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Espaços Coletivos de formação continuada e dos processos de trabalho

5. INTERPRETAÇÃO E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

5.1. Enredo sobre a construção das narrativas dos sujeitos da pesquisa e seu contexto

5.1.2 Espaços Coletivos de formação continuada e dos processos de trabalho

Como relatado anteriormente, a PNH definiu a educação permanente como um eixo de sua implementação, para que seu conteúdo fizesse parte dos cursos profissionalizantes na graduação, pós-graduação, extensão e nas instituições dos serviços de saúde. Também no SUS Campinas, tanto o Projeto Paideia como a gestão municipal posterior a esse modelo, priorizaram a educação permanente através da construção de vários espaços para formação continuada de gestores e trabalhadores.

Por isso, buscamos identificar na visão dos sujeitos da pesquisa como se deu esse processo, assim como encontrar em suas narrativas os espaços coletivos que envolvem a organização dos processos de trabalho, e que se constituíram em dispositivos e diretrizes para a humanização em saúde no município.

Em todas as narrativas, é unânime que ninguém participou recentemente de processos de formação que abordassem a humanização em saúde, ou que a tivesse como eixo central. Então, o enfoque desse tema retoma experiências passadas na rede do SUS Campinas, assim como outros espaços de debate no município.

A gestão diz que o debate da humanização é algo corrente na assistência, no dia a dia do serviço, em cursos, seminário e congressos. Os profissionais destacam o momento quando em Campinas surgiram Fóruns, oficinas e cursos que envolviam questões como humanização do parto, acolhimento, clínica ampliada, acesso avançado, assistência farmacêutica e um dispositivo de um grupo de humanização dentro da secretaria de saúde, que organizava oficinas e atividades no âmbito do HumanizaSUS. “Tem o fórum de humanização do parto por exemplo, mas curso focado só em humanização não participei, até ouvi” (P1). Essas oficinas, segundo um dos profissionais, possibilitavam que eles trouxessem os textos oferecidos para uma discussão dentro do CS com sua equipe.

Um dos profissionais ainda ressalta que na época do Saúde Paideia em Campinas, por exemplo, houve cursos para humanizar o atendimento com enfoque no acolhimento. Destacam

a importância da parceria com a UNICAMP para cursos como o de acesso avançado, e outros que traziam a humanização como disciplina. Dois profissionais ressaltaram a importância de um evento promovido pelo Centro de Educação dos Trabalhadores da Saúde (CETS), da Secretaria de Saúde de Campinas, que possibilitou a troca de experiências de boas práticas na assistência, com visitas a vários serviços da rede, como Farmácia Popular, Centros de Saúde e os CAPS.

“Não participei de curso sobre humanização, só um fórum de humanização aqui pela prefeitura de campinas, mas faz alguns anos, uns 3, 4 anos por aí. Foram vários profissionais, desde de psicologia, o pessoal de enfermagem todo mundo expunha assim as dificuldades, até os episódios que era assim meio duro para a pessoa ta se lembrando e ta comentando ali com as outras pessoas, coisas que tinha feito que tinham trazido uma forma de destaque. Eu pude ver que não era só aqui, não pode ter essa visão egocêntrica de achar que a gente ta melhor, que a gente é melhor que os outros, isso eu acho que a gente tem que se lembrar sempre de ter essa humildade. Mas eu percebi que tinham outros lugares que também estavam discutindo que também procuravam sempre melhorar e implementar essa humanização no serviço, eu vi que não era assim só coisa do módulo porque era um lugar assim pequeno que tinha menos gente para estar atendendo. Mostrou os outros serviços, que as pessoas estavam fazendo tudo ali também, e não era só a gente.” (P3)

“[...] a gente vinha na época fazendo uma discussão com a residência, Gustavo Tenório que foi coordenador geral da PNH tava com a gente, eles fizeram até um evento lá na UNICAMP que a gente foi participar, eu não fui porque eu não podia sair da farmácia, mas os trabalhadores aqui do centro de saúde foram fazer uma discussão sobre acolhimento, fazer uma discussão na verdade sobre acesso avançado, para assim “vamos abrir a porta mesmo”. Essa é uma discussão que ela anda muito junto com a discussão que a PNH vinha promovendo sobre acolhimento de porta aberta. teve um evento de humanização em 2010 que foi promovido pelo CETS eu não lembro o nome desse encontro, não sei se foi um encontro municipal de humanização era alguma coisa assim, um evento bacana, bem bacana mesmo, que a gente até foi conhecer outros serviços, então eu lembro que lá no CAPS como eu ia participar do evento, eu que sempre gostei muito da PNH, sempre me dispunha. Foi um processo que os serviços iam conhecer uns aos outros para ver como era a humanização no serviço. Eles fizeram uma proposta do serviço visitar o outro, então a coordenadora do nosso serviço na época queria conhecer a farmácia popular [...]” (P9)

