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Capítulo I: Contexto jornalístico e suas condicionantes históricas

4 Gazeta de Lisboa

4.7 Impressão da Gazeta de Lisboa: locais e privilégio

Os primeiros locais de impressão da Gazeta correspondiam às oficinas dos impressores régios, estabelecendo-se uma ligação e até proximidade física com a Coroa. Apesar de muitas vezes, erradamente, se considerar Pascoal da Silva como o primeiro impressor da Gazeta, na verdade, esta começou por ser impressa na oficina de Valentim da Costa Deslandes (Real Oficina Deslandesiana) em 1715:

Paschoal da Silva é quem até hoje tem passado, entre os bibliographos, por haver sido o primeiro impressor da Gazeta de Lisboa. Ora a estampagem d‘este periodico realizou-se (verdade é) cêrca de dez annos (como adeante mostrarei) na officina d‘aquelle impressor. Mas os Numeros do primeiro anno (1715) imprimiram-se (com excepção talvez dos ultimos de Dezembro) na Officina Real Deslandesiana, - pois que (imbora não venha nelles indicação que explicitamente o certifique) todo o material typographico e decorativo, nelles impregado, nos denuncia a sua procedencia. (Cunha 1896: 921).

Por desistência deste impressor régio, assume o seu lugar Pascoal da Silva, que é promovido a impressor de sua majestade a 10 de dezembro de 1715, e cuja oficina passa a ser o lugar de impressão da publicação deste periódico.

A Gazeta de Lisboa foi depois impressa, pela ordem que se segue, nas oficinas de José António da Silva, Pedro Ferreira, António Correia de Lemos, Luís José Correia de Lemos e, entre 1752 e 1760, novamente na oficina de Pedro Ferreira, nesta época impressor da rainha. Em 1760, o número um desta nova fase do periódico, que passou a designar-se de Lisboa, apresenta uma mudança relativamente ao local de impressão: «Na Impressão da Secretaria de Estado». Entre 1762 a 1778, esta publicação encontra-se suspensa, regressando em 1778 com o título original, Gazeta de Lisboa, e impressa na «Regia Officina Typographica». Em 1803, temos a designação «Na Impressão Regia», que muda dois anos mais tarde, indicando que passa a ser impressa

152 na oficina de António Rodrigues Galhardo. Em 1814, retoma a designação de «Impressão Regia», oficina que em 1821 passou a denominar-se de «Impressão Nacional» e, mais tarde, «Imprensa Nacional».

A Gazeta de Lisboa, inserida num regime de privilégio217 real, era a única218 publicação autorizada da altura, tendo sido em 29 de maio de 1715, por alvará régio, que António Correia de Lemos recebeu o privilégio de impressão, ficando com direito de imprimir e comercializar o periódico, estatuto que lhe permitia controlar totalmente o mercado. Nenhuma gazeta ou folheto noticioso podia ser vendida sem o seu consentimento, sob pena de perderem tudo o que tivessem vendido ou impresso, acrescido de uma multa pecuniária. À data da sua morte, em 1741, o privilégio de impressão passa para a sua viúva e filhos, no entanto a Gazeta acaba por ser administrada pelo seu sobrinho, José Roiz Roles, de 1741 a 1748, que exerce estas funções em nome dos herdeiros. No período subsequente, entre 1748 e 1752, será o filho de António Correia de Lemos, Luís José Correia de Lemos, que assume o comando da administração, para além de ter herdado a oficina de impressão, à qual dá o seu nome. Os herdeiros de António Correia de Lemos assumiram uma política mais comercial, numa demanda pelo lucro, que se repercutiu num aumento da sua tiragem, da periodicidade, num crescimento do periódico e das suas receitas. Não obstante, estas alterações condicionaram também a sua qualidade formal, através de um embaratecimento do papel. Por outro lado, a obsessão pela procura do lucro leva os administradores da Gazeta a reduzirem o vencimento de Monterroio, para além de o obrigarem a pagar todos os exemplares que ele quisesse depois enviar aos seus correspondentes (cf. Belo 2001: 52-57).

