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A humanização como política pública no Sistema Único de Saúde : HumanizaSUS na atenção básica de Campinas-SP

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

JESSICA FARIAS DANTAS MEDEIROS

A HUMANIZAÇÃO COMO POLÍTICA PÚBLICA NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE: HUMANIZASUS NA ATENÇÃO BÁSICA DE CAMPINAS-SP

CAMPINAS 2018

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JESSICA FARIAS DANTAS MEDEIROS

A humanização como política pública no Sistema Único de Saúde: HumanizaSUS na atenção básica de Campinas-SP

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da

Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Saúde Coletiva: Políticas e Gestão em Saúde Área de concentração: Política, Gestão e

Planejamento

ORIENTADOR: DR. GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO

DEFENDIDA PELA ALUNA JESSICA FARIAS DANTAS MEDEIROS, E ORIENTADA PELO

PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS.

CAMPINAS 2018

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ORIENTADOR: GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS

MEMBROS:

1. PROF. DRA. DANIELE POMPEI SACARDO [TITULAR ]

2. PROF. DRA. LIANE BEATRIZ RIGHI [TITULAR]

3. PROF. DR. GASTÃO WAGNER DE SOUSA CAMPOS [PRESIDENTE]

Programa de Pós-Graduação em Mestrado Profissional Saúde Coletiva: Políticas e Gestão em Saúde da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

Data: 27/02/2018

BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

PROFISSIONAL EM SAÚDE COLETIVA: POLÍTICAS E

GESTÃO EM SAÚDE

JESSICA FARIAS DANTAS MEDEIROS

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha família, em especial ao meu pai Francisco Dantas, minha mãe Ângela Farias, meu irmão Paulo Silvestre e minha tia Milta Dantas, que supriram as dificuldades e foram meu alicerce para que eu conseguisse viver em uma cidade longe dos seus cuidados e com incertezas do que eu viria a encontrar.

(6)

AGRADECIMENTOS

A toda a equipe de saúde e Conselheiros Locais de Saúde do CS Rosália, em especial, Jair, Albertino, Maria Luiza, Vera e Maria Ivanilde, pela acolhida e confiança em compartilharmos saberes e nossa implicação pela defesa do SUS.

Ao professor Gastão Campos, que me acolheu como orientanda e aluna, aceitando o desafio de construirmos juntos esse trabalho, como também acreditando e apoiando essa minha trajetória de futura arte-educadora sanitarista.

Ao corpo docente do Mestrado Profissional em Saúde Coletiva, em especial às professoras Juliana Luporini, Mena Vilela e Daniele Sacardo, pela confiança, parceria e crença no meu desafio de fazer parte do mestrado profissional e trazer para a saúde coletiva a visão da arte-educação para além do fazer artístico, mas contemplando nossa sensibilidade e capacidade criativa em novas realidades de produção de vida e saúde.

Aos meus colegas de turma do Mestrado Profissional 2016, que foram de suma importância para que essa trajetória fosse gratificante. Com eles aprendi que as diferenças não são “despotencializadoras” de um diálogo respeitoso, tampouco impeditivas da construção de parcerias entre o que nos é comum.

Ao Coletivo Mandacaru: Resistir e Fulôrescer, que foi formado por Claúdia, Tida, Julianna, Vanessa, Carminha, Erika e Luciana, amigas e companheiras de luta da nossa turma de Mestrado Profissional. Sem elas, eu não teria visão e força para continuar acreditando em meus ideais.

Aos meus companheiros do Movimento Popular de Saúde de Campinas- MOPS. Aos conselheiros e conselheiras do Conselho Municipal de Saúde de Campinas.

(7)

Aos meus colegas da UNICAMP, professor Wagner Romão do IFCH e Celso Ribeiro da PREAC, que ampliaram o meu olhar sobre política pública e do papel da Universidade enquanto entidade que fortaleça como inseparáveis a pesquisa, o ensino e a extensão.

Aos meus amigos e colegas Noemi, Rafael e Letícia, que me ajudaram na busca da melhor escrita científica para este trabalho.

À vida, por ter me proporcionado encontros com muitas realidades, histórias e pessoas que foram essenciais para a cidadã, pesquisadora e sanitarista que me tornei e que continuo me tornando, em uma relação de eterna aprendiz e andarilha da utopia.

(8)

RESUMO

O discurso sobre a humanização vem adquirindo espaço entre os que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS). Esse conceito é utilizado desde a década de 1960 no âmbito da saúde, por movimentos sociais e programas governamentais da saúde. Entretanto, apenas em 2003 a humanização passou a ser apresentada como política pública de governo, denominada Política Nacional de Humanização (PNH), ou HumanizaSUS. Articulada para apoiar e para orientar a rede assistencial, a PNH busca fomentar os princípios do SUS, assim como a autonomia e o protagonismo dos sujeitos. Ela visa promover mudanças nos modelos de atenção e gestão com foco nas necessidades dos cidadãos e nas relações de trabalho dos serviços para a produção de saúde. Apesar da relevância que a PNH alcançou nacionalmente, ainda há desafios para sua implementação e apropriação pelos serviços que buscam rever os processos de trabalho e gerar novos modelos de atenção e gestão. Diante dessa inquietação, realizou-se esta pesquisa a fim de entender em que medida a Política Nacional de Humanização influenciou a atenção e a gestão em um Centro de Saúde da rede de serviços do SUS de Campinas/SP. Utilizou-se a metodologia de pesquisa qualitativa, com abordagem de estudo de caso, organizada por meio de levantamento bibliográfico e entrevistas semiestruturadas em um Centro de Saúde do município. O percurso entre o material empírico e o teórico mostrou que o SUS Campinas, de forma dialética, influenciou a construção da PNH e foi influenciado por ela. Entretanto, na pesquisa de campo percebeu-se pouco essa relação, tanto nas falas dos sujeitos como nas narrativas de análise. A PNH apareceu nos discursos normalmente de três maneiras: como referenciada ao Modelo Saúde Paideia; como adquirida através de experiências de formação; e como vivências que tratamos como senso comum, ou seja, o saber construído socialmente. Os resultados sugerem que o contexto estudado é transpassado fortemente pela realidade macropolítica do município, levantada como um elemento destituidor da autonomia e protagonismo para a mudança dos processos de trabalho e consolidação do SUS. Enfatizamos, ao final, que compreender a humanização como política pública, por meio da pesquisa enquanto práxis, contribui para um debate politizador da humanização, porque promove uma reflexão teórico-prática da urgência de atores éticos-políticos para a sua implementação na atenção básica de Campinas/SP.

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ABSTRACT

The discourse about humanization has been gaining ground among those who act on the Unified Health System (SUS, in Portuguese). This concept has been used since the 1960s in health, by social movements and government health programs. However, only in 2003 humanization came to be presented as a public policy of government, called National Humanization Policy (PNH, in Portuguese), or HumanizaSUS. Articulated to support and guide the care network, the PNH seeks to promote SUS principles, as well as the autonomy and protagonism of the subjects. It aims to promote changes in models of care and management, with a focus on the needs of citizens and the working relationships in services of health production. Despite the relevance that the PNH has reached nationally, there are still challenges for its implementation and appropriation by services that seek to review work processes and generate new models of attention and management. Faced with this concern, this research was carried out to understand the extent to which the National Humanization Policy influenced the care and management in a Health Center of the SUS network of Campinas/SP. The qualitative research methodology was used, with a case study approach, organized through a bibliographical survey and semi-structured interviews in a Health Center of the city. The trajectory between the empirical material and the theoretical one showed that the SUS Campinas dialectically influenced the construction of the PNH and was also influenced by it. However, in the field research, this relation was poorly perceived, both in the subjects' speeches and in the narratives. PNH appeared in speeches usually in three ways: as referenced to the Paideia Health Model; as acquired through training experiences; and as experiences that we treat as common sense, that is, socially constructed knowledge. The results suggest that the context studied is strongly influenced by the macropolitical reality of the city, raised as an element that deprives autonomy and protagonism for the change of work processes and consolidation of SUS. Finally, we emphasize that understanding humanization as a public policy, through research as a praxis, contributes to a politicizing debate on humanization, because it promotes a theoretical-practical reflection on the urgency of ethical-political actors for their implementation in basic health care of Campinas/SP.

