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Capítulo I: Contexto jornalístico e suas condicionantes históricas

4 Gazeta de Lisboa

4.6 Fontes da Gazeta de Lisboa

As fontes deste periódico estavam bem definidas como sendo as gazetas estrangeiras, que Monterroio resumia e traduzia, a sua correspondência e testemunhos de figuras distintas213 que pudessem atribuir credibilidade às notícias publicadas. Em último lugar, encontram-se os rumores que correm de autores não identificados, o que nos permite verificar que a fonte oral não era considerada digna de ser credibilizada. Monterroio evitava usar as informações instáveis que obtinha desse meio e preferia os registos escritos, provenientes de personagens identificadas, com quem ele estabelecia, muitas vezes, relações de amizade. Algumas notícias eram precisamente publicadas devido a estas relações que ele mantinha com os seus correspondentes, demonstrando que Monterroio tinha uma preocupação maior com as suas fontes do que propriamente com um público que ele desconhece e se imagina ser restrito.214

A correspondência, em que ele expressa livremente a sua opinião, assumiu-se como um meio rápido de obtenção de notícias, revelando-se, aqui, extremamente interessado em todos os tipos de informação, sem descurar os boatos que circulavam e que ele não considerava dignos de serem registados na Gazeta. Estes foram canais alternativos em que podemos recolher mananciais de informação e que estabeleceram, juntamente com as publicações manuscritas, uma relação complementar com o periódico oficial. ―Assim, enquanto sobre a Gazeta pesavam constrangimentos de vária ordem, nas cartas, reduto das relações privadas e do noticiário abundante, Montarroio informava-se e era informado de modo bem mais rápido e bem mais às claras.‖ (Belo 2001: 49).

213 Percebe-se claramente a importância do estatuto social do testemunho, como fator essencial para atribuir credibilidade ao que ele diz.

214 Tengarrinha (cf. 1989: 118), tendo por base uma análise das listas de assinantes publicadas por alguns jornais, entre os quais se encontrava a Gazeta de Lisboa, conclui que estamos perante um grupo muito restrito, constituído por aristocratas, membros do clero, funcionários superiores da administração, médicos, militares com patente e comerciantes a quem interessava principalmente informações de caráter político, cultural, militar e económico.

149 Destacam-se, entre os seus correspondentes,215 Rodrigo Xavier Pereira de Faria (escrivão/notário da Casa da Misericórdia de Santarém) e o padre Luís Montez Matoso, de Santarém, que se constituíam como especialistas em história local e genealógica de Santarém e animadores do movimento académico dessa cidade (cf. Belo 2005: 133). A outra importante referência foi o 4º conde de Ericeira, D. Francisco Xavier de Menezes (1673-1743), que tentou patrocinar a entrada de Monterroio na nova Academia Real da História.216 Foi também o responsável pela publicação de várias folhas volantes que se intitulavam de Diário, em que ele, semanalmente, se debruçava sobre os principais acontecimentos da corte e do mundo, num modelo que se assumia como complementar à Gazeta. Com estes correspondentes estabeleceu redes de troca de informações, tendo o seu contributo se refletido na inserção de várias notícias na Gazeta, como forma de mostrar o seu respeito pelas várias autoridades que Monterroio reconhecia. Para além destas relações pessoais, foi também condicionado pela influência exercida pelos cônsules e embaixadores dos diferentes países, de onde obtinha notícias. A forma que o redator encontra para lhes agradecer o serviço prestado é precisamente a publicação dessas notícias, influenciando o conteúdo da Gazeta ao nível da informação representativa desses países (cf. Belo 2005).

As publicações manuscritas que Monterroio utilizou como fonte para a Gazeta desempenharam um papel muito importante no panorama noticioso da época, sendo que algumas delas são também da autoria de Monterroio, que utiliza a própria Gazeta para as divulgar:

“Como a morte delRey Chr. Luis XIV. & as circunstancias da sua doença não puderaõ ter lugar na presente gazeta, se darà esta noticia em relaçaõ particular.” (GL nº 9, 5 de

outubro de 1715: 48).