O conflito entre Monterroio e os impressores era já irreversível, ficando agravado com a grave conduta levada a cabo por Luís José Correia de Lemos, que se intrometeu no trabalho de Monterroio, interferindo219 nas suas competências, com vista a um possível aumento de vendas, que era assumidamente o principal objetivo desta família.

217 O sistema de privilégio de impressão da gazeta dependia da vontade do rei, que limitava a duração do periódico e estava associado a um género textual, que fora criado com determinados objetivos, e não a um título, como acontecia com os livros.

218 ―Os privilégios e regalias reais instituíram de facto ―monopólios‖ de informação e criaram grandes obstáculos à criação de novos jornais.‖ (Crato 1986: 191)

219 Numa carta de 26 de abril de 1749 enviada a Luís Montez Matoso, a propósito de uma notícia solicitada por este, fica clara esta atitude: ―[…] a não pus porque a vi impressa na gazeta pelo estilo dos impressores com bem pesar meu, porque me acrescentam nela mais despropósitos do que eu escrevo […]‖ (Monterroio In Belo 2001: 58).

153 Neste sentido, percebemos que as notícias não estavam exclusivamente a cargo de Monterroio. A sua correspondência permite-nos perceber que este enviava e recebia pedidos de inserção de notícias ou anúncios, solicitações estas que eram também direcionadas à família que possuía o privilégio, o que nos pode conduzir à dúvida sobre quem terá sido o total responsável pela elaboração da Gazeta. Belo (2001: 60), referindo-se a António Correia de Lemos, alude à fragilidade das fronteiras que separam as diferentes categorias profissionais: ―António Correia de Lemos partilha com outros tipógrafos do seu tempo uma posição intermediária entre autoria e publicação que permite a alguns, à força de um convívio quotidiano com textos e livros, diluir as fronteiras sócio-profissionais.‖

Em 1752, depois de um período de disputa pelo privilégio de impressão, Monterroio consegue finalmente ser o detentor do dito privilégio. O tribunal de administração central do Desembargo do Paço concede-lhe este privilégio em vida, o que contrasta com o primeiro privilégio, que não impõe limite de tempo. Podemos considerar esta alteração como uma certa estratégia política, que tem por fim um controlo mais rigoroso das publicações. Neste documento (privilégio de impressão) surgem indicações rigorosas sobre o conteúdo e a dimensão mais reduzida do periódico. O final deste período, marcado pelo trabalho de Monterroio, tinha que coincidir obviamente com a sua morte, em 1760, altura em que a Gazeta passou a estar a cargo dos oficiais da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra,220 a quem foi entregue o privilégio da impressão,221 passando a ser popularmente conhecida como a Gazeta dos Oficiais da Secretaria, redigida por Pedro António Correia Garção, influente intelectual da Arcádia Portuguesa. Esta medida de centralização na Coroa do anterior regime de impressão insere-se numa linha comum peninsular, tendo acontecido o mesmo com a Gaceta de Madrid, cujo privilégio de impressão é incorporado na Coroa. Com esta passagem do privilégio para a Secretaria de Estado e a criação de uma imprensa própria, Pombal ―[…] parece ter reduzido a distância entre o periódico e o centro político, aproximando-o mais de uma folha «oficial».‖ (Belo 2001: 116).

A partir deste segundo momento da sua existência, a Gazeta passou a seguir uma orientação mais administrativa ―[…] fornecendo a primeira matriz em que se viria a

220 Decreto de 23-2-1760 (In Cunha 1941: 79).

221 Despacho Régio de 3 de julho de 1752, sobre o qual se publica uma notícia na Gazeta de 6 de julho de 1752, nº 22, que contém os termos do novo privilégio.

154 fundar, futuramente, o diário oficial português, actualmente designado Diário da

República.‖ (Sousa 2008b: 95).