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Capítulo I: Contexto jornalístico e suas condicionantes históricas

2. Contexto histórico/jornalístico na Europa e nos EUA: do século XVII ao século XIX

2.1.4 O caso espanhol

Em Espanha, assistimos a um percurso semelhante ao que vimos em outros países europeus, ainda que as publicações possam ter surgido com ritmos diferentes. Depois dos manuscritos, a impressão permite alargar o âmbito de difusão dos novos registos escritos numa época em que as descobertas, os factos históricos, e a colonização da América acirravam a curiosidade dos espanhóis, que viam nas várias Relações que surgiam uma excelente forma de satisfazer a sua curiosidade. Estes produtos jornalísticos debruçavam-se sobre a reconquista, os temas do Novo Mundo, os descobrimentos das novas terras na América, a guerra com a Turquia e outros conflitos europeus e a divulgação de diferentes celebrações religiosas ou profanas (cf. Pizarroso Quintero 1996c: 274).

Uma das mais antigas relações publicadas em Espanha, que se debruça sobre a receção do rei Fernando, o católico, em Sevilha, data de 1477. Nos finais do século XV, em 1492, proliferam as folhas impressas sobre a conquista de Granada.

Se inicialmente havia uma predisposição favorável ao fenómeno jornalístico por parte do poder político, rapidamente os seus protagonistas se aperceberam do seu potencial subversivo e impuseram um sistema de licenças e censura prévia. O caráter severo e repressivo deste sistema favoreceu a fórmula tradicional, as folhas manuscritas, que vão coexistir durante mais de dois séculos com os impressos.

Nos finais do século XV e inícios do XVI, mais precisamente entre 1488 e 1526, sobressai a figura notável de Pedro Mártir de Anglería, a quem se deve a redação da obra Opus Epistolarum, formada por 812 números, na qual se abordam variados temas.

A cidade espanhola que mais se destacou neste domínio foi, indubitavelmente, Sevilha, local onde se produziam notícias e traduziam relações estrangeiras.

Barcelona e Valência afirmavam-se também como centros de intensa atividade informativa, com relações referidas a Barcelona (1528-1557) e a Valência, em 1536. No

30 caso da cidade de Madrid,33 a publicação de relações é tardia e remete já para o século XVII, momento em que alguns impressores se ocupam desta atividade. Entre estes profissionais gostaríamos de destacar o trabalho do sevilhano Andrés Almansa Mendoza,34 ―[…] autor de numerosas relaciones35 de estilo reporteril sobre la vida de la corte, com rasgos proprios del futuro periodismo como la continuidad, la numeración y la rapidez de la impresión.‖ (Guillamet 2004: 52). Estas características, como a referida periodicidade, continuidade e também diversificação dos conteúdos, só surgem de forma sistemática nas gazetas, que iriam conviver, durante muito tempo, com as relações. Este tipo de publicação teve uma aparição tardia em Espanha e só em 1677 a

Gaceta ordinaria de Madrid adota uma periodicidade semanal, já que esta havia surgido

como mensal em 1661. Os acontecimentos sucediam-se a uma rapidez vertiginosa e o público exigia informação recente, o que leva ao surgimento de um novo modelo informativo, que respondesse à maior agilidade que se pretendia nos meios de transmissão de notícias.

Em 1625, surge em Sevilha uma espécie de publicação semanal intitulada Avisos

de Italia, Flandes, Roma, Portugal e otras partes etc. Em Barcelona, destaca-se Jaume

Romeu pela publicação, em 1641, de uma série de quatro Novas ordinárias. Terá sido também ele o responsável pela criação do primeiro periódico espanhol, ainda que se trate de uma tradução da Gazette36 parisiense, publicada semanalmente, a partir de 28 de

maio do mesmo ano.

O público espanhol teria que esperar até à década de 60, no ano de 1661, para assistir ao nascimento da primeira gazeta oficial espanhola, a Gaceta de Madrid, ainda que inicialmente tivesse uma periodicidade mensal e se apresentasse com um título diferente. Só adquire este título e a regularidade semanal a partir de 1697, no entanto pode estabelecer-se uma relação de continuidade entre este jornal e a Relación o Gaceta

de algunos casos particulares, así políticos como militares, sucedidos en la mayor parte del mundo, hasta fin de Diziembre de 1660, que, a partir do terceiro número, adquire o

título de Gazeta Nueva, com o qual se publicou até 1663.