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ... 15 1. JUSTIFICATIVA ... 17 2. OBJETIVOS... 18 2.1. Objetivo Geral ... 18 2.2. Objetivos Específicos ... 18 3. HIPÓTESES/ PRESSUPOSTO ... 19 4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 19

4.1. Método: Fundamentação Teórica e Metodológica ... 19

4.1.1 Identificação de perguntas de pesquisa ... 20

4.1.2 Levantamento bibliográfico ... 21

4.1.3 Seleção dos sítios ... 21

4.1.4 Seleção da metodologia e das técnicas de produção e análise. ... 25

4.1.5 Forma de análise dos resultados ... 28

4.2 O pesquisador ético-político: Análise de implicação com as instituições SUS, PNH, UNICAMP e CS Rosália ... 30

4.3 Levantamento crítico bibliográfico ... 34

4.3.1 Trajetória da Política Nacional de Humanização – HumanizaSUS ... 34

4.3.2 Habitando um paradoxo: Marco teórico-político da PNH como política pública do/no SUS .. 10

4.3.3 A Política Nacional de Humanização na Atenção Básica: Sujeitos e o campo ... 27

5. INTERPRETAÇÃO E APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS ... 44

5.1. Enredo sobre a construção das narrativas dos sujeitos da pesquisa e seu contexto ... 44

5.1.1 Humanização e o modelo de atenção e gestão: Entre o senso comum, as formas de organização do serviço e a PNH ... 48

5.1.2 Espaços Coletivos de formação continuada e dos processos de trabalho... 70

5.1.3 Precarização do trabalho em saúde ... 75

6. À GUISA DE CONCLUSÃO ... 79

6.1 APREENSÃO DO PROCESSO E SUAS PERSPECTIVAS ... 82

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 86

8. ANEXOS ... 95

(11)

ANEXO II ... 98 ANEXO III ... 105 ANEXO IV ... 122 ANEXO V ... 127 ANEXO VI ... 128 ANEXO VII ... 129 ANEXO VIII ... 130

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ANDARILHA DA UTOPIA.

Autor: Gerardo Carvalho (Pardal do Piauí) Ouço sempre uma pergunta

Que em muitos não quer calar Como u’a arte-educadora Na saúde foi parar. “O espaço de inquietação O início da reinvenção Sempre é preciso ocupar”.

A inquietação vem de longe De muitos aprendizados, De desafios e angústias, Revoltas compartilhados. Sorrisos, encontros, abraços Tentando assim os espaços De meu ser serem ocupados.

Filha de piauiense Sou da Terra Alencarina Meu pai, cabra potiguar: São verve nordestina. Foi na arte e educação Que encontrei a vocação Uma utopia de menina.

Quando foi em 2013 Eu me via na enfermaria Infantil do HGF

Era ali que eu intervia Nos mais alegres espaços De meus amigos palhaços Pra minha Monografia

Buscando então um teatro Que fosse humanizador Experimentei com palhaços Mil atos de muito amor Certa de que o meu lugar Não era em palco a brilhar Mas por trás no bastidor.

Na incansável caminhada Vem a especialização Em serviço de Saúde (Gestão da Humanização). Isso se deu lá USP Na Escola de Educação.

Com os professores, colegas Percebi a dimensão

Que na saúde ocupava A sua humanização. No conceito e na política E talvez de forma crítica Da teoria tive noção.

Em meio tantas leituras Política Nacional

De Humanização levou-me À UNICAMP afinal. No esforço de compreender O novo passei a ter

(13)

Encontrei num Seminário Com a participação Numa videoconferência Nosso professor Gastão. E de forma proativa Da Saúde Coletiva Eu tive aproximação.

E estava determinada Em persistir e viver Tudo aquilo que a Política De Humanização prover Para o SUS que é um Sistema Que em meio a tanto problema Mas é o melhor de se ter.

E neste ciclo da vida É pra frente que se anda. Em 2016

Me tornei uma Mestranda Em Saúde Coletiva Em Gestão e decisiva Fui também Especializanda.

E assim com este Curso Pude então acompanhar Lá no Centro de Saúde Que passou a se transformar Em campo desta pesquisa Cuja dinâmica visa

Processos a trabalhar.

Foi na Saúde Primária Esta minha experiência Que permitiu alcançar Com uma certa consistência A visão de uma futura Sanitarista madura

Que Deus me dê sapiência!

As visitas às famílias Se misturavam em meu ser Desesperança e tristeza Com o desmonte a ocorrer. Em nosso SUS atualmente Quando há deveramente Tudo para acontecer.

“Para onde há SUS dá certo” Fui percebendo a mudança Basta montar uma estratégia E se renova a esperança E com Humanização

O “SUS que dá certo” avança.

Como crítica o blogueiro, Nelson Rodrigues dos Santos Nosso “SUS não vai dar certo” Enquanto existir os “entretantos” Da Reforma Sanitária

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Que não tirou da diária Todos os seus desencantos.

Pois o que reza a Reforma, Reforça, então, o blogueiro No SUS ainda não existe Um serviço verdadeiro. Se “Onde há SUS dá certo” É porque por longe ou perto Não há governo certeiro.

O importante disso tudo É que Nelson faz pensar Num ideário apaixonado

Que um dia foi desaguar Na criação deste SUS Que vamos fazê-lo jus A este Brasil além-mar.

Pretendo com esta pesquisa Buscar a politização E de um possível debate Pra uma tomada de ação. Transformá-lo em resistência Tomada de consciência Pra uma reconstrução.

(15)

APRESENTAÇÃO

“Chegue mais perto ator, atriz, Companheiro, companheira dia-a-dia Venha logo homem Deixa de bobagem A arte é nossa linguagem de tecer cidadania.” (Ray Lima) Muitos são os que me perguntam: “Mas como você, arte-educadora, veio parar na saúde e por quê?”. Peço licença para que disserte essa apresentação em primeira pessoa, e possa responder enquanto sujeito, eu, futura arte-educadora sanitarista. Acho que muito se explica por uma frase, de autoria desconhecida, que vi escrita em uma parede qualquer: “o que é preciso é reinventar o começo, ocupar o espaço da inquietação”. E essa ocupação vem de uma longa estrada se levarmos em conta não o tempo, mas os desafios, os sorrisos, os abraços, os encontros, os aprendizados, as angústias, a revolta, as alegrias, a calmaria, as borboletas no estômago, os aperreios, ou seja, a vontade de ocupar espaço na saúde para “o que der e vier” a acontecer comigo1, compartilhando tudo com todos que poderiam estar ali, exatamente ali, reinventando os mais diversos começos e (re)existindo.

Sou mulher, nordestina, filha de uma piauiense com um potiguar, mas nascida em terras cearenses Alencarianas, e encontrei na arte-educação, através da linguagem teatral, o início desse meu viver de andarilho da utopia, termo que não cabe no Lattes. Desde pequena sonhava em ser professora ou pediatra, mal sabia aquele pingo de gente que a vida lhe proporcionaria esse sonho de forma ressignificada, unindo os dois em um só.

Em 2013, quando me vi na enfermaria infantil do Hospital Geral de Fortaleza (HGF), observando a intervenção dos meus amigos palhaços para minha monografia “Em Busca de um Teatro Humanizador: Uma Experiência com Palhaços em Hospital”, tive a certeza de que meu lugar não era nos palcos e sob holofotes, mas nos bastidores. Lembro-me de que essa certeza se expressou em singelas lágrimas quando vi pela primeira vez a arte e a saúde em ato, ocupando o mesmo espaço harmonicamente, afetando e se deixando afetar por vidas que as vezes são esquecidas ou despontencializadas.

Logo, o meu encantamento pelo tema da humanização foi atingindo outras fronteiras. Passei a ocupar minha inquietação com eventos científicos e encontros de estudantes da saúde,

1Dia Branco Geraldo Azevedo. Disponível em

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como o MCA - Saúde, Cultura e Arte2. Nesse incansável “redescobrir-se caminhando”, iniciei em 2014 a especialização de Gestão da Humanização em Serviços de Saúde, na Escola de Educação Permanente do HC/FM/USP, quando percebi a dimensão que a humanização em saúde ocupava como conceito e política, no meu primeiro contato com o campo teórico da Saúde Coletiva.

