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2. Lógica na Antiguidade

2.3. A lógica na Antiguidade depois de Aristóteles

2.3.2. Megáricos e estoicos

2.3.2.2. Lógica estoica

Antes de uma análise material, observe-se que os estoicos se diferenciaram pela abordagem que deram ao tema, mais que por suas teses propriamente lógicas.

Primeiramente, para eles, a lógica era parte da filosofia, e não seu instrumento, como entendiam os aristotélicos363. Além disso, tinham dimensão clara do trabalho que

360 KNEALE, William Calvert; KNEALE, Martha. O desenvolvimento da lógica. Tradução de Manuel

Lourenço. 2ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980, p. 117.

361 KNEALE, William Calvert; KNEALE, Martha. O desenvolvimento da lógica. Tradução de Manuel

Lourenço. 2ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980, p. 116.

362 BLANCHÉ, Robert; DUBUCS, Jacques. História da lógica. Tradução de António Pinto Ribeiro e Pedro

Elói Duarte. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 107.

363 "Enquanto que os aristotélicos viam na lógica um instrumento para a filosofia, preparatório e portanto

desenvolviam e sua importância para a matéria. Ainda, traçaram limites claros para o que era o objeto de seus estudos lógicos364.

Atente-se, antecipadamente, também para o fato de que os textos estoicos foram "aristotelizados" antes que chegassem a nós365. Da mesma forma, anote-se que “dialética” é o termo estoico adequado para o que se chama hoje de lógica366.

Por sinal, os estoicos não só tiveram seus textos "aristotelizados", como os tiveram sua lógica longamente desvalorizada frente à lógica aristotélica367. Atualmente, já se admite que a lógica dos estoicos teve relevância muito maior que se imaginava no princípio da historiografia da lógica.

Na realidade, seu trabalho só foi redimido no início do século XX, quando se reconheceu que a lógica estoica tinha muitas semelhanças com a lógica da contemporaneidade. Reconheceu-se, então, que os estoicos tinham adiantado muito da evolução posterior da lógica, o que havia sido desconsiderado em razão da repercussão da lógica de peripatética. A lógica estoica era criticada em razão de um pretenso excesso de formalismo, o que, séculos mais tarde, foi essencial para o desenvolvimento da lógica atual368. Blanché

DUBUCS, Jacques. História da lógica. Tradução de António Pinto Ribeiro e Pedro Elói Duarte. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 108. Reforça essa posição: "No fim da Antiguidade era um lugar comum que eles tinham tratado a lógica como parte da filosofia e os Peripatéticos a consideraram antes como um instrumento." KNEALE, William Calvert; KNEALE, Martha. O desenvolvimento da lógica. Tradução de Manuel Lourenço. 2ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980, p. 141.

364 "Nas suas investigações lógicas os Estóicos estavam mais conscientes do seu papel do que quaisquer dos

seus predecessores. Atribuíram um lugar definido a essa ciência no seu esquema do conhecimento humano e defenderam uma doutrina definida acerca do conteúdo da lógica." KNEALE, William Calvert; KNEALE, Martha. O desenvolvimento da lógica. Tradução de Manuel Lourenço. 2ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980, p. 141.

365 "Otro problema lo constituye la interpretación. Ya en la antigüedad clásica textos estoicos fueron

'aristotelizados'..." BOCHENSKI, Innocentius M. Historia de la lógica formal. Tradução de Millán Bravo Lozano. Madrid: Editorial Gredos, 1966, p. 118.

366 "Dialéctica é o termo Estóico que melhor corresponde ao nosso termo 'lógica', embora eles incluíssem na

dialéctica muitas coisas que classificaríamos em epistemologia e gramática ou linguística." KNEALE, William Calvert; KNEALE, Martha. O desenvolvimento da lógica. Tradução de Manuel Lourenço. 2ª ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1980, p. 142.

