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5. INTERPRETAÇÃO E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

5.1. Enredo sobre a construção das narrativas dos sujeitos da pesquisa e seu contexto

5.1.3 Precarização do trabalho em saúde

Primeiramente, é importante salientar que nenhuma das categorias relacionou diretamente a humanização à forma de se pensar a qualidade de vida dos trabalhadores da saúde. Muito do que trazemos aqui vem da visão das categorias sobre aspectos que possam vir a desumanizar a assistência ou dificultar o acesso do usuário. Visto isso, fez-se uma tessitura do que, na nossa visão, reflete a precarização do trabalho em saúde.

Segundo a gestão, as condições inadequadas de trabalho são a causa da desumanização da assistência, e o que é algo estrutural e deve envolver gestão local, municipal e federal. Em especial, as duas últimas não realizariam o que é preconizado para a boa assistência à população e não tratariam a humanização como prioridade. Ademais, a gestão relata que é necessário um setor de recursos humanos eficiente e materiais adequados para os serviços.

As narrativas dos trabalhadores retomam a experiência do acolhimento no serviço, as barreiras de recursos humanos, de estrutura e falta de insumos, que desumanizam o trabalho e o limitam. Observamos a dificuldade do trabalhador em identificar que a humanização da saúde também implica melhorias de condições de trabalho, e que o próprio trabalhador é um sujeito que necessita de cuidado e atenção.

Aliás, dois trabalhadores sequer abordaram o tema, e, por mais que as outras narrativas o abordem, o fizeram de forma sucinta e sem relação com a humanização enquanto um olhar também ao trabalhador. Eles esperam que qualquer mudança que vise a humanização do serviço, além de desburocratizar o acesso do usuário, o atendimento e trazer resolutividade no cuidado, estejam preocupadas em não aumentar a pressão sobre eles, que já é muito grande.

“Eu acho que basicamente o que muda é o nosso processo de trabalho quando você pensa em humanização, de como consegui atender toda essa demanda que aparece, pensando na resolutividade do trabalho e assim tentando atender da melhor forma possível, dando resolutividade e fazendo com que o paciente saia satisfeito do serviço, mas assim de forma que o trabalhador também não se sinta pressionado com a demanda que aparece.” (P1)

Os trabalhadores falam do acolhimento como algo difícil de fazer, e que sobrecarrega muito a equipe de enfermagem, por exemplo. Eles lembram que já no fórum de humanização, feito com visitas aos serviços em 2010, os trabalhadores reclamavam dessa sobrecarga e traziam até exemplos pessoais que não eram fáceis de expor publicamente.

“O acolhimento é uma coisa super difícil de fazer, de vez em quando tem suas limitações, limitações de horários, de sobrecarga de profissionais, mas eu entendo que é uma via que possibilita o usuário está vindo aqui com uma queixa que não dá para ser marcada e que precisaria.” (P3)

A sobrecarga também é vista no trabalho exercido na recepção e assistência odontológica, e a alta demanda e a falta de recursos humanos têm prejudicado a integralidade do cuidado, e até mesmo a participação dos profissionais em processo de formação continuada, nos espaços coletivos dentro do CS.

“se fosse para eu ir em um curso de humanização por exemplo, ia ser super difícil. Não teria como eu ir, porque aí você fecha a farmácia e a gestão não ia deixar eu ir mesmo entendeu.” (P7)

“Como sou só eu a P10 do Centro de Saúde eu fiquei mais no atendimento curativo, e não fico participando de reunião de equipe. Eu sinto falta, porque no outro centro de saúde eu participava da reunião de equipe, e aqui só fui algumas vezes, pouquíssimas, mas na verdade aqui eu faço atendimento de pronto-socorro você não tem um atendimento. Fico naquela coisa “o que eu faço?” Não sei que lado ir, eu achei que até pelo tempo que eu vou ficar aqui se eu desse foco mais de melhorar a dor do paciente [...] Eu to saindo daqui e não chegou ninguém, [...] eu continuo fazendo esse atendimento que não é o ideal. Aqui o ideal é você participar e ver o paciente nos vários ângulos [...] . Muitas vezes pelo volume de pessoas que vem nos procurar as vezes você não tem um tempo adequado para ficar com cada pessoa.” (P10)

Isso vendo sendo refletido em algumas narrativas como um fator que acarreta menos horas dedicadas ao paciente, gerando discursos recorrentes como “é o que dá pra fazer” e “temos que educar a população”, uma forma de responsabilizar o usuário para uma readaptação da nova rotina do CS.

