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Espacialização e temporalidade passional euro-tropical

Ponta Negra na cartografia internacional de desejos e paixões À semelhança de muitos outros lugares litorâneos do Nordeste do Brasil, as praias

3. Espacialização e temporalidade passional euro-tropical

A participação de Ponta Negra em circuitos turísticos atravessados por lógicas e trajectórias de desejo proporciona configurações de espaço e tempo bastante povoadas por cenários passionais. No ordenamento do bairro sobressaem, assim, determinados segmentos espaciais e cronológicos (de ciclo diário e anual) claramente associados a expressões euro-tropicais de intimidade. Acompanhando os altos e baixos da afluência turística, ao longo do ano estes espaços e tempos estão sujeitos a profundas variações em termos de composição e densidade social.

Na conceptualização mais formal das instituições e dos agentes ligados ao turismo, a sua sazonalidade anual é delimitada do seguinte modo: alta estação (Janeiro e Fevereiro), média estação (Julho a Agosto; Dezembro) e baixa estação (Março a Junho; Setembro a Novembro). Nos discursos mais comuns fala-se apenas em época alta

(Dezembro a Fevereiro)155 e época baixa (Março a Junho, a época das chuvas) e, em simultâneo, identificam-se determinados períodos de retoma (Julho a Setembro) e de transição (Outubro e Novembro), sem os enquadrar em qualquer categoria rígida. Independentemente destas ligeiras diferenças de terminologia e calendário, é consensual apontar-se o período que vai do Natal ao Carnaval, e que corresponde às férias grandes no Brasil, como a temporada por excelência do turismo de sol e praia na generalidade da costa brasileira. Nesta altura do ano, além dos expressivos fluxos de turistas internos – com especial destaque para os procedentes do sul, sobretudo do próspero Estado de São Paulo – , a cidade de Natal recebe ainda um apreciável contingente de turistas externos, composto na esmagadora maioria por europeus. A partir daí o decréscimo da procura acentua-se156 até aos meses de alguma retoma, com destaque para Julho e Agosto, os mais privilegiados para as férias grandes na Europa. Na época baixa, muito em especial entre Abril e Junho, a praia fica praticamente vazia e o movimento no bairro decai de forma pronunciada. Muitas actividades informais cessam e alguns estabelecimentos comerciais encerram. A maioria das jovens que vieram de fora à procura do seu europeu deixa Ponta Negra. Algumas regressam a casa para voltar passados uns meses; outras, poucas, mudam-se para outros contextos turísticos que julgam mais movimentados (v.g. Fortaleza, no Estado do Ceará); outras, ainda, aproveitam eventuais convites de gringos para passar uma temporada na Europa.

Depois deste breve parêntesis sobre o carácter sazonal da ocupação e organização dos espaços e quotidianos em Ponta Negra, vejamos agora com maior detalhe a sua estrutura espácio-temporal de transnacionalização da intimidade, onde assumem especial destaque determinados segmentos localizados na orla da praia, durante o dia, na Avenida Eng.º Roberto Freire (em particular o Praia Shopping), sobretudo ao final da tarde, e na Rua Manoel de Araújo, durante a noite.

                                                                                                               

155 Geralmente, o Carnatal é apontado como o prelúdio da chegada em força dos turistas. Realiza-se no

início do mês de Dezembro, ao longo de quatro dias, e atrai cerca de um milhão de participantes. Desde a sua génese, em 1991, tem vindo a afirmar-se como o maior acontecimento festivo-turístico anual da cidade e um dos maiores do género em todo o Brasil. Consiste no desfile de trios eléctricos de conhecidos grupos musicais, acompanhados por blocos de foliões num clima de intensa animação. Predominam as sonoridades baianas, em especial a axé music. Eventos semelhantes popularizaram-se em muitas outras cidades brasileiras ao longo das duas últimas décadas. São conhecidos como carnavais fora de época ou

micaretas. Para um conhecimento mais detalhado das micaretas brasileiras, ver, entre outros, Gaudin

(2004).

156 Esta situação é, desde logo, perceptível no volume de chegadas ao aeroporto internacional de Natal, em

Parnamirim. Em 2010, dos 257.812 passageiros (14.015 internacionais) do mês de Janeiro passou-se para 171.735 (9.558 internacionais) em Abril (Infraero 2010).

1-Segmento da orla da praia mais movimentado durante o dia e

com maior presença de gringos. 2-Praia Shopping, adjacente à Avª Eng.º Roberto Freire.

