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Desde a década de 1980 pode-se sentir uma significativa expansão dos cursos de pós-graduação no Brasil, que, por conseguinte, também resultou na elevação do número de matrículas nos cursos de mestrado e doutorado. A despeito disso, García Guadilla238 observou que o número saltou de 12.000 (doze mil) em 1980 para 28 300 (vinte oito mil e trezentos) em 1988, desses aproximadamente 30% em curso de Ciências Sociais, Humanidades, Educação e Direito.

Essa notável expansão da pós-graduação brasileira, bem como a evidente abertura política contribuíram para que em áreas como a História limitasse o abismo que era sentido, qualitativamente, entre a produção aqui desenvolvida e a que era produzida, em especial, na Europa239.

Assim, mesmo diante da pouca atenção e dos sucessivos cortes de verba para a ciência e tecnologia para as universidades públicas, a partir do governo de Fernando Collor240, na década de 1990 a pós-graduação brasileira, com destaque para as ciências humanas, continuaram a dar sólidos passos em direção ao desenvolvimento de pesquisas de maior excelência acadêmica. Efeito claramente observado nas investigações envolvendo o tema punk, que, cada vez mais, passaram a buscar uma maior fundamentação teórico/metodológica em seus trabalhos acadêmicos.

Sendo notável, nessa linha, a grande preocupação dos pesquisadores em produzirem construtos teóricos que permitissem compreender os elementos norteadores do punk e das demais

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GUADILLA, García. apud LAMPERT, Ernâni. A pós-graduação brasileira: retrospectiva histórica e Perspectivas. História da Educação, Pelotas, v. 4, n. 83, p.77 – 86, set. 98. p. 84

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VAINFAS, Ronaldo. 2009. op. cit. 240

coletividades juvenis. Nesse sentido, tal prerrogativa é claramente evidenciada nos trabalhos desenvolvidos por Helena Wendel Abramo “Grupos juvenis nos anos 80 em São Paulo: um estilo de atuação social”241 e no de autoria de Kênia Kemp “Grupos de estilo jovem: O Rock Underground e as práticas (contra)culturais dos grupos punks e trashs em São Paulo” 242, que tomaram esse aspecto como central nas suas investigações. Ademais, trabalhos como o de Rafael Lopes de Sousa “Punk: cultura subversiva e protesto, as mutações ideológicas de uma comunidade subversiva – São Paulo 1983/1996”243 também ensejaram, ainda que em menor escala, tal direcionamento.

Nesse sentido, torna-se oportuno pontuar que esses empreendimentos foram pioneiros na formulação de teorias que objetivaram compreender a atuação das coletividades juvenis no território nacional a partir da relação “global x local”, para posteriormente analisar as permanências e rupturas destes signos, tomando, assim, as coletividades punk enquanto locus de observação de suas proposições teóricas.

Essa valorização dada nesses trabalhos às formulações teóricas para compreensão dos grupos juvenis pode ser compreendida, em partes, como efeito da carência de estudos desta ordem, uma vez que, previamente, os estudos produzidos acerca da temática punk centravam-se na compreensão dos grupos punks a partir dos indícios por eles fornecidos, com destaque para todos trabalhos, aqui, produzidos na década de 1980: “O que é punk”, de Antônio Bivar (1982), “Absurdo da Realidade: O movimento Punk”, de Helenrose Aparecida da Silva Pedroso e Heder

241

ABRAMO, Helena Wendel. 1994. op. cit. 242

KEMP, Kenia. op. cit. 243

Augusto de Souza (1983) e “Movimento Punk na Cidade” de Janice Caiafa (1985).

Assim, torna-se extremamente oportuno observar o percurso desses pesquisadores nessa tentativa de estabelecer uma teorização do punk.

Cabendo inicialmente abordar o trabalho produzido por Helena Wendel Abramo “Grupos juvenis nos anos 80 em São Paulo: um estilo de atuação social”244 que tem sua preocupação central girando em torno da constituição de territórios teóricos que permitem ao pesquisador compreender os grupos juvenis da década de 1980. Observando que não se tratava de uma tarefa das mais simples, destinando seu primeiro capítulo “Contexto histórico e Condição Juvenil” para fazer um amplo apanhado sobre os estudos históricos e sociológicos sobre a juventude. Após a leitura do capítulo, fica evidente a intenção da pesquisadora em demonstrar que a compreensão da juventude da década de 1980 sofria por dois grandes equívocos, sendo um de ordem acadêmica e outro de acepção mais geral, mas que também afetava as pesquisas.