Entre tantas leituras, a Política Nacional de Humanização me levou à Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Em meio aos esforços de compreender tudo aquilo que para mim era novo, encontrei na fala do professor Gastão Wagner de Sousa Campos3, em um vídeo da sua participação no II Seminário Nacional de Humanização, determinação e brilho no olhar para me aproximar mais da Saúde Coletiva e não desistir de viver tudo aquilo que a política de humanização preconizava para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Então, em 2016 tornei-me mestranda profissional em Saúde Coletiva e especializanda em Gestão em Saúde na UNICAMP, ao mesmo tempo, desafiando-me mais uma vez. Com isso, pude acompanhar a rotina do Centro de Saúde em Campinas-SP que se transformou em campo desta pesquisa, bem como a dinâmica dos processos de trabalho em uma rede primária de saúde. A vida parece ser mesmo um ciclo. Aquela certeza que transbordara por água salgada de meus olhos em 2013 no HGF, voltava a acontecer em 2016, mudando apenas seus personagens.

Essa experiência também me permitiu alcançar a visão de uma futura sanitarista. Em uma visita domiciliar vi o SUS que dá certo acontecer, mas o que deveria ser um olhar de catarse como em 2013, foi um misto de desesperança e tristeza ao lembrar que tudo aquilo poderia acabar a passos largos com o desmonte do SUS que vivenciamos hoje.

Entretanto, fui percebendo que seria estratégica a mudança do SUS que dá certo para Onde dá SUS, dá certo (1). Isso se explica em um relato no blog Rede HumanizaSUS (2009),

2 MCA 7- Saúde, Cultura e Arte, realizado em Fortaleza-CE em outubro de 2016. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?feature=youtu.be&v=WHNHFz6Km1I&app=desktop> Acesso em agosto de 2017

3 Roda “Diretrizes para a reorganização do trabalho em saúde” com o professor Dr. Gastão Wagner de

Sousa Campos na Conferência realizada durante o II Seminário HumanzaSUS em Brasília-DF, 2009. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=t40gHKgS76I&t=1466s Acesso em maio de 2017.

(17)

citado por (2), com base em discurso feito por Nelson Rodrigues do Santos, personagem importante da Reforma Sanitária Brasileira e da construção e defesa do SUS:

Ao fazer uma análise histórica e crítica em um desses eventos, ponderou os avanços e desafios que se registraram desde sua criação; a necessidade de levar adiante o “mito fundador” do SUS mediante sua repolitização, mencionando a Política Nacional de Humanização como uma via de possibilidades para isso. Entretanto, teceu uma crítica ao mote “O SUS que dá certo”. Disse ele: “Onde o SUS não dá certo é porque o SUS de fato, o SUS como preconizado pela Reforma Sanitária e assegurado pela Constituição Federal, ainda não existe [...] Onde dá SUS, dá certo”. Com isso, o histórico militante do Movimento Sanitário faz pensar que o ideário apaixonado e utópico, que desaguou na criação do SUS, se atualiza num SUS que resiste [...]

Por fim, nesta pesquisa buscamos politizar um possível debate e quiçá transformá-lo em forma de resistência, convidando o leitor a construí-lo conosco. A pesquisa tem nos bastidores, onde sempre me sinto à vontade, um olhar de implicação que merece destaque e será esmiuçado adiante. Afinal, concordando com o poeta e músico cearense Belchior, “não preciso que me digam de que lado nasce o sol, porque bate lá meu coração. Sonho eu escrevo em letras grandes, de novo pelos muros do país”4.

1. JUSTIFICATIVA

A relevância deste estudo reside na possibilidade de investigação da humanização em saúde enquanto política pública de dentro do Sistema Único de Saúde. Para isso, a pesquisa aproximou-se da realidade da atenção básica de saúde de Campinas-SP, a fim de entender o espaço da Política Nacional de Humanização na constituição de novos modelos de atenção e gestão, e sua contribuição para a emergência de posturas ético-políticas e de um diálogo politizador sobre a humanização, visando consolidar os princípios do SUS.

4 Saia do meu caminho- Belchior. Disponível em

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Campinas foi pioneira no processo de implantação do SUS. Sua rede primária de atenção foi construída em meio a diversas ações, tanto de militância como institucionais, que intencionavam a efetivação do projeto civilizatório do SUS. Além disso, o município contou com importantes atores do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira à frente desse processo, como Nelson Rodrigues dos Santos, Gastão Wagner de Sousa Campos, entre outros. Parte importante dos conceitos e arranjos da PNH foram construídos a partir de experiências desse município, que foram idealizadas também por esses atores. Destas, obteve maior destaque influência a que ficou conhecida como Projeto Paideia. A PNH também ocupou espaços no Estado de São Paulo, em forma de Política Estadual de Humanização de São Paulo (PEH), sendo Campinas o quarto grupo macrorregional para ações de implementação até 2015.

Esses aspectos justificam a análise da PNH, e em especial a experiência de Campinas, onde esta política influenciou a construção da rede municipal do SUS.

2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral

Entender em que medida a Política Nacional de Humanização influenciou a atenção e a gestão em um Centro de Saúde da rede de serviços do SUS Campinas/SP, o CS Rosália.

2.2. Objetivos Específicos

i) Analisar como a PNH se articula com a Política Nacional de Atenção Básica no âmbito dos seus princípios, diretrizes gerais, educação permanente e processos de trabalho das equipes;

ii) Identificar qual compreensão têm a gestão, os profissionais, estudantes e usuários de um Centro de Saúde sobre humanização em saúde.

iii) Sugerir estratégias e ferramentas para o aprimoramento da implementação da PNH através de um diálogo politizador da humanização enquanto política pública na realidade atual da atenção básica no SUS Campinas.

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3. HIPÓTESES/ PRESSUPOSTO

Tendo em vista os paradoxos e desafios da PNH, partimos do pressuposto de que a Política Nacional de Humanização está presente no espaço da atenção e da gestão em saúde no Centro de Saúde Rosália da rede SUS de Campinas/SP.

4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

“A Reforma Sanitária não é alguma coisa que está longe da vida de cada um de nós, ela é a nossa práxis. É a partir dela, e da capacidade de organização que nós tivermos que será o resultado [...]” (Sônia Fleury) 4.1. Método: Fundamentação Teórica e Metodológica

Trata-se de uma pesquisa qualitativa com abordagem de estudo de caso, considerado o mais adequado para que o trabalho alcançasse seu objetivo de entender a influência da Política Nacional de Humanização como norteadora da atenção e gestão em um Centro de Saúde da rede de serviços do SUS Campinas-SP, o CS Rosália.

Segundo Minayo (3), a pesquisa qualitativa aplica-se ao estudo “das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmo, sentem e pensam”. A pesquisa social qualitativa foge dos moldes cartesianos e positivistas, buscando rigor e seriedade científica através do estudo histórico das relações, das produções de sentidos e significados e da experiência vivenciada.

Figueiredo (4) trata da legitimidade da pesquisa qualitativa como “produção científica que pretende apreender o real”. Onocko Campos (5) destaca uma característica desejável deste método na área de Política, Planejamento e Gestão em Saúde Coletiva, na qual este trabalho se insere, que é sua dimensão ética que abarca o comprometimento das pesquisas com sua aplicação “prática” e com o rumo da política pública de saúde.

Considerando que a PNH parte de experiências do SUS, visamos com este método estudar tanto as práticas como as interpretações dos atores sociais sobre as práticas,

(20)

relacionando também conceitos e teorias tomados como guias do estudo. Nosso interesse pelo tema, a humanização em saúde como política pública indutora de novos modelos de atenção e gestão do SUS, nos fez delimitar a PNH como caso/objeto de pesquisa. Compreendendo o espaço atual da referida política na atenção primária, este estudo poderá desencadear proposições de ferramentas prático-reflexivas da humanização enquanto política pública para a consolidação dos princípios do SUS neste nível de atenção.