3-Área onde se concentram os principais locais de diversão nocturna, com destaque para a Rua Manoel de Araújo.

Adap. a partir de imagem aérea do Google Earth de 23/01/2013 (www.google.com/earth/).

Figura 5: Espaços de referência na transnacionalização da intimidade no bairro de Ponta Negra Praia, sol e babado

O troço correspondente à extensão da Rua Erivan França (cerca de 1.5 km) – situada entre os acessos rodoviários de descida e de subida da praia – é, durante o dia, o local mais denso e agitado de toda a orla, marcado por uma extraordinária profusão de fluxos e sociabilidades. Aqui a presença de turistas estrangeiros é particularmente elevada, muitos deles hospedados nas inúmeras unidades hoteleiras existentes nas imediações. Junto a alguns quiosques e bares, como é o caso do conhecido quiosque do Cassiano e, mesmo em frente, do complexo Mare d’Itália (hotel, restaurante e bar, propriedade de um casal italo-brasileiro), a sua aglomeração é de tal modo que, por vezes, mal se ouve a língua de Camões. Este é o principal ponto de encontro dos turistas, semi-residentes e residentes (imigrantes) italianos, facilmente identificáveis pelo registo efusivo dos seus diálogos e pela inconfundível gesticulação que acompanha a comunicação oral157. Mas não só dos                                                                                                                

157 À medida que ia conhecendo alguns deles, testemunhando as acesas discussões sobre o quotidiano do seu

país e a frequente reprodução da tradicional rivalidade italiana entre as populações do norte (próspero) e as do sul (menos desenvolvido) – entre polentoni e terroni, como mútua e pejorativamente se designam –, apercebi-me que o turismo nem sempre corresponde a um tempo de ruptura e de suspensão da vida de todos os dias.

italianos. Mesmo ao lado do quiosque do Cassiano, no ponto do Rogério158, param maioritariamente grupos de turistas nórdicos, em particular noruegueses. Alguns são clientes habituais há mais de uma década. Entretanto foram trazendo os familiares, os amigos, os amigos dos amigos e as respectivas companheiras, na sua maioria brasileiras, conhecidas em Ponta Negra. Por via da forte ligação transnacional entre o ponto e estes turistas, um dos empregados, filho do dono, foi trabalhar para a Noruega em Maio de 2010, na altura da baixa estação turística.

Figura 6: Vista parcial do segmento da praia mais procurado por gringos e garotas

As áreas de maior ajuntamento de gringos são, simultaneamente, as mesmas que as garotas de programa, alguns transgéneros e demais mulheres à procura de um companheiro europeu privilegiam para se mostrarem e estabeleceram na praia. O inverso também poderá dizer-se, pelo que não adiantará muito entrar em conjecturas de causalidade sobre quem é que atrai quem. O facto é este: com interesses relacionais recíprocos, ambas as partes tendem a frequentar os mesmos espaços em horários mais ou menos coincidentes. Onde e quando se encontram não é muito frequente a presença próxima de turistas brasileiros e, menos ainda, de veraneantes de Natal das classes mais privilegiadas. Estes tendem a auto-excluir-se dos contextos associados à                                                                                                                

transnacionalização da intimidade, socialmente construídos como lugares de desordem e, por isso, alvo de atributos estigmatizantes159. Procurando preservar distâncias e distinções, preferem instalar-se mais para norte do areal, já próximo da Via Costeira, ou então veranear em praias mais exclusivas, ainda à margem dos circuitos do turismo de massas, como Muriú e Jacumã, a cerca de 30 km de Natal.

Coexistem, deste modo, dois grandes processos antagónicos de organização sócio- espacial da praia que operam, essencialmente, com base no género, na sexualidade, na classe e na nacionalidade: um de miscigenação, cujo paradigma são as relações passionais entre os forasteiros e as locais; outro de tribalização, protagonizado sobretudo por natalenses que visam manter distâncias físicas e sociais em relação aos outsiders. Dizem que, dessa forma, evitam expor-se a determinados comportamentos inapropriados e previnem eventuais situações em que a mulher ou a filha possam ser abordadas por gringos, confundindo-as com garotas de programa. Estas justificações expressam quase sempre determinadas concepções em que as relações entre estrangeiros e brasileiras são simbolicamente apreendidas como focos de desordem, impureza e poluição social, face às quais se torna imperioso criar “defesas morais” (Nahra 2000) – por exemplo sob a forma de fronteiras de segregação espacial – que afastem o perigo e salvaguardem a pureza identitária, como diria Douglas (1991).