O primeiro equívoco concerne ao fato de as pesquisas temáticas historicamente terem tomado a juventude como uma “categoria problema”. Assim, a pesquisadora faz uma crítica geral ao modo como a juventude era compreendida pela sociologia, remetendo ao modo como a juventude emergiu como estudo nessa área, através dos estudos da Escola de Chicago na década de 1920 e 1930, responsáveis por pesquisas no campo da delinquência juvenil, a partir de uma perspectiva funcionalista.

Portanto, o funcionalismo estaria presentificado nos trabalhos que vinculam juventude à função transitória. Sendo possível focalizar tal

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tendência até mesmo no célebre trabalho de Phillipe Ariés245, pois ele “vincula umbilicalmente a condição juvenil à separação social imposta pela escola [as] mudanças sofridas por esta que ela vai acompanhar as modificações da condição juvenil, até meados do século passado”246.

Outro grande equívoco focalizado pela autora, diz respeito à compreensão social que seus contemporâneos recorrentemente tinham quando analisavam os jovens da década de 1980, sempre a partir do espectro idealizado dos movimentos juvenis da década de 1960. Dessa forma, a pesquisadora critica as interpretações trazidas pela mídia acerca dos grupos juvenis dos anos 1980, que por meio de reportagens ou crônicas, sempre procuravam focalizá-los no contraste aos jovens da década 1960, cuja balança sempre pesava em favor desses últimos. Nesse sentido, as coletividades juvenis da década 1980 eram interpretadas como “carente de idealismo e de empenho transformador ou mesmo de qualquer interesse por questões públicas e coletivas”247. Assim, quando eles eram analisados, o foco era sempre o de “definir o caráter ‘alienante’ ou ‘revolucionário’ desses fenômenos, a partir do exame de sua eficácia enquanto elemento de contestação e da mudança real introduzida na ordem social”. Em que “se produziu uma espécie de ‘fixação’ do modelo ideal do comportamento juvenil nos movimentos da década de 60”, que, por sua vez, “acabou por cristalizar uma 'essência' da condição juvenil como portadora de utopias e de projetos de transformação”. Portanto, “a partir dessa ótica que a geração mais recente aparece principalmente marcada pela negatividade”248. Em resposta a autora elucida que esse tipo de

245

ARIÉS, Philippe. op. cit. 246

ABRAMO, Helena Wendel. 1994. p. 6-7. 247

Ibidem, p. XII. 248

compreensão inevitavelmente ignora que as novas conjunturas sociais impõem às novas gerações questões, às quais procuram novas formas para problematizá-las249.

Nesse sentido, em resposta a esses dois postulados interpretativos, tidos como errôneos a respeito da juventude, a autora procurou demonstrar que as investigações acadêmicas deveriam estar atentas aos condicionantes sociais e históricos que determinam as expressões juvenis numa dada época.

Após essa teorização que permeou todo o primeiro capítulo, Helena Abramo procurou apresentar em seu segundo capítulo “Mudanças no cenário juvenil”, as transformações que ocorreram no pós-guerra, atentando-se em como incidiram em transformações no horizonte juvenil, fazendo com que se criassem fissuras geracionais. De modo que nesse capítulo se buscou apresentar quais as principais transformações do período, dando atenção especial para a relação do jovem para com o mercado de trabalho, lazer e diversão e a moda.

Fica evidente a intencionalidade de construir uma perspectiva conjuntural, capaz de contingenciar as diversas coletividades juvenis do período, para tal, vale-se do conceito de grupos de estilo, que por sua vez funcionaria como um agenciador de punks e darks, pois eles:

São fenômenos que se desenrolam justamente no cruzamento dos campos do lazer, do consumo, da mídia, da criação cultural e lidam com uma série de questões relativas às necessidades juvenis desse momento. Entre elas, a necessidade de construir uma identidade em meio à intensa complexidade e fragmentação do meio urbano, e que se reflete no peso sinalizador e na velocidade das modas; a necessidade de equacionar os desejos