Logo, o estudo de caso possibilitar-nos-á um “exame detalhado de processos organizacionais ou relacionais e a compreensão do impacto de determinadas políticas numa realidade concreta, mapeando, descrevendo e analisando o contexto” (3). Este estudo também contempla a utilização de mais de uma técnica de coleta de dados e de informações, para multiplicar a apreensão da unidade de análise, confiando nos referenciais teóricos já acumulados para conduzir as referidas coleta e análise dos dados.

Yin (6) propõe a abordagem do estudo de caso, considerando-a uma investigação empírica capaz de responder “como” e “por que” dos fenômenos de interesse do estudo, já que o investigador tem pouco controle sobre os eventos e mantém seu enfoque sobre um fenômeno contemporâneo no contexto da vida real.

Desde 2003, ano de sua formulação, a PNH vem estimulando estudos e práticas que a analisam e a questionam, ou que utilizam suas diretrizes e dispositivos nos diferentes níveis de atenção do SUS. Diante disso, o caminho metodológico desta pesquisa subdividir-se-á nas seis etapas que Pope e Mays (7) afirmam ser inerentes à abordagem do estudo de caso, a saber: i) identificação de perguntas de pesquisa; ii) levantamento bibliográfico; iii) seleção dos sítios; iv) seleção dos métodos; v) seleção das técnicas de produção de dados e análise; vi) interpretação e apresentação dos resultados.

4.1.1 Identificação de perguntas de pesquisa

Por meio da indagação dos nossos pressupostos, identificamos e formulamos as seguintes perguntas principais:

i) De qual modo a Política Nacional de Humanização influenciou e encontra-se presente nos espaços da atenção e da gestão em saúde na rede básica do SUS Campinas?

(21)

ii) A humanização enquanto política pública contribui para a mudança dos processos de trabalho, seus modos de gerir e cuidar, e para consolidação dos princípios do SUS?

4.1.2 Levantamento bibliográfico

Visando aproximação com a vasta produção teórica existente sobre o tema, realizamos um levantamento de livros, periódicos, artigos, dissertações e teses de 2005 a 2016, para fins de discussão sobre as abordagens da PNH nos anos de lançamento de suas três últimas edições oficiais. Para isso, utilizaram-se os descritores “humanização da assistência”, “políticas públicas de saúde” e “atenção primária à saúde” nas seguintes bases de dados nacionais: BDTD (Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências), SciELO (Scientific Electronic Library Online), BVS (Biblioteca Virtual de Saúde) e Scopus.

Contemplamos também documentos levantados na Secretaria de Saúde de Campinas sobre o HumanizaSUS no município, assim como outras produções e materiais da Política Nacional de Humanização (documento oficial e suas cartilhas), entrevistas, vídeos, matérias e textos desenvolvidos na web Rede HumanizaSUS e no blog do Núcleo de Comunicação de Saúde de Campinas, que têm interface com o movimento da PNH e com os atores da construção conceitual/histórica da política.

4.1.3 Seleção dos sítios

A escolha dos sítios deu-se por meio de amostragem intencional, uma vez que foram selecionados por serem típicos do fenômeno que está sendo investigado (7). Logo, o SUS Campinas foi o campo escolhido tanto pelo fato dessa cidade ter um papel relevante na história de humanização no SUS, como por um fator operacional, já que o Mestrado Profissional em Saúde Coletiva foi desenvolvido na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Ademais, grande parte da Política Nacional de Humanização tem origem nas experiências de Campinas. O município também compôs um dos eixos macrorregionais da Política Estadual de Humanização de São Paulo (PEH) de implementação da PNH de 2012 a 2015.

(22)

A PEH tem como um dos seus objetivos facilitar a mudança na cultura e no modelo de gestão das organizações de saúde, visando a formação de relações cooperativas e responsáveis e um novo padrão de comunicação, participação e integração entre todos os gestores, profissionais e usuários (8). A composição de grupos macrorregionais foi uma importante estratégia para promover troca de conhecimentos e informações sobre as práticas realizadas que poderiam contribuir na disseminação regional e local das ações de humanização (8).

Figura 1: Composição dos Grupos de Macrorregionais.

Legenda: Redes Regionais de Atenção à Saúde (RRAS), Departamentos Regionais de Saúde – DRS. Fonte: (8)

A rede de serviços de saúde de Campinas divide-se em cinco Distritos de Saúde. Neste estudo, escolhemos o Distrito Norte por ele abrigar um polo educacional universitário em Saúde Coletiva de referência na constituição do SUS municipal, além de termos realizado nele, concomitante ao Mestrado Profissional, as atividades práticas do curso de Especialização em Gestão em Saúde, em 2016. O Distrito Norte também tem em sua história a presença de consultores, coordenadores e apoiadores da PNH, que ainda mantêm ou já tiveram vínculo institucional com UNICAMP ou com a rede do SUS Campinas. Sua localização e rede de serviços estão na figura 2 e quadro 1 a seguir:

(23)

Figura 2: Distritos de Saúde no mapa da cidade de Campinas.

Fonte: (9)

Quadro 1: Rede de Serviços de saúde do Distrito Norte

Fonte: Elaboração própria

Devido à aproximação durante 2016 com a rede básica do município, e ao fato de reconhecermos a importância de fortalecer a atenção básica enquanto ordenadora do cuidado e variável organizativa do sistema de saúde, escolhemos o Centro de Saúde Rosália. Lá, havíamos

•Vigilância Sanitária -VISA - Norte

• "Barão Geraldo" • "Cássio Raposo do Amaral" • "Jardim Aurélia"

• "Jardim Eulina" • "Jardim Santa Mônica" • "Jardim São Marcos" " • Parque Santa Bárbara" • "Rosália" "Village" • "Vila Boa Vista" • "Vila Padre Anchieta" •Centro de Lactação -Banco de Leite Humano de Campinas Serviço de Atendimento Internação Domiciliar -SAID Centros de Saúde: Pronto Atendimento - "Padre Anchieta" Ambulatório do CEASA

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criado vínculos com a equipe e com a comunidade, frutos das atividades práticas da Especialização relatada.

O Distrito Norte tem uma população estimada, segundo dados do IBGE (2016), de 8.769 habitantes, em um território subdivididos em 12 bairros (microáreas), com três equipes ampliadas da Estratégia Saúde da Família (ESF) corresponsáveis pelo cuidado, que atendem em média 10 mil usuários adscritos. É uma região com zona urbana e rural, poucas áreas de extrema vulnerabilidade, e 90% dos seus bairros tem saneamento básico, coleta de lixo, água clorada e asfalto.

O Distrito possui um Conselho Local de Saúde atuante e que mantém uma história de lutas e conquistas pelo acesso à saúde, em conjunto com a população. Juntos, moradores e Conselho, já conseguiram ampliar o horário de funcionamento da unidade, um novo compressor para a sala de odontologia, nova iluminação para entrada do posto, além de contribuir nas ações do território como o combate à dengue e à esquistossomose. Por cerca de dez anos o Centro de Saúde Rosália funcionou como um módulo, com grande parte de sua instalação ocupando uma casa cedida pela própria Associação de Bairro à Prefeitura de Campinas. Entretanto, várias dificuldades foram permeando a sua assistência, como: precária manutenção do espaço pela Prefeitura (a casa já estava com infiltrações, mofos e rachaduras); ausência de asfalto nas ruas de terra; escassa disponibilidade de transporte para as visitas; dificuldades para realização da cobertura vacinal, sendo obrigados a realizar visitas com armazenamento das vacinas em um isopor portátil.

Figura 3: Inauguração do novo Centro de Saúde Rosália em 2012.

(25)

Hoje, essa realidade difícil não faz mais parte da comunidade. Em 2012, o Centro de Saúde deixou de ser apenas um módulo, adquirindo uma estrutura com 2 salas de acolhimento, 2 salas para ginecologia, 2 para pediatria, 3 para clínica geral, 1 para odontologia, com espaço e cadeiras para dentistas, além de salas de vacina, observação, curativo, informática, reunião, farmácia e almoxarifado. São 3 equipes da Estratégia Saúde da Família ampliadas, com 2 médicos generalistas, 1 médico da família e 2 enfermeiros, as quais contam com mais 2 ginecologistas, 1 psicólogo, 1 dentista e seu auxiliar e 2 pediatras.