Na série histórica que analisamos, por meio de documentos encontrados na Secretaria Municipal de Saúde sobre o HumanizaSUS em Campinas, algumas das experiências citadas estão relatadas e organizadas em três cadernos. O primeiro retrata o I Fórum Municipal de Humanização, nos dias 19 a 21 de setembro de 2007, para a construção das redes de produção e cuidado no SUS Campinas. Já o segundo e o terceiro são compilados das oficinas oferecidas para as equipes municipais, parte do projeto Construção de Prática Humanizada em Saúde, com uma turma em 2006 e outra em 2007, direcionadas aos trabalhadores da rede, e com carga horária de 32 horas de exposição e 8 horas de atividades de dispersão.

As referidas oficinas envolveram o Departamento Regional de Saúde (DRS XII), o polo de educação permanente do Leste Paulista, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e a PNH, com sua consultora Raquel Teixeira Lima. O blog do Núcleo de Comunicação em Saúde e o jornal online Cartas da Saúde, canais já citados neste estudo como importantes dispositivos da PNH em Campinas, também trazem relatos das oficinas e fóruns oferecidos no município. As narrativas dos profissionais identificam que esse momento foi importante e que deveria ser retomado:

“A gente teve um momento na prefeitura de Campinas onde se criou um grupo, não sei como chamava esse grupo, mas é um grupo de humanização, ou seja, a gestão pública se interessou em montar uma equipe exclusivamente para isso, focada nisso o que é um avanço. E não existe mais, que eu saiba desapareceu e eu conheci as pessoas que trabalharam nesse grupo e são pessoas fantásticas de um trabalho muito bom para se desenvolver. Eles fizeram oficinas organizaram eu não lembro exatamente o ano mas deve ser coisa de 6 anos 7 anos atrás talvez eu não lembro o quanto mas eu acho que é momento importante no município de Campinas de ter esse grupo de humanização não sei se você já ouviu falar que ele existiu esse grupo, posso te apresentar pessoas que participaram e organizaram e que não estão mais na rede - se aposentaram - mas são pessoas interessantes para você entrevistar até não estão mais na rede. Eu acho que foi um grupo muito interessante, poderia ser resgatado. Eu participei, não era um curso, era alguns encontros, oficinas, não era uma coisa só de um curso e acabou, o tema foi colocado em pauta mais constantemente, essa era a proposta do grupo. Eu trazia texto para unidade, a gente trazia coisas para cá, mas foi bem interessante eu acho que foi uma coisa muito rica.” (P5)

Já os dois estudantes não participaram de nenhum curso de humanização da atenção e gestão, mas um deles lembra que na UNICAMP há o fórum da mulher e do recém-nascido, dos quais ele participa, e onde essa discussão está vigorosa. O mesmo estudante diz que são importantes cursos e palestras para que o profissional não esqueça os preceitos da humanização na sua prática:

“tem o fórum e tem o grupo de pesquisa aqui da UNICAMP de saúde da mulher e do recém-nascido aqui da enfermagem que eu também participo, e a gente fala um pouco, um pouco não bastante, porque grande parte são enfermeiras obstetras, parteiras, então para a gente isso está muito forte principalmente no contexto atual. Eu acho que é fundamental para a gente os cursos, palestras, coisas assim para a gente não esquecer um pouco disso. “(E1)

Todos os usuários falaram em suas narrativas que nunca participaram de nenhum espaço de formação continuada voltada para a humanização. Dois deles disseram que possivelmente foram convidados, mas não puderam ir, e que o tema já havia sido tratado na Conferência Municipal de Saúde e nas reuniões do conselho distrital e do posto. O único momento que um deles diz ter presenciado foi apenas a conclusão de um curso frequentado pela farmacêutica do

posto, que os convidou. Mais uma vez, vem a aparecer nas narrativas dos mesmos a relação da humanização com o próprio SUS: “Já falaram sobre isso nas conferências, nas reuniões do distrito, nas reuniões do posto saúde. Acho que precisava saber mais sobre o SUS para a gente poder melhorar”. (U4)

Sobre os espaços coletivos dos processos de trabalho, os profissionais relataram a reunião geral, reunião das equipes, colegiado gestor e conselho local de saúde. Destacam que a gestão local, mesmo promovendo a democratização nesses espaços, deveria ser mais incentivadora de momentos de formação continuada dos profissionais em consonância com os princípios do SUS, e que as decisões devem ser tomadas mais coletivamente entre todo o corpo de profissionais, e menos segmentada em equipes isoladas decidindo sua forma de trabalhar.