A tensão e pressão de metas também aparecem e são entendidas como causa de um atendimento mais duro. Aqui, comparam novamente a atenção básica a um hospital, uma unidade urgência, e reforçam que o hospital é um ambiente mais desumanizado por si só.

“[...] era uma percepção do que a gente fazia ali, então que era um jeito de olhar para o trabalho que era feito muito precário e muito assim “olha aqui é o que dá pra fazer”, e naquele momento eu já questionava isso, dentro do que eu conseguia questionar.” (P2)

“porque os trabalhadores da recepção estavam sobrecarregados, e aí em vez da gente lidar enquanto equipe “ou então vamos ver como que a gente consegue ajudar a recepção, como que a gente resolve para não fechar a porta para o usuário, para garantir o acesso o maior tempo possível” o que a gente faz? A gente restringe o acesso. Restringe o acesso e ainda recebe o discurso de “a população tem que ser educada” (P9)

“Dentro de hospital é muito duro, mas nós também estamos ficando assim, uma política que não pensa no trabalhador que só pensa em números, em dados, e aí você acaba trabalhando com uma certa dureza, inflexibilidade, com o paciente e com o colega também, e olha que aqui ainda é bom.” (P1)

Entretanto, mesmo com toda essa dificuldade, entendem que o período anterior ao SUS era bem pior, e que sentem falta de uma gestão que motive os profissionais e esteja mais próxima deles para não os fragilizarem cada vez mais.

“Quando eu entrei as dificuldades que eu tinha e conforme foram se passando os anos eu notei que, a cada dia, apesar das pessoas falarem que o SUS isso e aquilo, mas eu acho que está avançando para melhor. Mesmo com as faltas de muitas coisas que nós sentimos, mas está avançando sim, eu acho que tem uma certa preocupação. Não vou dizer assim “a o prefeito é o maior culpado”, não sei se é o prefeito, mas que está melhorando um pouco estar, antes era bem pior.” (P8)

Um dos profissionais diz que até as greves por melhorias de salários e condições mais salubres de trabalho têm ficado cada vez mais corporativas, e que a pressão do sindicato rompe a relação entre trabalhador e usuário, que nessas horas é de profunda importância.

“Eu acho que ainda tem algumas coisas que apesar da gente ter como equipe um grande preocupação com usuário, na hora do vamos ver em algumas coisas por exemplo, na época de greve não se escuta o usuário, o trabalhador é corporativo enquanto trabalhador, equipe de trabalhadores que é capaz de fechar algumas ofertas porque tem que fazer greve. Então isso me incomoda, eu acho que nessa hora faltou humanização, a gente foi capaz de parar vacina, parar farmácia isso me incomodou muito. O usuário não teve voz, não foi negociada a greve junto com o usuário, foi trabalhador com trabalhador sozinho. Então acho que a gente ainda está em um processo, mas eu entendo que isso é pressão de sindicato.” (P5) Os estudantes trazem em suas narrativas que essa precarização do trabalho implica a precarização do cuidado em saúde, levantando fatores como o desfalque de RH também. Para eles, principalmente a falta do profissional enfermeiro e do apoio da gestão, assim como a correria do serviço de saúde, são exemplos de fatores que desumanizam o cuidado.

“Pela correria também de como é né o serviço em alguns momentos eu achei que pode ter faltado humanização, mas na atenção para o paciente eu enxerguei muita humanização.” (E1)

Mesmo com toda essa dificuldade, um estudante afirma que tenta se esforçar o máximo: “No cuidado a gente tenta fazer nosso máximo, mas sem o apoio da gestão, com número de profissionais reduzidos, principalmente enfermeiro, que acho que ainda ta muito pouco tá complicado de acontecer” (E2). Ele retrata que o trabalho em saúde é maçante, cansativo e difícil, e que os profissionais precisam ser lembrados sobre os conceitos de humanização do cuidado, para que não sejam “engolidos” pela rotina e não realizem um trabalho mecânico, que o usuário é só mais um entre tantos. O mesmo estudante revela que escutou de profissionais

mais velhos que a rotina de muitos anos de trabalho no SUS, por mais que o profissional seja bastante humano, faz com que ele se sinta esgotado e às vezes acarreta desumanização do serviço como um todo.