É um local que possui forte interação de ensino e serviço como campo de Residências Médicas, estágios e aulas da Faculdade de Ciências Médicas e Enfermagem da UNICAMP, e há pequena rotação no seu quadro de funcionários. Em 2013, a unidade participou da IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica e Saúde da Família do Ministério da Saúde5.

4.1.4 Seleção da metodologia e das técnicas de produção e análise.

Segundo Minayo (3) é aconselhável que pesquisadores que utilizem o estudo de caso se apropriem de múltiplas fontes de informação, construam um banco de dados ao longo da investigação e criem cadeias de evidências relevantes durante o trabalho de campo. Logo, além do levantamento bibliográfico, realizamos entrevistas semiestruturadas como parte do processo de coleta dados, garantindo a multiplicidade das fontes de evidências para a convergência dos dados (6).

As entrevistas semiestruturadas6 foram realizadas entre novembro e dezembro de 2016 pelo gestor/coordenador, 4 usuários, 10 profissionais e 4 estudantes do Centro de Saúde Rosália. Nossa intenção foi captar a compreensão dos mesmos sobre humanização em saúde e o que conseguiam identificar da humanização nos espaços do CS Rosália. As entrevistas combinaram perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado teve a possibilidade de discorrer sobre o tema em questão sem se prender à indagação formulada, possibilitando também que as

5 Caminhos do Jardim Rosália. Disponível em

https://www.youtube.com/watch?v=wU5lSu1bpZY&t=1328s. Acesso em outubro de 2016

(26)

hipóteses ou os pressupostos da pesquisa pudessem ser cobertos durante a conversa pelo pesquisador (3).

Logo, optamos pela utilização das mesmas perguntas para todos os sujeitos entrevistados, sem fazer distinção por aproximação com o campo da saúde ou nível de escolaridade. Entendemos que as indagações trazidas devem transversalizar cada vez mais os espaços, e que esse tipo de entrevista nos ajudaria a esclarecer quaisquer dificuldades de compreensão que poderia surgir, assim como delinear os questionamentos em consonância com os nossos objetivos. O roteiro foi composto por seis questões e as entrevistas duraram em média 50 minutos. Utilizamos gravação de áudio e, posteriormente, o processo de transcrição foi realizado pela própria pesquisadora.

O critério de inclusão dos entrevistados deu-se pela representatividade de cada ator social. Buscávamos membros das várias categorias que existiam no Centro de Saúde e que atuavam há mais tempo no Centro de Saúde, e quatro usuários que possuíam maior vínculo com a unidade. Entre os usuários selecionados, dois eram conselheiros locais de saúde titulares, aqueles mais assíduos nas reuniões e há mais tempo no conselho, e dois outros potentes usuários, escolhidos por um agente comunitário e um conselheiro usuário local, que nos ajudaram na seleção de usuários de áreas de abrangência diferentes, e, portanto, vinculados há mais tempo em equipes de saúde da família diferentes. Do corpo da unidade de saúde, selecionamos um estudante de residência, um estudante estagiário, um médico especialista, um médico generalista, um enfermeiro, um técnico/auxiliar de enfermagem, um psicólogo, um agente comunitário de saúde, um dentista, um auxiliar de dentista, uma recepcionista e o gestor da unidade.

Já o critério de exclusão dos entrevistados foi a identificação de profissionais que se aposentariam no mesmo mês de realização das entrevistas e os estudantes e usuários que não tinham vínculo de pelos menos 5 meses com a unidade, assim como os atores que não se encaixaram nos critérios já relatados acima. De todos os profissionais contatados, apenas não conseguimos a participação da auxiliar de dentista, que se aposentaria antes mesmo de iniciarmos a coleta dos dados. Dos estudantes das atividades em ensino-serviço contatados, não participaram apenas um estagiário e um residente.

(27)

Todos os membros assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)7, emitido em duas vias, e assegurando o sigilo, o anonimato, o livre acesso às informações, bem como liberdade para sair da pesquisa a qualquer momento. A gestão do Centro de Saúde recebeu a Carta de autorização do Secretário de Saúde para realização do estudo acompanhado de parecer consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)8.

Realizamos as entrevistas de maneira dinâmica, conforme a disponibilidade de horário e local de cada participante, procurando construir um diálogo prático-reflexivo sobre PNH, sua implementação e a realidade da atenção básica do SUS Campinas.

O quadro 2 esclarece o aporte metodológico e a combinação das ferramentas que buscam polifonia e diversificação das fontes de informação do material empírico.

Quadro 2: Combinação das ferramentas para polifonia e diversificação das fontes de informação do material empírico.

Fonte: Elaboração própria

7 TCLE disponível em Anexo III 8 Parecer disponível em Anexo II

1 Levantamento de proposições teóricas da

literatura já existente sobre a unidade de análise para a condução

da coleta e análise dos dados 2 Entrevista semiestruturada com os sujeitos da pesquisa; transcrição do material 3 Escolha dos 3 eixos

temáticos; análise narrativa do material 4 Finalização dos núcleos argumentativos e análise dos resultados

(28)

Vale salientar que o referido método foi adaptado de acordo com os aspectos intrínsecos ao nosso desenho de pesquisa e à realidade do campo no decorrer no processo de produção de dados, utilizando-se da técnica de narrativa como forma de análise, tratada a seguir.

4.1.5 Forma de análise dos resultados

Como demonstrado no quadro anterior, o material elaborado em campo foi analisado a partir da construção de narrativas. Optamos por essa abordagem de análise narrativa porque ela se propõe não apenas a compreender, mas em agir e intervir no universo pesquisado, propondo alternativas e soluções. Fundamentamo-nos na produção de Onocko Campos (11) que, partindo do referencial de Ricoeur (1990, 1997), afirma que a construção de narrativas não objetiva procurar um sentido por trás do falado, mas fazer um caminho da fala ao texto em forma de tessitura, construindo um enredo para o nascimento de “histórias não ainda narradas” (11).

Segundo Onocko Campos (5), essa interpretação é constituída em dois movimentos: análise e construção. A análise consiste em fragmentação, no trabalho de esmiuçar o discurso de forma a compreendê-lo melhor e não a explicá-lo. Já a construção seria alinhar os fragmentos para que não apenas se dessecasse o discurso, mas o organizasse a fim de alinhá-lo em uma nova narrativa, visando elaborar alternativas para os problemas encontrados.

Transcrevemos todas as gravações e, a partir delas, construímos narrativas que foram divididas por categoria de sujeitos: Gestão/coordenação, profissionais, estudantes e usuários. Em grades de interpretação fizemos a tessitura das entrevistas, mantendo a presença de conflitos, limites e contradições, e usando a primeira pessoa do plural. Essa técnica de análise possibilitou a extração dos principais argumentos que apareceram nas transcrições das falas dos sujeitos. Organizando-os em um encadeamento lógico sintetizado, demos a eles novos sentidos, que são necessários à conclusão do trabalho investigativo.

Segundo Figueiredo (4), isso possibilita conjugar os pontos de vista dos sujeitos da pesquisa com os próprios pressupostos e interesses do pesquisador, que fazem emergir dos emaranhados de ideias uma densidade de discussões que são lidas e organizadas textualmente

(29)

por nossa mediação, construindo uma espécie de síntese, mas sem adquirir linearidade ou representar a ordem que os sujeitos falaram.

Os temas de interesse da pesquisa, que geraram as subdivisões das narrativas, foram previamente estabelecidos, mas também apreendidos da leitura das 17 transcrições. Quisemos construir uma nova narrativa por grupo de entrevistados, a partir da nossa interpretação do sentido real das palavras ditas. Essa técnica permite que, dos temas elencados, destaquem-se núcleos argumentais de novos argumentos que venham a emergir em cada tema, e que se possa devolver aos sujeitos suas novas narrativas, para que eles validem e ressignifiquem o seu próprio discurso, repensando valores, posturas e convicções ou retirar o que julgarem não está condizente com aquilo que foi dito (4).