367 "Fato amplamente constatado é que a tradição filosófica ocidental privilegiou a lógica aristotélica, como

se ela constituísse a única (e, talvez, a melhor) elaboração do pensamento lógico grego. Contudo, apesar do grande poder explicativo e racional da lógica de Aristóteles, sua abordagem não é única e nem, necessariamente, a mais fecunda". BASTOS, Cleverson Leite; OLIVEIRA, Paulo Eduardo de. Considerações historiográficas acerca da lógica dos estoicos. In: Princípios. Natal, v.18, n. 29, jan./jun. 2011, p. 37-47, p. 38.

368 "... A censura tão frequentemente dirigida aos estóicos de caírem num formalismo miudinho, volta-se

observa que "as demonstrações lógicas dos estóicos, se eram sem dúvida menos desenvolvidas, eram no entanto, pela sua postura, tão próximas das demonstrações formalizadas da nossa lógica actual quanto o permitia a ausência de uma língua simbólica"369.

O ponto de inflexão da postura dos estudiosos da lógica em relação aos estoicos foi um artigo de 1934 do lógico polonês Jan Lukasiewicz sobre a história da lógica das proposições370. Em 1923, Lukasiewicz apresentou sua interpretação sobre a lógica estoica, retomada no famoso artigo de 1934, de que a dialética estoica era a forma antiga do atual cálculo de proposições. Isso significava que os estoicos já refletiam sobre o raciocínio em termos de proposições, que atualmente se entende serem sentenças declarativas afirmativas que podem assumir um valor de verdadeiro ou falso.

Como destaca Blanché, "é nisso que ela difere profundamente da silogística aristotélica, que releva da lógica dos termos"371. Assim, enquanto os estoicos já trabalhavam com sentenças que podiam ser verdadeiras ou falsas, a lógica aristotélica era uma lógica sobre objetos do pensamento que deviam ter correspondência no mundo real.

Ao contrário de Aristóteles, a proposição simples não tem mais como objetivo fazer a ligação do indivíduo a uma espécie ou a um gênero (Sócrates é um homem) ou incluir uma classe de seres em outra (os homem são animais)372. Para os estoicos, não há mais que uma proposição simples, a proposição singular (afirmativa ou negativa), que põe em relação um sujeito individual com a circunstância, o acontecimento que o caracteriza (Sócrates é humano, Sócrates caminha)373. Com isso, ao radicar a estrutura de sua lógica formal em

indispensável dos seus progressos, e já mesmo da sua constituição como ciência formal." BLANCHÉ, Robert; DUBUCS, Jacques. História da lógica. Tradução de António Pinto Ribeiro e Pedro Elói Duarte. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 122.

369 BLANCHÉ, Robert; DUBUCS, Jacques. História da lógica. Tradução de António Pinto Ribeiro e Pedro

Elói Duarte. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 121.

370 BASTOS, Cleverson Leite; OLIVEIRA, Paulo Eduardo de. Considerações historiográficas acerca da

lógica dos estoicos. In: Princípios. Natal, v.18, n. 29, jan./jun. 2011, p. 37-47, p. 38.

371 BLANCHÉ, Robert; DUBUCS, Jacques. História da lógica. Tradução de António Pinto Ribeiro e Pedro

Elói Duarte. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 98.

372 "Cela étant, la définition n'a pas pour tâche, comme le veut Aristote, de rattacher un individu au genre, à

l'espèce, etc. dont il dépend. Elle devient une simple enumeration des caractères propres à chaque individu..." REYMOND, Arnold. Études sur le stoïcisme dans l'antiquité: la logique stoïcienne. In: Revue de théologie et de philosophie, v. 17, 1929, p. 161-171, p. 167.

373 "Par suite la proposition simple ne vise plus à rattacher l'individu à une espèce ou à un genre (Socrate est

un homme) ou à inclure une classe d'êtres dans une autre (les hommes sont des animaux). Il n'y a plus qu'un type de proposition simple, la singulière (affirmative ou négative) qui met en rapport un sujet individuel avec

sua teoria do conhecimento, os estoicos reduziram as dez categorias aristotélicas a quatro: substância, propriedade, maneira de ser e relação. Estas categorias, segundo os estoicos, são suficientes para situar o indivíduo na realidade374.