A configuração social da praia é variável ao longo do dia. O sossego do período matinal vai, progressivamente, dando lugar a um ambiente frenético que se mantém até ao final da tarde. A manhã é destinada pelos mais noctívagos para a reposição do sono. Com a praia menos preenchida, outros (sobretudo veraneantes seniores e grupos familiares) aproveitam o sol madrugador dos trópicos e estabelecem-se à-vontade no areal, dando longas caminhadas à beira da água entre a Via Costeira e o Morro do Careca. À medida que o dia avança, o ambiente transforma-se. Entre o fim da manhã e as primeiras horas da tarde, em pleno pico solar, a afluência de pessoas atinge o seu auge. É precisamente nesta altura que chegam muitos dos protagonistas dos relacionamentos passionais transnacionais.

                                                                                                               

159 Embora a estigmatização recaia com particular intensidade sob estes cenários, todo o areal e, de certo

modo, o bairro tendem a ser sujeitos a qualificações estigmatizantes, tal como acontece, por exemplo, no bairro Praia de Iracema em Fortaleza (Bezerra 2010). O comum trocadilho toponímico Puta Negra condensa e evoca os estigmas de que é alvo o território associado ao nome. Nenhum outro lugar em Natal espelha de forma tão nítida as identidades deterioradas (Goffman 1982) de garota de programa e de

turista sexual. Elas constituem-se, assim, como identidades territorializadas, à semelhança do que é

descrito por Chaves (1999) para o contexto da toxicodependência no Casal Ventoso, em Lisboa. Neste caso, o móbil social do estigma e da deterioração identitária é o consumo de drogas. Em Ponta Negra são as paisagens de intimidade que superam convenções e fronteiras.

Com eles, o babado160 desce à praia. Nos locais onde habitualmente se instalam, a exemplo daqueles já atrás mencionados, geram-se, então, complexos quadros sociais de performance corporal, de sedução e erotismo, de intrigas e interesses, de conflitos sentimentais e de negociação da intimidade. Nestes cenários as manifestações emotivas são de tal forma intensas que, não raro, excedem os limites normativos do “descontrolo controlado das emoções” (Elias e Dunning 1992) e afrontam as disposições regimentais e as ritualizações presentes na vida social de quase todas as praias (Kaufmann 1995, Löfgren

1999, Urbain 2002).161 A interacção que aqui ocorre entre os estrangeiros e as mulheres nacionais é, invariavelmente, situada no campo da prostituição pela generalidade dos discursos hegemónicos, desde os do senso comum aos dos responsáveis políticos e de muitos académicos. Não querendo de modo algum escamotear o fenómeno da mercantilização da sexualidade, é fundamental, todavia, não tomar a parte (mesmo sendo a mais expressiva) pelo todo. Tal como constataremos, nem tudo se resume à prostituição, tal qual ela é comummente entendida.

Com o aproximar do ocaso solar, pouco tempo depois das 17h, o areal vai esvaziando e o buliço concentra-se no calçadão, nas proximidades do quiosque do Cassiano, e nos bares do lado oposto, em especial no bar do complexo hoteleiro Mare d’Itália. Até ao fim da tarde, este último torna-se o contexto com maior movimento da praia e o epicentro dos relacionamentos de intimidade de cariz mais comercial. Com uma disposição arquitectónica que lhe confere uma grande abertura para o exterior, nele podem concentrar-se até cerca de quatro dezenas de garotas de programa e de uma centena de gringos na época alta162. Tacitamente, fazem deste espaço mais um ponto de encontro para iniciar, negociar e/ou dar continuidade às suas relações, tal como sucede nalgumas secções do areal da praia. Com o avançar da tarde vão abandonando o local, a pé ou de táxi. Alguns

                                                                                                               

160 Designação emic para acontecimentos, enredos ou mexericos relacionados com a intimidade.

161 Na praia de Ponta Negra, estas manifestações consideradas excessivas circunscrevem-se muitas vezes a

comportamentos de cariz erótico-sexual, como se pode constatar na seguinte notícia do Jornal Tribuna do

Norte: “Se já não bastassem as garotas de programa circulando na orla atrás de gringos, especialmente de

italianos, agora as cenas explícitas de apelo sexual chegaram à praia, bem no meio da tarde. […] duas garotas, entre 18 e 20 anos, resolveram exibir seus corpos num banho de mar, chamando a atenção de todo mundo. Uma delas não se contentou com o banho de mar trajando um biquíni dos mais sumários e resolveu, primeiro, despir a parte de cima, exibindo os seios, num top less. Depois de uns mergulhos, a jovem, sabendo que estava sendo observada por um grupo de turistas italianos, resolveu também despir a parte de baixo. Sem roupa, a garota dançava e fazia alguns movimentos simulando um ato sexual” (Francisco 2004: s/p).

