitura

Ler é um processo que envolve duas ou mais pessoas, mesmo quando se está sozinho, pois o próprio texto pressupõe um interlocutor. Nas atividades, foram identificados quatro processos referentes à leitura, ou seja, orientações referentes: à interpretação, às formas de representação (usos da linguagem), à comparação e relação entre palavras e textos e identificação de informações. Entretanto, não significa que outros processos não estiveram envolvidos.

O trecho abaixo indica como, por meio da leitura e interpretação, houve orientação para identificar a representação do corpo da personagem negra no texto:

Li mais um trecho, mostrei a imagem e perguntei: “Então os olhos dela são que cor mesmo?”. As crianças responderam: “Pretos”, continuei: “Preto como o quê?”. Elas responderam: “Brilho” e eu: “Brilho do quê?”. Alguns falaram: “Da noite” e outros: “Das estrelas” (Atividade 1).

Houve orientação sobre a leitura de forma diferenciada para uma criança com baixa- visão que envolveu indicação de apontar as palavras para coordenar os movimentos dos olhos e, assim, acompanhar o que havia sido escrito. Em uma atividade, que as crianças tinham como

objetivo produzir um autorretrato e escrever qual era o seu tipo de cabelo, após ajudar na escrita, ou seja, a criança já sabia o que tinha escrito, ainda assim, a leitura foi proposta e não só aceita pela criança, como também ela quis ler para além do que havia sido indicado.

[...] solicitei que ele lesse. Sozinho ele não conseguiu, segurei em sua mão e falei para ele seguir com o dedinho a palavra “cacheado”, mas ele queria ler tudo o que tinha escrito. Fui auxiliando e ele conseguiu. No final, nós dois comemoramos (Atividade 2).

Acompanhar a leitura com o dedo, no episódio, auxiliou que aquela criança pudesse se orientar para perceber a escrita na folha. Sobre a leitura realizada pelas crianças, às vezes, a orientação era referente a ajustes ou dúvidas, como no exemplo abaixo:

Fui conversar com Adofo e, quando pedi para ele ler, ele apenas movimentava os lábios, então eu disse: “Vamos lá, a professora te ajuda a ler”, e o menino começou a ler decodificando e antecipando. Eu fiquei próxima do menino e escutava; se ele tinha dúvidas, eu ajudava (Atividade 8).

Na leitura realizada pela professora-pesquisadora, as crianças interrompiam quando tinham dúvidas ou expressavam opiniões. Percebeu-se que ela utilizou como estratégia, nessas pausas, envolver a turma sem que houvesse prejuízo no sentido do texto.

Comecei a leitura e, quando li o trecho “De belezas infinitas”, Nourbese perguntou o que era. Eu perguntei para a turma e Kobbi disse: “É que nunca acaba”, e completei: “Que nunca acaba, então o rosto dela tem tanta beleza que nunca acaba”, e Asad falou que era eterno (Atividade 9).

Quanto a relacionar palavras, textos e identificar informações, também foram procedimentos importantes na compreensão. É importante sublinhar que, apesar da intervenção ter sido realizada em uma turma inserida no ciclo inicial da alfabetização, a maioria da classe já tinha conhecimentos básicos sobre leitura e escrita, ou seja, já era capaz de ler, porém ainda fixada, principalmente, na decodificação, e quanto à escrita a dificuldade estava nas questões ortográficas. Então, os dados mostram que a professora-pesquisadora procurou propiciar às crianças que praticassem e se apropriassem de outras habilidades da leitura, como recordar o conteúdo do texto e encontrar informações. Um exemplo de tal procedimento aconteceu durante a leitura de um texto de curiosidades sobre o continente africano. Ela perguntava às crianças quem gostaria de ler em voz alta e escolhia entre aqueles que levantavam a mão e, após a leitura, a professora-pesquisadora realizava perguntas sobre o que havia sido lido.

Asad leu a próxima curiosidade e depois comentei que antes eles achavam que nos países africanos todos falavam a mesma língua e comecei a perguntar sobre línguas.

As crianças iam lembrando, relendo no texto e mencionando. Expliquei que em alguns países não se falava só uma língua, e pedi para eles olharem no texto o que informava sobre Camarões (Atividade 11).

Ainda, quando perguntava quem gostaria de ler, escolhia, entre as crianças que levantavam a mão, aquelas cuja leitura ainda era pouco fluida, pois também possibilitava que essas praticassem a leitura e as outras crianças aprendessem a escutar.

Aos poucos, a partir dos procedimentos da leitura, os/as estudantes tentavam relacionar as aprendizagens.

Escolhi Makida, que leu outra curiosidade. Depois da leitura, perguntei se todos eram iguais em África. Eles disseram que não. Nouberse disse: “Igual à música que nós vimos, que falava que a mulher tinha os cabelos, a roupa colorida, eu acho, e esqueci” (Atividade 11).

Os dados demonstram que, após ou durante cada leitura, a professora-pesquisadora começava alguma conversa com as crianças utilizando as estratégias mencionadas e acrescentando alguns comentários que incluíam assuntos trazidos pelas crianças ou vivenciados em outros momentos da pesquisa.

Muitos começaram a falar ao mesmo tempo, eu já não entendia. Falei para eles compartilharem a informação (sobre a história do black power) em casa e que em outro dia continuaríamos. E também aproveitei para comentar com a classe que no começo da aula Udama havia falado que tinha feito uma pesquisa na internet e visto que só tinha crianças pobres e por isso ela não queria ir para lá. Recordei com eles alguns aspectos do Egito, eles lembraram: Asad disse que as “Múmias eram faraós que quando morriam eram enterradas com seus tesouros” e fez gesto mostrando como ficavam as múmias e o Akin disse que o pai dele veio da “África”. Eu achei que o menino estava confundido algum estado do Brasil com África, mas a aula já estava no fim e não consegui perguntar sobre isso (Atividade 12).

Esse percurso indica que a leitura foi uma ação que integrou aprendizagens. Vale destacar que parece ser possível aproximar esse processo com a noção de leitura de mundo mencionada por Freire (2011), que defendia a alfabetização não como uma doação do educador ao educando, na qual:

[...] os textos geralmente oferecidos como leitura aos alunos escondiam muito mais do que desvelavam a realidade, agora, pelo contrário, a alfabetização como ato político é um esforço de leitura do mundo e da palavra (FREIRE, 2011, p. 43).

A professora-pesquisadora com as crianças foram desenvolvendo a leitura que não foi um processo automático e nem espontâneo, mas que passou por estratégias de apropriação de conhecimentos.