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2. Lógica na Antiguidade

2.1. Esforços precursores da lógica

Antes mesmo do estabelecimento de uma ciência da lógica, ou seja, da formulação de leis sobre a validade ou falsidade de proposições, a preocupação com a confirmação e refutação de teses já ocupava pensadores gregos que podem ser considerados precursores daquela ciência.

Fala-se em precursores porque "a lógica como ciência pressupõe uma lógica operatória espontânea, tal como a gramática pressupõe o uso da língua; mas, tanto num caso como no

287 "Numa interpretação que Toynbee considerou iluminante, Karl Jaspers sustentou que o curso inteiro da

História poderia ser dividido em duas etapas, em funlçai de uma determinada época, entre os séculos VIII e II a. C., a qual formaria, por assim dizer, o eixo histórico da humanidade. Daí sua designação, para essa época, de período axial (Achsenzeit)." COMPARATO, Fabio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 37-8.

288 COMPARATO, Fabio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo:

Companhia das Letras, 2006, p. 38.

289 FERRATER MORA, José. Dicionário de Filosofia. T. III. Tradução de Maria Estela Gonçalves, Adail U.

outro, a ciência só começa quando a atenção incide sobre a prática para, a partir dela, fazer teoria"290.

A dialética como arte do diálogo é precursora da lógica. Como o objetivo na dialética é triunfar sobre o adversário refutando suas afirmações ou convencendo-o do contrário, seus principais recursos são atacar a verdade de sua tese e denunciar erros lógicos na argumentação que se defende291. Foram os problemas apresentados pela dialética que levaram Aristóteles a estabelecer leis lógicas. Como explicam Blanché e Dubucs:

Deste modo, a dialéctica, sob seus diversos aspectos, prepara a lógica. Para se tornar, verdadeiramente, uma arte, ela supõe um estudo das articulações lógicas do discurso, das relações de consecução ou de incompatibilidade entre as proposições; é preciso reconhecer e analisar os diversos modos de argumentação, saber distinguir entre os encadeamentos legítimos e os encadeamentos incorrectos292.

A dialética não se confunde com a lógica, porque aquela é uma arte, uma técnica, e não uma ciência. Mas Kneale e Kneale acreditam que dialética foi o primeiro termo designativo para a lógica293.

Uma atividade intelectual que também pode ser considerada precursora da lógica ou contemporânea de seu aparecimento foi a elaboração de paradoxos, enigmas. Eubulides, um pensador megárico, foi mestre na elaboração desses desafios lógicos, que, por razões didáticas, serão analisados após o estudo da lógica aristotélica.

Platão, comprometido com a dialética, é, por sua vez, responsável por esboçar princípios lógicos em seus diálogos294. Alaôr Caffé Alves chega a afirmar que já há uma lógica

290 BLANCHÉ, Robert; DUBUCS, Jacques. História da lógica. Tradução de António Pinto Ribeiro e Pedro

Elói Duarte. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 15.

291 "Um outro recurso da dialéctica para refutar o adversário é, em vez de atacar directamente a verdade de

sua tese, denunciar erros lógicos na argumentação com que ele a defende. Para tal, é preciso ser capaz de fazer uma distinção exacta entre raciocínios corretos e raciocínios incorrectos, o que supõe um saber lógico ao menos implícito." BLANCHÉ, Robert; DUBUCS, Jacques. História da lógica. Tradução de António Pinto Ribeiro e Pedro Elói Duarte. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 20.

292 BLANCHÉ, Robert; DUBUCS, Jacques. História da lógica. Tradução de António Pinto Ribeiro e Pedro

Elói Duarte. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 21.

293 "A palavra 'dialéctica' tem uma série de diferentes tonalidades de sentido mesmo nos estádios iniciais da

filosofia, e para nós tem um interesse particular por ser o primeiro termo técnico usado para designar aquilo a que chamamos hoje lógica." KNEALE, William Calvert; KNEALE, Martha. O desenvolvimento da lógica. Tradução de Manuel Lourenço. 2ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980, p. 9.

294 "Si bien Platón, en lo que respecta a muchas de las reglas empleadas en su Dialéctica, pertenece al mismo

implícita na dialética platônica295. De fato, como se tratava de disputas argumentativas, era importante tentar reconhecer a validade dos argumentos e das suas conclusões, ou seja, a qualidade do raciocínio desenvolvido. Com isso, pode-se dizer que Platão refletiu sobre a filosofia da lógica296, mas não se pode confundir essa filosofia com o que se chama de lógica na atualidade, porque "Platão provavelmente não favoreceria a investigação lógica como um fim em si mesmo e sem procurar além disso estabelecer a verdade moral ou metafísica"297.

Dois diálogos platônicos têm como pano de fundo a questão da verdade e da validade do conhecimento: Teeteto e Sofista.

No primeiro desses diálogos, o Teeteto, a preocupação passa pela refutação da tese de que conhecimento é sensação e pela demonstração de que o conhecimento é uma opinião

verdadeira:

TEET. — Sócrates, é impossível chamar saber a toda a opinião, porque também há a opinião falsa. Contudo, parece que a opinião verdadeira é saber; essa é a minha resposta. Decerto que, se, ao avançarmos, não nos parecer que é como agora digo, procuraremos responder de outra maneira.