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estimulados pelos crescentes apelos de consumo e as possibilidades de realizá-los; a necessidade situar-se frente à enxurrada de informações veiculadas pelos meios de comunicação; a necessidade de encontrar espaços de vivência e diversão num meio urbano modernizado mas ainda pobre de opções e segregacionista, adverso aos jovens com baixo poder aquisitivo; e a necessidade de elaborar a experiência da crise, com as dificuldades de articular perspectivas de futuro para si próprios e para a sociedade.250

Já no terceiro capítulo intitulado “O estilo monta o espetáculo”, a autora empreendeu uma investigação a respeito dos punks e darks na cidade de São Paulo na década de 1980. Evidenciando que as condicionantes temporais e sociais impuseram àqueles jovens uma necessidade de espetacularização de suas ações, justificando assim o conceito chave de sua obra: grupos espetaculares, por sua vez, capaz de agenciar as duas coletividades juvenis por ela estudadas. Sendo que, os grupos espetaculares seriam aqueles que:

[...] produzem intervenção crítica no espaço público [...] montam uma encenação, articulam uma fala, com suas figuras carregadas de signos, com sua circulação pelas ruas da cidade, com suas músicas, levantando questões e buscando provocar respostas, simultaneamente sobre sua condição juvenil, sobre a ordem social e sobre o mundo contemporâneo.251

Essa conceituação trazida pela autora estabelece uma ruptura, por ela evidenciada, com os trabalhos realizados anteriormente por Antônio Bivar252 e Helenrose Pedroso e Heder Souza253, em função de não

250 Ibidem, p. 82-3. 251 Ibidem, p. XV. 252

BIVAR, Antônio. op. cit. 253

visualizar o elemento da revolta como fundante nas ações do punk brasileiro, visualizando que suas ações estão centradas em “sua intencional exposição do espaço público”254, incidindo no que define como “estilo espetacular”, que, por sua vez, também se presentificava entre os darks.

Assim, tentando compreender os punks na cidade de São Paulo na década de 1980, a autora valeu-se de um amplo aparato metodológico, que veio ao encontro de suas proposições teóricas. Nesse sentido, compôs esse quadro partindo dos referenciais bibliográficos, a partir das ideias presentes nas obras sobre o punk brasileiro, procurando complementá-las com “dados primários de sua pesquisa”255, focando na espetacularização punk por meio de seus relatos etnográficos e depoimentos. Contudo, se por um lado, a pesquisadora deixou evidente a estrutura central de sua investigação, por outro, não elucidou quais os repertórios metodológicos específicos para a realização das entrevistas e observação participante.

No entanto, pode-se inferir que, na composição de sua etnografia do punk, em duas peças, transparece a intencionalidade de criar uma espécie de “tipo ideal punk” com ênfase nos elementos estéticos e em sua exposição espetacularizada no espaço público. Embora, na composição dessa peça por vezes transpareça, nas entrelinhas, um direcionamento de acepção pós-estruturalistas, tal qual no trabalho de Janice Caiafa,256 em seu capítulo “Isto não é uma suástica”, pois a autora chega a evidenciar que os punks faziam:

A construção da própria imagem com sinais negativos é tomada como instrumento de afirmação a partir da reinversão dos valores atribuídos a esses sinais. O feio passa a constituir um ideal estético, a ser base para a

254

ABRAMO, Helena Wendel. 1994. p. 99. 255

Ibidem, p. XIV. 256

beleza; a indigência é tomada como matéria de criação; a ausência de conhecimento e virtuosismo musical como possibilidade de criação de uma música são as bases sobre as quais se cria um estilo capaz de compor uma identidade e afirmar uma imagem positiva para si. 257

E, também quando pontua,

[...] os punks estão buscando realizar o jogo de produzir uma negação através da afirmação: usando seu corpo como espelho do entorno, querem explicitar a violência da sociedade, denunciando-a; ao mesmo tempo, converter a negatividade em atuação, vertendo para fora a violência, voltando-a contra a ordem social que engendra”.258

Ainda a respeito de suas opções metodológicas, a autora também se valeu de entrevistas, embora não tenha destacado quais seus métodos de coleta dos depoimentos, torna-se importante evidenciar o fato de ter trazido em seu texto, trechos das entrevistas, permitindo ao leitor produzir sentidos acerca dos depoimentos.