162 Trata-se, no entanto, de um bar convencional, semelhante a tantos outros da praia, que tem a

particularidade de ser muito frequentado por mulheres à procura de programa e por turistas europeus, mormente italianos. Muitos deles estão alojados nos andares superiores do complexo, em quartos por vezes partilhados com companheiras que conhecem ou reencontram durante a estadia.

saem sós, outros com a respectiva companhia. A maioria quererá, certamente, descansar um pouco, jantar e preparar-se para a noite.

Nas imediações a presença da polícia é constante. A vigilância é também assegurada por câmaras vídeo instaladas ao longo do calçadão. Em 2006, quando a monitorização de Ponta Negra começou a ser discutida, o então secretário do turismo de Natal apontou como principal objectivo do projecto a redução dos índices de prostituição em 75% (Tribuna do Norte 2006)163. O problema para os responsáveis políticos não será tanto a prostituição por si só, caso contrário também seria sujeita a controlo noutras áreas da cidade. O que, na realidade, parece incomodá-los é o facto de adquirir visibilidade na grande montra turística de Natal – recorrentemente apresentada como motivo de orgulho dos natalenses – a escassas dezenas de metros do seu principal cartão postal, o Morro do Careca, e de ter os gringos como principais clientes. Esta estratégia de repressão da prostituição vem já desde finais de 2005, pouco tempo após a minha primeira estadia no terreno. A partir dessa altura, como já foi dito, a praia começou a ser alvo de sucessivas rusgas policiais que culminaram no encerramento dos estabelecimentos nocturnos mais conotados com o encontro de turistas e de garotas de programa, como era o caso das boates Merengue e Los Angeles.

Tarde e início de noite na Roberto Freire

Nas costas da praia, a Avenida Eng.º Roberto Freire (principal eixo de ligação ao centro de Natal), nomeadamente o segmento entre a orla e o Praia Shopping164 (v.fig.2), constitui mais uma importante referência na cartografia das paisagens transnacionais de intimidade de Ponta Negra. A sua textura passional é mais distendida, subtil e normativa que a dos contextos de praia atrás mencionados e a dos espaços nocturnos a descrever mais adiante. Podem, ainda assim, vislumbrar-se na sua berma, na parte que atravessa o bairro de Capim Macio, pequenos focos de prostituição de rua durante a noite165. Contudo, não é por isso que ela representa um eixo central no processo de construção hedonista da cidade, como conclui Júnior (1997: 38): “margeada por shoppings, restaurantes e condomínios para a classe média local, essa avenida, em permanente mutação, não apenas expressa a urbanização turística da cidade, mas também funciona como referência para a construção                                                                                                                

163 Em <http://tribunadonorte.com.br/noticia/ponta-negra-tera-cameras-de-seguranca/1474> (acesso em

10/08/2011).

164 Centro comercial situado na divisória dos bairros de Ponta Negra e Capim Macio.

165 Este é um contexto de prostituição não propriamente orientado para turistas e no qual é muito

social de Natal como cidade do prazer”. Muitos dos turistas estrangeiros que afluem a Ponta Negra, nomeadamente aqueles que vêm por períodos mais longos, de vários meses, compram ou arrendam apartamento nas torres residenciais adjacentes à avenida e frequentam os inúmeros espaços de consumo que nela se localizam. É bastante habitual vê- los acompanhados por mulheres locais a jantar nos distintos restaurantes aí situados e a fazer compras, ou simplesmente a passear no Praia Shopping, o sítio mais destacado do consumismo em Ponta Negra.