A partir disso, a lógica estoica despertou opiniões opostas sobre a sua relevância na história da lógica:

Note-se que a história da Lógica adotou dois posicionamentos opostos em relação à lógica estoica: primeiro, uma postura de crítica severa, reduzindo a lógica dos estoicos a um grau inferior de desenvolvimento em relação à lógica aristotélica; segundo, um posicionamento de valorização das peculiaridades da lógica dos estoicos e, inclusive, de sua posição de destaque diante da lógica peripatética, sublinhando seu avanço em alguns pontos específicos. Trata-se, portanto, de uma “visão negativa” e de uma “visão positiva” da lógica do Pórtico375.

Ainda, a aparente simplicidade da lógica estoica revela que os estoicos já se aproximavam do que atualmente se denomina “axiomática”: o estabelecimento de um número reduzido de princípios, dos quais decorrem conclusões sucessivas. Nas lições de Mates, "os estóicos buscavam um conjunto de regras de inferência com que pudessem operar e por meio das quais se pudesse deduzir, através de procedimento exatamente especificado, as conseqüências tautológicas de premissas dadas"376.

A lógica estoica corresponde à filosofia materialista da estoa. Não se pode esquecer que "para os Estóicos pensar é uma actividade física e por isso perceptível"377. Como consequência, "os Estóicos quiseram insistir que um axioma que se pretende descrever como verdadeiro ou falso tem que de algum modo estar presente quando é descrito como

la circonstance, l'événement qui le caractérise (Socrate est humain; Socrate se promène)." REYMOND, Arnold. Études sur le stoïcisme dans l'antiquité: la logique stoïcienne. In: Revue de théologie et de philosophie, v. 17, 1929, p. 161-171, p. 167.

374 "La structure de la logique formelle découle tout naturellement des principes posés dans la théorie de la

connaissance. Tout d'abord les dix catégories (manières de juger) se ramènent à quatre, à savoir la substance, la propriété, la manière d'être et la relation. Ces catégories au dire des stoïciens suffisent amplement à situer l'individuel dans la réalité." REYMOND, Arnold. Études sur le stoïcisme dans l'antiquité: la logique stoïcienne. In: Revue de théologie et de philosophie, v. 17, 1929, p. 161-171, p. 167.

375 BASTOS, Cleverson Leite; OLIVEIRA, Paulo Eduardo de. Considerações historiográficas acerca da

lógica dos estoicos. In: Princípios. Natal, v.18, n. 29, jan./jun. 2011, p. 37-47, p. 39.

376 MATES, Benson. Lógica elementar. Tradução de Leônidas H. B. Hegenberg e Octanny Silveira da

Mota. São Paulo: Editora Nacional e Edusp, 1967, p. 269.

377 KNEALE, William Calvert; KNEALE, Martha. O desenvolvimento da lógica. Tradução de Manuel

verdadeiro ou falso"378. Nesse sentido, para forjar uma lógica que se adaptasse à sua filosofia, os estoicos precisaram deixar de lado, assim como Aristóteles, a ideia platônica da existência de formas ideais379.

Por fim, acredita-se que Crisifo de Solis, um importante pensador estoico, tenha sido o lógico mais profícuo da Antiguidade depois de Aristóteles380. De acordo com Reymond, é a partir de Crisifo que a lógica se divide em duas partes: a retórica, que estuda o discurso bem ordenado, e a dialética, que trata do discurso dialogado e é comumente reconhecida como a ciência do verdadeiro e do falso. Daí, foram introduzidas na dialética (como chamavam a lógica) sucessivas divisões e subdivisões381.

Em suma, a lógica estoica inaugura uma lógica baseada em proposições, e não em objetos, o que representa um avanço em relação à lógica aristotélica da ótica da contemporaneidade. Ainda assim, na esteira dos megáricos, ela representa uma continuidade nos esforços para a construção de um edifício lógico baseado nos princípios da não contradição e do terceiro excluído.