Segundo ele, pelo fato de estar sempre engajado no movimento de humanização do parto, talvez não se esqueça desse seu lado mais humano, porém não descarta que também possa ser “engolido” pela rotina, como os profissionais mais antigos.

“Nosso trabalho é maçante, nosso trabalho é cansativo, nosso trabalho é difícil, então é importante que as pessoas lembrem a gente de vez em quando, pois as vezes correria do dia a dia a gente acaba virando mecânico e isso é muito ruim principalmente no contexto da saúde. Eu sou nova na profissão então eu ainda não cai naquilo que todo mundo fala né na rotina de “há mais um, mais um, mais um” e por mais humano que a gente seja tem uma hora que parece que esgota com o tempo de trabalho, isso é o que eu ouço das pessoas mais velhas. Eu ainda não tenho essa experiência, eu trabalhei um tempo, mas foi pouco tempo então eu não conseguir perder isso, talvez eu nunca perca talvez por estar engajada, mas talvez pode ser que daqui um tempo, a gente nunca sabe né, vire rotina.” (E1)

Os usuários falam sobre o SUS como o garantidor do salário dos médicos, e acreditam que para que haja uma cobertura melhor, é preciso começar pelo combate à corrupção do dinheiro do SUS destinado às obras e à humanização. Segundo eles, é importante uma reivindicação conjunta de conselheiros locais de saúde e dos trabalhadores, através de protestos e protocolos na prefeitura, para que consiga reverter o quadro da falta de insumos no serviço:

“Sem o SUS a gente não vai poder fazer nada, porque os médicos ganham por isso, eles não vão trabalhar de graça” (U2)

Um dos usuários lembra de um equipamento que foi conquistado com a luta conjunta de usuários e profissionais do posto, mas insiste que ainda falta uma integração geral entre o posto e a população. Dizem que falta remédio, falta RH, faltam seringas, e que isso é consequência de um secretário de saúde que só promete, reforçando a visão de que a precarização “vem lá de cima”, das gestões municipal, estadual e federal que dificultam a compra desses materiais:

“Ficou uma médica parada de seis meses, uma dentista e a auxiliar dela por falta de um compressor, que quebrou e não conseguiu trazer um outro compressor, ficou seis mês ela parado, sem o trabalho dela aqui, da função dela aqui do postinho por causa desse compressor por isso que eu falo que a diferença vem lá de cima. O que acontece aqui nós no postinho de saúde é desse jeito né, muitas vezes promete fazer, teve uma época que o secretário da saúde fala, fala, fala e não faz nada, não acontece. Eu acho que assim, a necessidade nossa não acontece por causa dos governos lá de cima, por causa que vem de lá a falta de remédio, a falta de

funcionário. A gente vai lá na prefeitura pede, igual eu tava falando do compressor a gente foi lá muitas vezes lá, reclamou e falou, aí quando eu falei que ia fazer um protesto sobre esse assunto as pessoas que atendeu e falou assim “não precisa disso aí não a gente vai dar jeito”, aí demorou três dias colocaram os compressor novo ali, não foi um só mais foi dois que ponharam. Tudo ajudou, parte dos funcionários dentro do postinho ajudou também, foi um conjunto entre o conselho e os trabalhadores do posto. (U3)

“Os profissionais se esforça mesmo com algumas faltas de materiais, seringa ou mesmo remédio. O que falta a população não vem do funcionário, eu acredito que é por conta da própria gestão do posto de saúde, gestão pública do governo e da prefeitura que dificulta tudo. As vezes falta profissional, falta o remédio, falta uma integração de um modo geral entre o posto de saúde que é o SUS e a população em geral. Tem que ser um posto de saúde que dê uma cobertura melhor para com as pessoas e acho que deveria começar pelo combate a corrupção, não deixar o dinheiro que o SUS destina para as obras e para uma humanização das pessoas, seja desviado para outras coisas.” (U4)