Entretanto, embora a etapa de devolução para validação pudesse enriquecer a coleta de dados, preferimos não a cumprir. Decidimos analisar os núcleos argumentais de forma dialética com o texto de análise, partindo da grade de análise final escrita em terceira pessoa que se encontra no Anexo VIII e trazendo algumas falas consideradas relevantes ao tema de discussão.

Tendo em vista a realidade enfrentada pelo CS Rosália nesses dois anos de consonância com essa pesquisa, realidades estas que serão melhores debatidas a frente, concluímos que novos encontros poderiam gerar efeitos contrários à intenção, ou exceder o escopo da pesquisa. Isso poderia vir a exigir novas posturas tanto do pesquisador como dos sujeitos pesquisados, que fugiria do nosso objetivo. Então, as narrativas foram validadas por uma pesquisadora do grupo de estudos Interface da FCM/UNICAMP, pesquisadora essa com experiência na referida técnica advinda do referido grupo de Rosana Onocko Foi avaliada as entrevistas transcritas e as grades de interpretação e de análise das narrativas, verificando e validando o conteúdo cuidadosamente, de acordo com o que trouxe cada um dos entrevistados no nosso material gravado.

Os resultados foram analisados à luz da literatura que embasou o campo e a coleta de dados. A bibliografia contempla temas relacionados à humanização e modelos de atenção e gestão, espaços coletivos de formação continuada e dos processos de trabalho e a precarização do trabalho em saúde, discutida na parte final do estudo.

(30)

4.2 O pesquisador ético-político: Análise de implicação com as instituições SUS, PNH, UNICAMP e CS Rosália

“Não podemos ser escravos de nada, nem mesmo de nossas próprias ideias”.

(David Capistrano) Este tópico tem início com um sanitarista inspirador, o médico e importante ator do Movimento Sanitário Brasileiro de vanguarda David Capistrano, cujo discurso destaca a urgência para que se evite a separação entre a consciência de uma prática política e a prática científica, e se construa mais fazejamento e menos planejamento (13). Segundo o autor, a prática política, a prática científica e a cultural precisam estar em relação para que realmente se possa mudar a realidade. Diante desse caminho difícil, valemo-nos do referencial da análise institucional para ressaltar a importância do aspecto implicação, elemento importante para que não interferíssemos negativamente na construção deste estudo.

Gilles Monceau (14)diz que “a implicação é a relação que indivíduos desenvolvem com a instituição”, e que as angustias e perturbações pessoais do pesquisador nessa relação devem ser analisadas para trazer um conhecimento novo. L’Abbate (15)diz que, como parte do método de intervenção socioanalítica, a análise das implicações consiste na etapa em que se pensam “os tipos de envolvimento de ordem afetiva, existencial e profissional dos participantes e do socioanalista”.

Compreendendo que a implicação existe por mais que não a desejamos, e que ela está presente na nossa relação com a instituição gerando alguns efeitos ainda que não saibamos (14), destacamos que a minha vinda a Campinas-SP para a realização do Mestrado Profissional em Saúde Coletiva, concomitantemente à especialização de Gestão em Saúde na UNICAMP, foi fundamental para o estabelecimento de novas relações com o Sistema Único de Saúde.

A experiência em Campinas trouxe o primeiro desafio: Como realizar um estudo de mestrado profissional que propõe o questionamento da humanização enquanto política pública nos serviços do SUS Campinas, se a pesquisadora não é trabalhadora do SUS municipal e tampouco é formada em ciências biológicas ou sociais? A minha disparidade no debate de algumas questões, principalmente devido ao afastamento da prática, evidenciou-se logo nos primeiros meses de mestrado. Assim, romper os muros da sala de aula tornou-se crucial e inevitável. Parecia que meu encantamento pelo que a PNH e seus agentes formuladores

(31)

propuseram necessitava enxergar de forma mais dialógica e refletir a teoria a partir dos serviços de saúde.

Ainda que eu seguisse a utopia de um mundo mais justo e igualitário, pela garantia do SUS enquanto direito inerente de cidadania, isso não bastava. Mas o apoio e companheirismo dos meus colegas de mestrado profissional, assim como o surgimento do nosso Coletivo Mandacaru: Resistir e Fulôrescer em defesa do SUS9, fizeram com que eu não desistisse de continuar a pesquisa.

Eram outros tempos. Atravessávamos uma ruptura democrática com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, e parecia que a pesquisa não fazia mais sentido, já que a PNH buscava agir nas lacunas do SUS, e os cenários nacional e local estavam propícios para desmontes e retrocessos rápidos nas políticas sociais, entre elas o SUS.

Entretanto, percebi que a categoria trabalho não é apenas a relação empregatícia, e sim uma prática social. E como aluna do curso de Especialização de Gestão em Saúde passei a me considerar também como trabalhadora do SUS Campinas, envolvida nas atividades de dispersão no CS Rosália. Compreendi que a pesquisa também é trabalho. Pesquisadora ressignificada, construí laços e vínculos durante o ano de 2016 com os profissionais e a comunidade do CS Rosália, mais especificamente com os usuários membros do Conselho Local de Saúde10.

Passei também a ser militante do Movimento Popular de Saúde de Campinas e facilitadora da Comissão de Educação Permanente e Formação de Conselheiros do Conselho Municipal de Saúde, onde percebi o quanto os conceitos da Saúde Coletiva ainda estavam longes da população, assim como a própria concepção de humanização trazida pela PNH.

Porém, os espaços de reflexão eram necessários. Aos poucos ocupei o ensino, a pesquisa e a extensão através da participação no Coletivo de Estudos e Apoio Paideia, no Grupo de Estudos em Educação Popular da Coordenadoria de Assuntos Comunitários da UNICAMP

9 Intervenção do Coletivo Mandacaru do Mestrado Profissional em Saúde Coletiva da UNICAMP no

Departamento de Saúde Coletiva da FCM, em maio de 2016 - Disponível em

https://www.youtube.com/watch?v=2vKIU7ivu7k&t=101s. Acesso em janeiro de 2018

10 Trabalho de TCC da Especialização de Gestão em Saúde “Colorindo o SUS”. Disponível em

(32)

(CAC), no estágio docente nas disciplinas de Saúde e Sociedade I da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP e Saúde Coletiva II da Faculdade de Enfermagem da UNICAMP, e nas Oficinas do Conselho Municipal da Saúde e da Pastoral de Saúde de Campinas, como facilitadora. Essas experiências me direcionaram à reflexão sobre cidadania, protagonismo, emancipação e autonomia dos sujeitos, e ao entendimento dos desafios da formação em saúde e da implementação do SUS e dos conceitos intrínsecos à PNH.

Tratou-se de um movimento dialético entre o ser pesquisador e o ser militante, e a entrega profunda a essas instituições logo mostrou uma consequência: a sobreimplicação. Segundo Moceau (14) a sobreimplicação é identificada como a “impossibilidade de analisar a implicação”, quando agimos por dentro das instituições e começamos a perder a criticidade. Portanto, a imersão nas instituições e em seu movimento dialético, reduziam o espaço da minha capacidade reflexiva sobre as novas relações que haviam sido formadas.

Esse trajeto foi marcado por vários questionamentos limitados a um sentido único interpretativo e pouco embasado, como: Por que os gestores/alunos do curso de especialização associavam falas dos professores sobre a lógica e funcionamento do Estado a cunho político-partidário? Por que no Congresso da ABRASCO de Políticas, em maio de 2017, os congressistas lotaram a mesa que contava com ex-ministros da saúde, mas mantiveram esvaziada a mesa “Crise da política e da democracia representativa no Brasil: o papel dos movimentos sociais, dos partidos políticos e das instituições estatais na garantia dos direitos sociais e do direito à Saúde” que acontecia simultaneamente11, e contava com a presença de movimentos sociais e academia? Por que mesmo com toda a potência que a comunidade e a equipe de saúde do CS Rosália possuíam enquanto agentes transformadores de realidade, ainda não era possível ver união entre gestor, trabalhadores e usuários, em busca de mudanças?