Até às primeiras horas da noite, a orla da praia e o centro comercial, a poucos quilómetros, formam dois pólos estruturantes da circulação de pessoas no bairro. Entre um e outro certas caras e relações sociais repetem-se. Naquele último é frequente ver casais transnacionais e grupos de turistas que são presença assídua na praia. Alguns dos italianos que costumam encontrar-se no Mare d’Itália ou nas suas imediações, sobretudo aqueles (menos jovens) que passam largas temporadas em Natal, também se reúnem regularmente no Praia Shopping. Por vezes, ao final da tarde, agrupam-se junto à entrada principal do edifício, elegendo as mulheres que passam como um dos principais focos de interesse e de homossociabilidade. Outros deambulam pelo centro comercial, numa atitude flâneur de consumo visual de caras e corpos, sempre à procura de oportunidades de conquista amorosa.

Para eles, esta é mais uma ecologia propícia à negociação do acesso à intimidade feminina e, por isso, experienciada com um certo entusiasmo lascivo e licenciosidade. A sexualização de que é investido o espaço em causa é, desde logo, indiciada pelos anúncios de combate ao turismo sexual postados à entrada do edifício.

Devido à maior exposição ao público, decorrente do exercício da actividade, as empregadas das lojas são os alvos privilegiados das investidas passionais dos europeus. Muitas delas namoram ou já namoraram com gringos. Além do trabalho diurno no centro comercial, uma ou outra também faz, pontual ou regularmente, programas durante a noite. Por vezes, os primeiros contactos com os potenciais companheiros são feitos no horário de expediente da loja.

Rolé na praça

Em consequência da “cruzada moral” (Becker 1966) operada pelas autoridades, a orla de Ponta Negra foi perdendo movimento nocturno e agora fica praticamente vazia logo às primeiras horas da noite. Isto não significa, contudo, que a repressão foi bem

sucedida, pois as dinâmicas sociais suprimidas junto à praia não cessaram em definitivo. Elas transferiram-se algumas centenas de metros para o Alto de Ponta Negra166, para a Rua Manoel de Araújo, mais conhecida como Rua do Salsa167, principal contexto da animação nocturna (rolé, balada, badalação) do bairro. Além dos inúmeros restaurantes e espaços de diversão já existentes nesta zona, bastante frequentados pelos natalenses, foram abrindo outros que passaram a acolher muitos dos turistas e das garotas de programa que antes frequentavam as discotecas à beira-mar fechadas pelas autoridades. Os novos estabelecimentos, mais de uma dezena no total, estão quase todos instalados em fracções arrendadas de um mesmo conjunto térreo de lojas comerciais contíguas, propriedade de um cidadão espanhol. Tal como acontece na praia, muitos dos titulares do negócio e respectivos empregados são europeus, com destaque, mais uma vez, para os italianos. Praticamente todos estão ou já estiveram casados com mulheres brasileiras e a primeira relação com Ponta Negra foi enquanto turistas.

Com uma disposição quadrangular, o edifício forma um amplo espaço interior descoberto, semelhante a uma praça168, que alberga alguns pequenos quiosques de venda de bebidas e no qual se processa a circulação entre os diferentes bares. Todos eles permanecem abertos até por volta das 3h da madrugada. A partir daí, até ao raiar do sol, o rolé concentra-se no Pirata, uma discoteca ainda dentro do perímetro da praça, semelhante à Merengue e à Los Angeles, já encerradas. Algumas das caras que por aqui passam ao longo da noite são as mesmas que, horas antes, ao fim da tarde, estavam no Mare d’Itália, nas imediações do quiosque do Cassiano ou, eventualmente, no Praia Shopping. Um outro espaço-tempo, um contraste social semelhante, fundado, desde logo, no binómio género- nacionalidade: predomínio claro de homens europeus e de mulheres brasileiras. Todavia, de todos os contextos este é aquele onde os relacionamentos entre uns e outras assumem uma dimensão comercial mais pronunciada. Aliás, a generalidade das mulheres identifica a praça e a noite como espaço-tempo de trabalho. Esta categorização não é tão explícita para a praia e, menos ainda, para o Praia Shopping.

                                                                                                               

166 No início de 2010, aconteceu um processo semelhante de relocalização de actores e dinâmicas sociais

com o encerramento daquela que era, provavelmente, a boate mais associada à prostituição orientada para turistas em todo o Brasil: a Help!, aberta desde meados da década de 1980 em Copacabana, no Rio de Janeiro (Menezes 2011).

167 Este topónimo foi retirado do nome de um reputado bar que aí se manteve durante vários anos. De forma