Embora a construção da narrativa histórica acerca do punk brasileiro não tenha sido uma preocupação marcante, cabe novamente destacar que o objetivo central situava-se em torno da compreensão sociológica das condicionantes que permitiam o afrontamento ao status quo. Mesmo assim, a obra foi capaz de trazer importantes constatações a respeito da fase inicial do punk no país. Inclusive enaltecendo que o punk seria a primeira coletividade juvenil nacional originada a partir de elementos determinados pelas classes trabalhadoras259.

257

ABRAMO, Helena Wendel. 1994. p. 103. 258

Ibidem, p. 107. 259

Tal predileção, por sua vez, demonstra o engajamento multidisciplinar empreendido por Helena Abramo objetivando a verificação em locus de aspectos constituintes de sua teorização acerca dos agenciamentos juvenis no pós-guerra.

Propósito semelhante ao disposto por Kenia Kemp em “Grupos de estilo jovem: O Rock Underground e as práticas (contra)culturais dos grupos punks e trashs em São Paulo” 260, numa investigação que procurou fundamentar sua construção teórica a partir do diálogo constante com pesquisadores que versaram sobre o mundo “contemporâneo” e seus desdobramentos concernentes aos jovens, como John Gillis, Edgar Morin, Pierre Bourdieu, Clifford Geertz, Suely Kofes, Jean Baudrillard, Néstor Perlongher, Martin Baethge, Benedict Anderson, Avron White, Iain Chambers.

Nesse sentido, em seu primeiro capítulo, a autora estabelece um empreendimento diacrônico a fim de apresentar as transformações no panorama juvenil nas sociedades “urbano-industriais”, com ênfase no papel de midiatização que foi primordial para a emergência de constituição dos “grupos de estilo globais”. Tendo em vista esses agentes são apresentados diversos postulados que elucidam a constituição dessa dialética (Global X Local) sobre os jovens.

Assim, por meio das contribuições de John Gillis261, procura destacar que, a partir do século XX, passou a haver a comercialização dos espaços de lazer, com a criação de: “salões de dança, cinema, pubs locais, espetáculos esportivos, etc.”262, contribuído para que os jovens urbanos

260

KEMP, Kenia. op. cit. 261

GILLIS, John. Youth and History: Tradition and Change in European Age Relations, 1770-present. New York: Academic Press,1981.

262

cada vez mais rompessem com suas tradições, que por sua vez foram aceleradas no período pós-guerra, resultando em maiores transformações na condição juvenil. Por meio dos postulados de Edgar Morin263, a autora considera que o jovem/ adolescente “tornou-se um ‘modelo gerativo’ de identificações; nos meios de comunicação de massa”264, pois a partir deles desenvolve-se uma cultura midiática dos modos de vida a ser seguido.

Desses elementos da cultura midiática da música, em especial o rock n’ roll, teria um imenso potencial de “mediar as relações sociais de uns ou outros grupos sociais”265. Nesse sentido, a partir das contribuições de Avron White266 observa que a criação de sub-gêneros do rock n’ roll – como os por ela estudados – atende a uma dinâmica natural do capitalismo de que “obedece à mesma lógica que qualquer outro bem simbólico inserido no mercado, [...] submetendo-se [ao] repertório determinado pelo funcionamento da moda”267. Em contrapartida observou que “no meio underground [...] a proposta vai no sentido de evitar todo o sistema de mercado que possibilita a massificação de sua produção cultural”268.

As ações de defesa à massificação do bem cultural pelos grupos de estilo underground são compreendidas como uma disputa inserida no campo social, para tal reflexão se valeu de Pierre Bourdieu269. Destarte, a música não se configuraria como um bem cultural isolado, seria, portanto,

263

MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: O espírito do tempo. Rio de Janeiro: Forense, 1969.

264

KEMP, Kenia. op. cit., p. 05 265

Ibidem, p. 08. 266

WHITE, Avron Levine. Lost in music: Culture, Style and the Musical Event. London: Routledge & Kegan Paul, 1982.

267

KEMP, Kenia. op. cit., p. 09 268

Ibidem, loc. cit. 269

A respeito desta formulação conceitual cf. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987.

resultado coletivo de apropriações pelos diferentes sujeitos “enquanto possibilidade expressiva de condicionamentos”270.