“As equipes precisam estar dentro das diretrizes do SUS, quando ela vai tratar da questão de formação por exemplo, da formação de profissionais, tanto da formação do ponto de vista mais formal, acadêmico desde a graduação, até a formação do cotidiano que eu acho que a política de humanização traz um pouco mais de ênfase tanto dessa questão do cotidiano.” (p2)

Segundo um dos trabalhadores, essa formação também deveria ser voltada para os usuários do conselho local de saúde, pois humanizar também é fortalecer o conselho local, e que os profissionais com mais vínculo com esses usuários e com a comunidade poderiam ajudá- los em suas reivindicações.

“Agora eu tenho impressão que a gente ainda precisa qualificar mais os nossos usuários do ponto de vista de reivindicação, eles são extremamente educados e participativos na cogestão né. Nosso conselho local, por exemplo, eles ainda são frágeis né, por isso até foi um dos motivos que fiz questão de entrar no nosso concelho local por que alguns momentos a gente sentiu, que hoje não é o caso, mas algumas gestões pode ter um jogo de força muito desigual e a gente precisava ter gente que tivesse muito vínculo com eles na comunidade para ajudar reivindicar algumas coisas que são importantes para esses usuários. Eu acho que nós já avançamos muito e já melhorou bastante, eu acompanhei essa evolução do nosso conselho local, de fragilidade para ganhar mais força e eu acho que isso é uma grande coisa para gente conseguir humanizar mais.” (P5)

Sobre o colegiado gestor, os profissionais afirmam que esse espaço não deve ser o único a decidir sobre demandas e pautas que serão discutidas pelas equipes, e alertam o risco de o espaço burocratizar-se ou ser conservador. Por exemplo, o colegiado pode vir a perder representantes eleitos por não serem mais maleáveis quanto a mudanças de horário das reuniões que conflitem agendas dos seus delegados. Já a reunião geral é vista como um espaço em que

pode se observar a boa integração das equipes em prol do paciente, e que certas formas de organização da atenção e do acesso dos usuários podem influir na redução de tempo desses espaços coletivos de discussão.

Ao retratar sobre esses espaços, a gestão destaca a importância do protagonismo dos profissionais no colegiado gestor para organização do serviço, assim como a participação dos usuários no conselho local de saúde.

Os estudantes não trazem em sua narrativa mais nada sobre demais espaços coletivos dos processos de trabalho do CS. Um deles diz que não esteve muito próximo da gestão. Já o outro estudante diz que espaços como as reuniões de equipe e reunião geral são campos de disputa e de conflitos para sustentação de novas organizações do processo de trabalho, como a redefinição da forma do acolhimento do CS, por exemplo. Sua narrativa dialoga com o tema anterior, sobre as tensões que o acolhimento estava trazendo para os espaços de discussão.

Para os usuários, a discussão dos dispositivos dos espaços coletivos também está distanciada, e apenas um deles fala do conselho local, ressaltando dificuldades para haver uma estrutura mínima, como transporte para os conselheiros conseguirem estar em todas as reuniões do SUS que eles precisam participar. Ele acrescenta que o prefeito deveria destinar a perua, que é utilizada por pessoas do seu eleitorado e dos cargos comissionados da Secretaria, para o transporte dos conselhos locais de saúde.

“Se coloca um conselho local de saúde tinha que ter uma certa estrutura, um acompanhamento e a prefeitura coloca peruas/combes para carregar cargo comissionado e pessoas que o prefeito foi eleito. Nêgo pra cima e pra baixo com aquela pirua, mas infelizmente para você ir nas reuniões do SUS a prefeitura não dá um transporte daquele para você acompanhar as reuniões dos SUS, você não tem condições para isso.” (U4)

Outro usuário destaca a importância do conselho local como espaço coletivo de luta:

“Quanto mais nos forçar e lutar pelo nosso direito com o tempo vai ter melhora né? Porque se nós abandonar aí vai ficar pior a situação né? E cada vez ficando mais difícil, porque hoje se nós não lutar pelos nossos direitos ele vai acabando. O SUS ta correndo perigo por causa disso, porque uns não corre atrás, outros não quer, outros não interessa, então vai ficando difícil, enquanto nós tem que atrás dos nossos direitos, se nós não lutar, a luta é constante, se nós não lutar não consegue.” (U3)