Aos poucos, elaborava conclusões como se fosse inteiramente de minha responsabilidade a busca de saídas para esses impasses, principalmente no CS Rosália. Devido à crise da saúde instalada no município de Campinas, muitas vezes acreditei que a minha

11 Disponível em http://devel5.sedis.ufrn.br/abrasconatal/index.php/2016-10-25-20-17-51 Acesso

(33)

pesquisa poderia ser solucionadora desses conflitos e que eu pudesse procurar na UNICAMP outras possibilidades.

Contudo, o processo de escrita para a qualificação da dissertação foi gradativamente mostrando a minha ingenuidade como pesquisador sobreimplicado. Passei então a cursar a disciplina de Políticas Públicas do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e o curso de curta duração Formação Política em Saúde I, realizado pela Associação Paulista de Saúde Pública (APSP), e decidi distanciar-me das atividades que ainda realizava, mesmo após o término da especialização e coleta das minhas entrevistas, no CS Rosália.

Não consegui transmitir esse distanciamento no trabalho de qualificação apresentado, mas com a ajuda da banca e orientação do professor Gastão Campos, decidi mudar o rumo da pesquisa. Para mim, era desafiador entender a PNH e sua proposta como obra aberta que se propõe a agir dentro e fora do Estado, relacionando sua forma ousada de se pensar política pública com os conflitos existentes dentro do SUS Campinas e do nosso campo de estudo.

Mesmo desejando contemplar os sujeitos da pesquisa para além de objetos de análise, abdicamos da etapa de validação das narrativas com cada entrevistado, e das oficinas de consenso (16), que havíamos planejado para construir participativamente ferramentas para o aprimoramento de implementação da PNH na atenção básica. Compreendi que essa atitude seria respeitosa tanto para mim, que estava em processo de saída da sobreimplicação, como para os sujeitos entrevistados. As oficinas e as devolutivas poderiam gerar novos conflitos, aos quais a pesquisa não podia e nem objetivava responder de forma rápida.

Assim, o novo caminho da pesquisa me ajudou a não interferir de forma negativa no resultado da pesquisa. Terminei o ano de 2017 com a construção coletiva e autogerida do I Fórum Permanente do Mestrado Profissional em Saúde Coletiva UNICAMP, o Fórum de Saúde Coletiva Aplicada à Vida: Cidadania como Produção de Saúde12. Deixo o Fórum como marca da minha incessante busca de ser um pesquisador ético-político e de entender que a Saúde Coletiva e a humanização em saúde também se fazem no dia a dia, e na interpretação de mundo antes mesmo da palavra e seus significados, como dizia Paulo Freire.

12 Disponível em

(34)

Talvez eu venha a inaugurar um novo termo, o de “arte-educadora sanitarista”. E, através do meu núcleo da arte enquanto existência, pois só a vida não basta13, que desejo vida longa ao mergulho no campo da Saúde Coletiva. Destes dois anos de me encharcar de realidade e de conhecimento empírico e científico, trago enquanto linha epistemológica do conceito de saúde, a definição de saúde enquanto “a capacidade de lutar contra tudo que nos oprime” (17).

Parafraseando Chico Buarque de Holanda14, diga ao primeiro que passa que eu sou do agir militante mais do que da prática acadêmica. Porém, a ocupação recíproca do agir militante nos espaços da pesquisa, ensino e extensão se faz necessária para que com a prática política, inerente à científica, abram-se possibilidades de mudança do status quo das instituições.

4.3 Levantamento crítico bibliográfico

“Humanização é uma estratégia política” Gastão Campos Como já foi dito, este estudo buscou reunir referências acumuladas sobre a PNH como objeto de análise que consideramos ser relevantes para conduzir a coleta e a análise dos dados. Porém, acreditamos na pesquisa enquanto práxis, e destacamos aqui a importância do surgimento de mais produções científicas que busquem romper os obstáculos da aproximação entre o mundo do trabalho e o mundo da cultura e da ciência (13).

Então, trazemos a seguir o levantamento crítico bibliográfico, que não é uma sistematização de toda literatura existente, mas uma costura de elementos centrais imersos no debate sobre a PNH.

4.3.1 Trajetória da Política Nacional de Humanização – HumanizaSUS

A Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS, ou HumanizaSUS, foi implementada a partir de 2003 pelo Ministério da Saúde (MS). Ela surgiu como uma política pública de saúde bastante ousada, que pretendia, por meio de uma ação instituinte e não

13“Arte existe porque a vida não basta” Ferreira Gullar 14 Fica - Chico Buarque de Holanda. Disponível em

(35)

normativa, contribuir para a consolidação dos princípios do SUS através de vários movimentos reformistas de reconstrução dos modelos de gestão e de atenção. A política não utilizava portarias, tampouco contou com repasses de recursos financeiros condicionados à aplicação de suas diretrizes.

Desde o ano de sua formulação, a PNH passou por significativas mudanças, no quadro de seus coordenadores e consultores, do setor que ocupava no MS, também na nuance dos debates de suas diretrizes e dispositivos, típicos a um projeto que pretendia ser uma obra aberta. Porém, o HumanizaSUS sempre manteve seus eixos estruturais nas cinco edições de seu documento oficial e suas versões de impressão (18,19,20,21,22,23), que buscavam “traduzir princípios e modos de operar no conjunto das relações entre profissionais e usuários, entre os diferentes profissionais, entre as diversas unidades e serviços de saúde e entre as instâncias que constituem o SUS” (19).

Portanto, o HumanizaSUS carrega uma trajetória de peculiaridades para o entendimento de formulação de políticas públicas. Neste tópico, discute-se um pouco desta política, que completa 15 anos em 2018, e algumas de suas especificidades.

A 11ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em dezembro de 2000, já tinha como tema principal um início de debate sobre humanização em saúde, tendo como título Efetivando o SUS: Acesso, Qualidade e Humanização na Atenção à Saúde com Controle Social (24). Ainda em 2000, surgiu o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) (25), importante antecedente do HumanizaSUS, criado pelo MS durante a gestão do Ministro José Serra. Esse programa era coordenado diretamente do gabinete do ministro pela psicanalista Eliana Ribas e por uma assessoria do Comitê Técnico de Humanização da Secretaria de Assistência à Saúde (SAS) (25).

O PNHAH objetivava levar o tema da humanização como valor de respeito à vida humana para hospitais do SUS, para melhorar o atendimento aos usuários e as condições de trabalho dos profissionais, e propor uma gestão participativa, em prol de uma cultura de humanização. Seu referencial teórico e metodológico tem origem na psicanálise e nos movimentos denominados de análise institucional. A escolha dos hospitais onde ocorreria esta intervenção era baseada na demanda das próprias organizações, concedendo o título de Hospital Humanizado àqueles que atingissem o padrão de assistência e funcionamento dos indicadores

(36)

de humanização e os princípios e diretrizes do PNHAH15. Obtendo este título, o Hospital Humanizado poderia ganhar prioridade no estabelecimento de contratos e convênios no futuro. O Programa reuniu profissionais de saúde com tradição e experiência com o trabalho socioinstitucional, tendo sido contratados pelo MS como consultores, sem vínculo formal com o SUS. Eles consistiam nos Grupos de Multiplicadores, que também contavam com representantes das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde (25). Vale observar que vários destes consultores trabalhavam em Campinas/SP, tanto no SUS quanto em Universidades.

Foi proposto também pelo PNHAH uma Rede eletrônica com informações, experiências e debates relevantes que deviriam constar em um site de Humanização da Assistência Hospitalar, e uma Rede audiovisual que incluiria pacotes audiovisuais de informação e capacitação: manuais, vídeos, relatórios, publicações oficiais (25).

Com a ascensão de Luis Inácio Lula da Silva à presidência em 2003, Humberto Costa foi nomeado ministro e Gastão Wagner de Sousa Campos, Secretário Executivo. Foi na Secretaria Executiva do MS onde se decidiu transformar, ampliando o escopo, o antigo Programa de Humanização. Com isso, surgiu uma nova política denominada de Política de humanização da atenção e da gestão em saúde no Sistema Único de Saúde – SUS: HumanizaSUS16 (18).