Portanto, entendendo essas transformações como táticas de distinção que operam em relação dialógica com o social, por conseguinte permite compreender as divergências entre os grupos de estilo nas esferas (Global X Local) como produto, pois, grupos que atuam num panorama local e marcam sua diferença:

[...] os grupos de estilo apontam para demarcação de diferenciações coletivas, de divergências no modo de vida e na condução de práticas sociais que, então, se expressam na elaboração de conjuntos de particularidades estilísticas capazes de definir fronteiras sociais.271

Assim, suas condições de vivência e práticas em grupo, de certo modo, definem sua forma de enfrentar o mundo. Atendendo a esse propósito, Kênia Kemp procurou traçar um panorama acerca dos punks, entenda-se anarco-punks, visando um melhor entendimento de suas ações. Nessa lógica, a autora desempenhou um excelente empreendimento descritivo, observando que “a maioria tinha idade entre 17 e 25 anos e moravam em bairros periféricos de São Paulo ou da área metropolitana da cidade como Mauá, Guarulhos ou Franco da Rocha”272. De modo geral, eram jovens de baixa renda, em que:

A falta de disponibilidade de dinheiro para gastos no grupo, fosse com bebida, comida ou até mesmo passagens para transporte urbano era constante. Passar o dia todo juntos, era possível em muitas ocasiões de finais-de- semana, quando alguma atividade inicial os reunia

270

KEMP, Kenia. op. cit., p. 11 271

Ibidem, p. 14. 272

(panfletagens, manifestações, reuniões, etc) fazendo com que pequenos grupos, depois, se dividissem com rumos e objetivos diferentes – muitas vezes, apenas arranjar um local para todos ficarem conversando em uma praça – até que um outro encontro, já de noite, os reunisse todos novamente. Muitas vezes podia “rolar um som” para onde todos iam, ou mesmo se reunirem novamente para as discussões e contatos de praxe do Movimento. Era comum passar-se então o dia todo sem comer nada, ou fazer um lanche com pães ou outro alimento barato, comprado com colaboração coletiva, ou trazido por algum deles. Muitas vezes, alguns ainda, abordavam transeuntes pedindo dinheiro, até que fosse suficiente para bebidas e/ou alimentos.273

Por diversos motivos tinham dificuldades de se consolidar no mercado de trabalho,

[...] seus empregos não eram muito fixos, havendo muita rotatividade de colocações, e muitos reclamavam que estavam há longos períodos desempregados. As mulheres normalmente relatavam experiências de trabalho como telefonistas, recepcionistas ou secretárias; escritórios e lojas eram os lugares citados. Já os homens falavam sobre trabalhos tanto em escritórios e setores administrativos de empresas, como atividades ligadas a construção civil (trabalhos temporários em obras e consertos domésticos), gráficas, vendas de consórcios, lojas.274

Com sua territorialidade era marcada pela:

[...] fluidez territorial do grupo sempre foi grande. Os encontros não podiam contar com um local fixo, pois muitas vezes eram expulsos dos pontos após algumas poucas vezes, ou pela polícia, ou por estratégias contra possíveis ataques de gangues de carecas, ou mesmo de gangues punks.275 273 Ibidem, p. 19-20. 274 Ibidem, p. 20. 275 Ibidem, p. 21.

Como pode ser observado, nesse trecho, a autora apresenta os limites da fluidez territorial como condicionados à dinâmica dos desdobramentos locais. Demonstrando que os aspectos “locais” são tão, ou mais, importantes quanto os da conjuntura “global” na composição dos grupos de estilo.

A respeito da atuação dessa dialética (Global X Local) a autora ainda observou que

[...] para os jovens envolvidos com o meio musical do underground, não se coloca – em nenhum momento – questão sobre “cultura nacional” ou “imperialismo cultural”, ou estrangeirismos quaisquer. Eles simplesmente não problematizam o rock como algo distanciado de suas tradições culturais locais; essa música ocupa aspectos de suas vidas que prescinde de noções como herança cultural, identificação com o meio ou manutenção de costumes.276

Após ter estabelecido esse debate em torno da condição juvenil na “contemporaneidade”, no capítulo seguinte, Kênia Kemp procurou centrar sua abordagem em torno da temática punk. Dessa forma, partindo de entendimento que todas as manifestações culturais deles emergem do punk rock, observa que esse gênero musical foi capaz de produzir uma