S. — Assim é que é falar, Teeteto, decididamente e não como ao princípio, hesitando nas respostas! Pois, se [c] procedermos assim, uma de duas: ou descobrimos aquilo para que nos encaminhamos, ou pelo menos não julgaremos saber o que ignoramos de todo. E não será desprezível este ganho. Então, que dizes agora? Se há dois tipos de opinião, uma verdadeira, outra falsa, defines o saber como opinião verdadeira?

TEET. — Sim, pois é assim que agora me parece (grifos nossos)298.

Em Sofista, a questão passa a ser sobre a verdade como qualificadora de uma sentença, de uma frase, e o "discurso verdadeiro refere-se às coisas tais como elas são"299. É o que fica evidente na seguinte passagem:

nuestro campo, y esto desde diversos puntos de vista, algo esencialmente nuevo." BOCHENSKI, Innocentius M. Historia de la lógica formal. Tradução de Millán Bravo Lozano. Madrid: Editorial Gredos, 1966, p. 45.

295 ALVES, Alaôr Caffé. Lógica: pensamento formal e argumentação: elementos para o discurso jurídico. 5ª

ed. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 146.

296 "... Platão talvez não favorecesse o estudo da lógica formal como um fim em si mesmo, ele é sem dúvida o

primeiro grande pensador nos domínios da filosofia da lógica." KNEALE, William Calvert; KNEALE, Martha. O desenvolvimento da lógica. Tradução de Manuel Lourenço. 2ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980, p. 19.

297 KNEALE, William Calvert; KNEALE, Martha. O desenvolvimento da lógica. Tradução de Manuel

Lourenço. 2ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980, p. 16.

298 PLATÃO. Teeteto. Tradução de Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri. 3ª ed. Lisboa: Calouste

Gulbenkian, 2010, p. 272.

299 KNEALE, William Calvert; KNEALE, Martha. O desenvolvimento da lógica. Tradução de Manuel

Estrangeiro — Porém já dissemos que toda sentença terá de ser, por força, de uma certa natureza.

Teeteto — Sim.

Estrangeiro — E como diremos que seja a natureza de cada uma dessas sentenças?

Teeteto — Uma delas, de algum modo, é falsa; a outra, verdadeira.

Estrangeiro — Das duas, a verdadeira diz de ti as coisas como realmente são. Teeteto — Sem dúvida.

Estrangeiro — E a falsa, diferentes da realidade300.

Não há dúvida de que Platão se dedicou à demonstração da validade dos argumentos que apresentava. Ocorre que, em termos propriamente lógicos, as tentativas de Platão para criar um processo de conclusão a partir de premissas não chegavam a uma conclusão necessária, por isso não satisfaziam Aristóteles e o levaram a refletir e forjar a teoria do silogismo301. Em outras palavras, o método de Platão era "simplesmente um método de exposição ou clarificação pelo qual podemos articular nosso pensamento"302. Mas reconhece-se a Platão, com esses esforços, um mérito em relação à lógica: ele criou condições para seu aparecimento com Aristóteles303.

Em suma, pode-se identificar que a diferenciação entre verdadeiro e falso –seja de juízos, sentenças, pensamentos ou referência à realidade – já intrigava os pensadores gregos anteriores a Aristóteles. Mas até então não havia sido formulada uma teoria acerca da validade do raciocínio ou da coerência entre premissas e conclusão.

300 PLATÃO. Sofista. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Ebooks Brasil, 2003, p. 63. Disponível em:

http://charlezine.com.br/wp-content/uploads/2012/10/O-Sofista-Plat%C3%A3o.pdf. Acessado em 27 de novembro de 2014.

301 "É ainda à correcção de uma teoria platônica, que se refere, desta vez, ao movimento descendente da

dialéctica, que se deve uma outra descoberta lógica fundamental de Aristóteles, a do silogismo. [...] Ora, Aristóteles censura um tal método pelo facto de não chegar à uma conclusão necessária. [...] Foi ao reflectir sobre esta insuficiência da diérese platónica que Aristóteles descobriu o silogismo, o qual nos proporciona uma conclusão necessária." BLANCHÉ, Robert; DUBUCS, Jacques. História da lógica. Tradução de António Pinto Ribeiro e Pedro Elói Duarte. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 24-5.

302 KNEALE, William Calvert; KNEALE, Martha. O desenvolvimento da lógica. Tradução de Manuel

Lourenço. 2ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980, p. 70.

303 "Este es el segundo gran mérito de Platón para con la Lógica formal: el haber hecho posible con su labor

la aparición de esta ciencia con Aristóteles." BOCHENSKI, Innocentius M. Historia de la lógica formal. Tradução de Millán Bravo Lozano. Madrid: Editorial Gredos, 1966, p. 51. No mesmo sentido: "Mas [o método de Platão] parece ter sugerido a Aristóteles o contorno geral do raciocínio silogístico." KNEALE, William Calvert; KNEALE, Martha. O desenvolvimento da lógica. Tradução de Manuel Lourenço. 2ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980, p. 70.