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3.2.3 Uma nova teoria para o punk, a investigação de Daniela Lemes Canhête

Nesse período, ainda que em menor escala, também foram desenvolvidos empreendimentos analíticos que tais como os produzidos na década anterior por Kênia Kemp406 e Helena Abramo407 tendo como foco a postulação de aspectos teóricos visando a compreensão do punk em concomitância com uma observação detalhada da juventude. Nessa linha, destaca-se a dissertação de mestrado de Daniela Lemes Canhête, “Ecos Do

402

Ibidem, p. 89. 403

PEDROSO, Helenrose Aparecida da Silva; SOUZA, Heder Claúdio Augusto de. op. cit.

404

SOUSA, Rafael Lopes de. 2002. op. cit. 405

COSTA, Márcia Regina da. 1993. op. cit. 406

KEMP, Kênia. op. cit. 407

Subterrâneo: A Questão da Juventude e do Movimento Punk como Subcultura - A Década de 80”408, trabalho esse desenvolvido no programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás.

Embora, esse tenha sido o primeiro empreendimento destinado análise do tema punk desenvolvido no Centro-Oeste brasileiro, o foco dessa investigação, seguindo a linha dos estudos da década anterior, ateve-se inicialmente na compreensão da conjuntura global que forneceu as bases para emergência de coletividades juvenis como o punk, e na etapa final sua investigação procura compreender o punk brasileiro em especial a partir da análise da letra de músicas de bandas punks, majoritariamente paulistas.

Assim, na primeira etapa de sua investigação a autora empreende uma revisão bibliográfica, na qual estabelece uma linha analítica muito próxima a empreendida por Helena Abramo, na qual evidencia que o punk assim como outras coletividades juvenis que inevitavelmente espelhavam condicionantes de seu tempo e sociedade. Compreendendo, que o punk é, acima de tudo, uma subcultura juvenil, e, por conseguinte, como todo fenômeno juvenil é constantemente renovado pela força das gerações, sendo assim, um fenômeno extremamente dialético para com seu tempo e sociedade, que, por sua vez, justifica o amplo empreendimento diacrônico, a fim de apresentar as principais condicionantes temporais e sociais que resultaram na constituição do punk no Brasil e no mundo.

Um ponto que merece ser enaltecido na referida pesquisa concerne ao modo como foram realizadas as análises das letras de músicas

408

CANHÊTE, Daniela Lemes. Ecos Do Subterrâneo: A Questão da Juventude e do Movimento Punk como Subcultura - A Década de 80. 2004. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal de Goiás, Goiânia/GO, 2004.

das bandas, vinculadas ao punk rock brasileiro. Sendo que, em sua investigação não se limitou em observar apenas a estrutura textual da canção de forma dissociada, ao contrário, essas letras foram examinadas em correlação com o contexto social, econômico e político, permitindo, dessa maneira, uma elucidação de diversos elementos exteriores que se fazem implícitos nas referidas músicas.

Como efeito disso, a pesquisadora observa que assim como ocorrera com bandas inglesas aqui no Brasil, algumas bandas como “Restos de Nada, Garotos Podres, Ratos de Porão, Lixomania, Indigente, Anonimato” recorrentemente investiram na difusão de um capital simbólico destinado a estabelecer expressar o modo como a sociedade construía a autoimagem deles, “buscando tornar explícita sua condição e, ao mesmo tempo, o caráter do preconceito: ‘Sim, somos pobres, feios, sem chances, perigosos’ ”409 .

Assim,

A própria construção da imagem com sinais negativos não tem caráter de auto-aniquilação. Pelo contrário, tem o intuito de produzir uma acusação, por meio do visual e da música que produzem. A realidade é que é indigente, a sociedade é que está podre, é ela que produz os sinais e os conteúdos da miséria e da violência, da impossibilidade de futuro. É essa desordem que os lança nessa condição e é por isso que eles querem “destruíla”410.

Em complementariedade, justificando, por seu turno, a auto-imagem recorrentemente difundida nas letras de bandas punk, a pesquisadora destaca que, 409 Ibidem, p. 116-7. 410 Ibidem, p. 118.

O modelo econômico, a estrutura social, o regime político, o governo, a condição urbana, tudo isso aparece misturado e condensado no termo sistema, e confundindo à descrição da cidade. As imagens da cidade, da sociedade e do futuro se justapõem, sublinhando os traços mais negativos que as constituem. 411

Ademais, outro ponto, que merece ser enaltecido no referido trabalho, concerne às comparações que são desenvolvidas a fim de apresentar as particularidades do punk brasileiro. Nesse sentido, a autora evidencia que:

O som feito pelas bandas brasileiras vai [tem] um acento próprio, centrado na superaceleração e na curtíssima duração da música. As letras vão insistir muito na denúncia da situação das classes trabalhadoras exploradas pelo sistema, nos jovens oprimidos pelo desemprego, pela miséria e pela repressão policial. O visual dos componentes das bandas, e mesmo do público em geral, que vão aos shows, também tem uma peculiaridade: usa- se bem mais o tom negro do que os punks ingleses. Nos cabelos, os cortes são semelhantes, mas os punks do Brasil quase não tingem os cabelos com tintas coloridas, como os de Londres. Esses argumentos reforçam a tese de que o desenvolvimento do estilo punk brasileiro não se reduz a um fenômeno de modismo.412

Tal citação apresenta um posicionamento muito semelhante ao expresso nos trabalhos realizados na década de 1980, por Antônio Bivar413 e Helenrose Aparecida da Silva Pedroso e Heder Augusto de Souza414 que procuraram enfatizar as peculiaridades do punk brasileiro a partir de aspectos suburbanos. Contudo, distingue-se na análise empreendida por 411 Ibidem, p. 119. 412 Ibidem, p. 116. 413

BIVAR, Antônio. op. cit. 414

PEDROSO, Helenrose Aparecida da Silva; SOUZA, Heder Claúdio Augusto de. op. cit.

Daniela Canhête, o fato desta não situar a existência dessas peculiaridades tão somente como fruto da suburbanidade. Nesse sentido,

O estilo punk produz-se como um arranjo que se articula em torno de elementos opostos aos conceitos imperantes nas modas correntes. Constrói-se sobre aspectos puramente negativos: indigência, desarmonia e materiais desvalorizados, de pouca qualidade. Essa estética opera um conceito particular de beleza, partilhado pelo grupo. O estilo feito de símbolos negativos e destrutivos transforma-se em arma denunciadora e destruidora.415 Como indicado, nesse trecho, a autora claramente atribui demasiada importância a relacionalidade na constituição dos signos do punk, aproximando, dessa maneira, a compreensão expressa por Janice Caiafa em sua abordagem “isso não é uma suástica”416, por demonstrar que exposição de um signo pelos punks recorrentemente expressa sua negação e/ou repúdio, a fim de evitar sua assimilação.

Portanto, em linhas gerais, por mais que a autora tenha partilhado de percepções relativamente próximas às empreendidas nas décadas anteriores, a concretude dessas evidências expressaram uma singularidade extremamente útil para compreensão das peculiaridades do punk brasileiro.

3.2.4- A trajetória dissonante do hardcore, uma investigação de