Para além de receber, Monterroio também envia para Santarém notícias, através dos folhetos, nome normalmente atribuído a um caderno de papel de quatro páginas que continha as notícias à mão, as mais recentes do estrangeiro e da corte, juntamente com a data da saída da carta, manuscritos estes que acompanhavam as suas cartas.

Neste período, existiam duas modalidades de periódicos: os impressos e os manuscritos, entre os quais se estabeleceu uma relação de complementaridade:

215

Apresentaremos aqui apenas três importantes referências, uma vez que Monterroio tem vários correspondentes por todo o país, que o informam do que se passa em diferentes localidades, de que é exemplo Damião António de Lemos Faria e Castro, que lhe envia notícias sobre o Algarve.

216 Depois da polémica, foi autorizada a publicação de notícias sobre as conferências da Academia Real da História.

150 ―Existindo na retaguarda noticiosa do impresso, o manuscrito vinha preencher os espaços em branco que ele deixava, colmatando a sua lentidão e insuficiência noticiosa em especial sobre o reino.‖ (Belo 1999: 631).

Os responsáveis por estas publicações mantiveram contacto e trocavam material de informação entre si, como era o caso de notícias, cópias manuscritas e até gazetas. A existência de fontes comuns não se repercutia em publicações iguais ou semelhantes, uma vez que o seu estatuto era diferenciado e os periódicos manuscritos escapavam ao rigor da censura, ao que aliavam uma maior rapidez. Terão sido precisamente estas razões que motivaram a criação de periódicos manuscritos, por parte de Luís Montez Matoso e Rodrigo Xavier Pereira de Faria, sozinhos ou em conjunto, com quem Monterroio se correspondia regularmente.

A partir de 1740, surge uma série periódica de notícias manuscritas, que conheceram, alternadamente ou em paralelo, os seguintes títulos: Folheto de Lisboa,

Folheto de Lisboa Ocidental, Mercúrio de Lisboa ou Mercúrio Histórico de Lisboa.

Impõem-se nestas publicações algumas características dos impressos, como era o caso da sua numeração em série, cada edição saía num dia fixo, ao sábado, e tinha um título (cf. Belo 2004: 26). Para além disso, todos eles juntos constituíam uma única coleção anual, de Luís Montez Matoso, que se intitulou de Anno Noticioso e Histórico, informação que surge numa página impressa, a folha de rosto, que aparece em vários volumes. Este formato híbrido, semanal e com uma possibilidade de apresentação em livro anual, imita o da Gazeta, o que também acontecia com as suas estruturas internas, ambas baseadas numa divisão geográfica e cronológica.

O prólogo do Folheto de Lisboa (1740) é revelador da relação que se pretendia estabelecer com o periódico oficial, onde se anuncia o seguinte:

―[…] publicaremos daqui em diante em todas as semanas um Folheto com todas as noticias não só de fora antecipadas à Gazeta, mas tambem com as do Reino, principalmente as que por particulares se não costumam estampar.‖ (In Belo 2004: 28).

Em relação às notícias do reino, surgiam em maior número do que no periódico impresso, para além de abordarem notícias que não surgiam na Gazeta, como era o caso de referências a situações que contrariavam a ordem estabelecida, uma vez que estavam livres de restrições que se impunham no impresso, o que se repercutia numa circulação mais rápida do manuscrito. Estabelecia-se, desta forma, uma rede de troca de informações entre os dois mundos: o impresso e o manuscrito, num movimento de intercâmbio que interessava aos dois lados. Esta relação é indispensável para

151 Monterroio, que tem espalhados pelo país e também no estrangeiro correspondentes que lhe dão conta das principais novidades que ocorrem nesses locais. Por sua vez, também ele participa nesta rede de circulação da informação, enviando as notícias de que tem conhecimento: ―[…] les gazettes d‘Ancien Régime sont aujourd‘hui bien plus souvent intégrées dans un paysage informatif mosaïque où différents véhicules de communication coexistaient, chacun avec ces caractéristiques et roles spécifiques.‖ (Belo 2005: 55).