33 ―[…] los centros más activos en publicación de relaciones de España fueron, entre otros, Sevilla (por su importante papel comercial), Valencia, Barcelona y Valladolid. En el siglo XVII Madrid adquirirá protagonismo en este campo.‖ (Sánchez Aranda e Barrera 1992: 46).

34 Andrés Almansa ―[…] puede ser considerado como antecedente de los gaceteros de la Corte.‖ (Sánchez Aranda e Barrera 1992: 46).

35 Muitas destas relações eram reimpressas e difundidas nas colónias americanas.

36 Gazeta vinguda a esta ciutat de Barcelona, per lo Ordinari de París, vuy a 28 de Maig, any 1641. Traduida de francés, en nostra llengua catalana.

31 A criação desta gazeta teve por base o desejo de poder e a necessidade de autopromoção que caracterizavam a política do ambicioso S. João José de Áustria, filho ilegítimo de Filipe IV. Este percebeu as potencialidades de um órgão de imprensa como meio de lançamento político e contrata Francisco Fabro Bremundán37 para ser o responsável pela informação, o que o conduz à redação desta gazeta.

Em 1677, quando D. João José regressa ao poder, como primeiro ministro de Carlos II, concedeu a licença de impressão de gazetas ao seu protegido, que se encarregou da edição da Gaceta ordinaria de Madrid (1677-1680), que seria uma publicação semanal, impressa «com privilégio» e que apresentava duas secções: uma de caráter internacional, feita a partir de diferentes gazetas estrangeiras, e outra dedicada às notícias espanholas, sobretudo da corte, estrutura que se manteve invariável até ao século XIX (cf. Pizarroso Quintero 1996c: 276).

A vida da Gaceta está diretamente ligada ao percurso do seu promotor, o que nos permite perceber a coincidência dos momentos da sua criação, desenvolvimento e os períodos de apogeu e decadência da governação de D. João José (cf. Saíz 1990: 48).

No seguimento de um período árido ao nível da produção jornalística (1680- 1683), resultado de uma notificação que impedia a impressão sem licença, Fabro Bremundán, desprezado depois da morte de D. João José, publica em Madrid as Nuevas

singulares del Norte (1683). Neste momento, Bremundán junta-se ao editor Sebastián

Armendáriz, livreiro de câmara do rei, e transforma esta publicação, em 1684, em

Nuevas singulares concernientes a la sola Guerra Sagrada contra los turcos y separadas de propósito de las generales de toda Europa.

Podemos estabelecer uma relação entre esta publicação, a Gaceta ordinaria, que a precedeu, e a futura Gaceta de Madrid. O nome definitivo de Gaceta de Madrid data de 1697 e deve-se a Juan de Goyeneche, que adquiriu o privilégio de publicar esta gazeta depois de ele ter sido entregue ao Hospital Geral de Madrid, no seguimento da morte de Bremundán. O privilégio de impressão foi confirmado por Filipe V, por Cédula Real de 1701, e durou até 1762, numa segunda fase a cargo do seu filho. Em 1762, Carlos III incorporou-a na coroa, passando a ser um órgão oficial, sob a direção de Francisco Manuel de Mena, com quem alcança melhorias ao nível da difusão e rentabilidade, o

37 ―Hombre de extraordinaria capacidad intelectual, Bremundan fue erudito y periodista en el sentido más profundo del vocablo.‖ (Saíz 1990: 49).

32 que explica a imitação do seu formato, conteúdo e da ordem das notícias por parte de várias publicações provinciais38 do século XVII.

Finalizamos as considerações acerca da Gaceta de Madrid com as palavras de Saíz (1990: 56):

La Gaceta de Madrid representa ante todo un proyecto de periodismo informativo de contenido político caracterizado por la defesa de intereses personales o nacionales. Gracias a esta publicación, el público llegó a familiarizarse con los sucesos políticos y militares; contribuyó al desarrollo del lenguaje periodístico, dio entrada en su páginas a la correspondencia, introdujo traducciones de textos extraídos de gacetas de Roma, Venecia, Francia, Inglaterra, Suecia, etc., y colaboró en buena medida en la elevación del nivel cultural de los españoles, a pesar del recelo que inspiraba en el público su carácter oficial.