O objetivo central do HumanizaSUS era apoiar a implementação do SUS, cuidando para que essa expansão ocorresse de maneira concomitante à mudança do modelo de gestão e atenção de todos os níveis da rede pública. Neste trabalho, referimo-nos à Política por sua outra denominação: Política Nacional de Humanização (PNH) (19). Sua primeira coordenadora foi a

15 Dez hospitais foram escolhidos para o desenvolvimento do projeto-piloto. Foram eles: Hospital

Geral César Cals – CE; Hospital Getúlio Vargas – PE; Hospital João XXIII – MG; Hospital Geral do Bonsucesso – RJ; Hospital Mário Gatti – SP; Hospital Santa Marcelina – SP; Hospital Ipiranga – SP; Hospital Leonor Mendes de Barros – SP; Hospital do Mandaqui – SP; Hospital Nossa Senhora da Conceição – RS (25).

16 Programação da Oficina HumanizaSUS: Construindo a Política Nacional de Humanização, que

ocorreu nos dias 19 e 20 de novembro de 2003. Disponível em Anexo VIII. O quadro das principais atividades de estruturação e divulgação da PNH realizadas ao longo do ano de 2003 está disponível em Anexo IX.

(37)

professora e psicóloga Regina Benevides, da Universidade Federal Fluminense, importante pesquisadora e militante da Saúde Mental e da implementação do SUS.

Como não havia concurso público, a nova Política manteve a contratação de consultores, profissionais sem vínculo formal com o Ministério da Saúde, ainda que tenha ampliado seu número e suas funções. A sua metodologia de intervenção no território dos serviços do SUS era a do Apoio Institucional, e logo esses consultores passaram a ser denominados de apoiadores. A ênfase da nova Política recaía sobre as relações de poder entre os vários sujeitos envolvidos com o SUS, ou seja, ênfase na cogestão (gestão participativa), reformulação do trabalho em saúde (clínica ampliada e compartilhada) e valorização e maior integração dos programas do SUS.

A direção da PNH então conseguiu reunir sujeitos implicados com o SUS e com a Saúde Coletiva, alguns oriundos da academia e outros da atenção, da gestão, e até mesmo dos movimentos sociais, colocando na roda de debate experiências em que eles acreditavam terem sido inovadoras e exemplos de avanços concretos, embora pontuais, em prol da efetiva defesa da vida e dos ideários constitucionais do SUS (26).

As diretrizes e dispositivos da PNH foram inspiradas por grande parte dessas experiências, já em curso nos territórios que buscavam qualificar a atenção e gestão do SUS. Aos poucos estas experiências foram incorporadas à Política e suas cartilhas, como partes de um SUS que dá certo – expressão que se tornou slogan da PNH, em reconhecimento às iniciativas bem-sucedidas na efetivação real do SUS (27).

Filho e Nobre (2) ressaltam a dimensão subjetiva da Política e das experiências que buscavam valorizar e promover o SUS que dá certo:

algumas vezes, as mudanças não dependem de recursos econômicos ou materiais, mas passam pelo compromisso ético-político de gestores e trabalhadores, pela sua implicação com o trabalho e pelo seu desejo de operar transformações e atualizar o sentido das práticas cotidianas do trabalho em saúde. (2)

Logo, para que se alcançassem essas transformações, a PNH apostou na construção da humanização a partir de um amplo referencial teórico. Agregou elementos do humanismo moderno – particularmente a crítica radical a toda tentativa de exploração e de dominação do ser humano. Partiu de concepções trazidas por teóricos como Humberto Maturana, Leonardo

(38)

Boff, Habermas, Heidegger, além de pensadores da saúde coletiva como José Ricardo Ayres, Suely Deslandes e Maria Cecília Minayo. Talvez a pedra de toque deste novo humanismo tenha sido o desenvolvimento de estratégias de poder que impedissem, ou dificultassem, a redução dos seres humanos à condição de coisa ou objeto.

A PNH abraçou também da tradição crítica do Movimento de Reforma Sanitária Brasileira (MRSB) e do SUS: crítica à biomedicina, à medicalização, e adoção do paradigma originário da Saúde Coletiva de determinação social do processo saúde e doença. Legou do seu antigo Programa de Humanização a influência das escolas da psicanálise e das escolas de análise institucional (noção de inconsciente, de projetos de intervenção e de autogestão).

A Política Incorporou ainda grande parte das estratégias de intervenção e de reforma do trabalho em saúde do Modelo Paideia de Saúde, desenvolvido por Gastão Campos (28) e experimentado em Campinas, Belo Horizonte e outras cidades. Dentre as estratégias, destacamos: cogestão, clínica ampliada e compartilhada, ampliação do vínculo entre os profissionais de saúde e equipes com seus pacientes, acolhimento e responsabilização, e intervenção com base no apoio institucional e no apoio matricial.

Conceitos e perspectivas de autores críticos da modernidade, denominados pós-estruturalistas ou pós-modernos, também passaram a contribuir e a compor a Política e suas estratégias. Constituiriam os debates da PNH pensadores como Foucault, Deleuze e Guatarri, além de Regina Benevides e Eduardo Passos, formuladores da PNH que trouxeram as referências pós-modernas.

Regina Benevides e Eduardo Passos (29) apostaram na ideia de um conceito-experiência17, que poderia superar o status quo instituído sobre a filantropia, sobre o humano como figura ideal, ou o bom humano18, ideias que permeavam a concentração temática da humanização de muitas ações e programas do MS, já fragmentadas e desarticuladas.

17 “A PNH distancia-se do conceito-sintoma que vem carregado de sentidos de um homem ideal. Ao

contrário, a direção proposta pela referida política se aproxima de um conceito-experiência, ou seja, de uma humanização que vai se efetivar, no concreto das experiências do dia a dia dos serviços, o que implica a concepção segundo a qual o humano não tem uma natureza, mas é produzido em meio aos processos de trabalho efetivados nos serviços.” (30)

18 Segundo Deslandes (31), Regina Benevides e Eduardo Passos falam que a plasticidade e polissemia

(39)

Segundo Deslandes (31), essa abordagem que problematiza e resgata o conceito de humanismo pelo viés contemporâneo tornou-se uma visão semiótica e política que

evita o fechamento de uma definição programática, é certo. Por outro lado, não possibilita a vinculação com uma “imagem-objetivo” clara, além de permitir a identificação destas assertivas com vários princípios e orientações já disseminados pelo modelo de políticas e práticas de saúde que o SUS busca construir (valorização dos sujeitos, processos de gestão participativa e solidária, protagonismo dos sujeitos, ações de saúde centradas nas necessidades reais de saúde das populações e dos indivíduos, democratização das relações). À primeira vista, parece faltar nesta definição uma identidade do que busca designar. (31)

Seus formuladores reconhecem esse desafio conceitual (32), mas acreditam que a PNH deveria manter-se uma obra aberta para que, ao recusar a totalização de um único sentido de humanização, possa através do efeito destes outros sentidos, problematizá-los nas práticas efetuadas no âmbito da saúde (33).

Para Gastão Campos (34), importante ator na formulação da PNH, a humanização em saúde também possui relação estreita com dois conceitos fortes que fazem parte do seu percurso como pesquisador e sanitarista: a defesa da vida e o Paidéia. Para ele, o Paidéia “nos empurra a pensar modos e maneiras para o desenvolvimento integral dos seres humanos, sejam eles doentes, cidadãos ou trabalhadores de saúde.” (34). Gastão afirma ainda que a humanização é uma estratégia política, e, para que não seja apenas uma casca dourada, ela precisa lidar com pessoas concretas em situações reais (35).

Não cabe a nossa pesquisa fazer a genealogia do conceito, mas demonstrar a dimensão política que a humanização em saúde vem adquirindo. Definimos como unidade nuclear deste estudo (assumindo os riscos inevitáveis e as limitações que uma definição carrega em si, mas buscando uma visão clara desse conceito) o que José Carlos Bermejo (36) entende por humanização: um direito em virtude da dignidade humana e da corresponsabilidade do

Puccini & Cecílio (2004). Entretanto, observamos que outros teóricos também qualificam o aprofundamento do debate, como Campos (34), Ayres (37; 38), Teixeira (39), Minayo (40) e

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