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3 INDÚSTRIA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL E

3.1 Especificação da Indústria

De modo geral, o serviço de abastecimento de água potável compreende seis atividades: 1) captação; 2) adução de água bruta; 3) tratamento; 4) adução de água potável; 5) reservação; e 6) distribuição2. De início, é feita a captação da água nos mananciais: rios, lagos, açudes

e represas (forma superficial) e poços profundos (forma subterrânea). Em seguida, essa água é transportada, através de bombeamento ou da força da gravidade, até a estação de tratamento. Nessa estação, a água pode ser submetida aos processos de oxidação, coagulação, floculação, decantação, filtração, desinfecção, correção de pH e fluoretação

1 No âmbito legal, de acordo com o inciso I, artigo 3º, da Lei 11.445, de 09/01/07, considera-se

saneamento básico o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas (Brasil, 2007). Sem embargo, nesta tese, adota-

abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, que é a designação usualmente empregada na literatura.

2 O número das atividades presente no serviço de abastecimento de água depende de fatores

tecnológicos, econômicos, ambientais, sociais, políticos, dentre outros. Por exemplo, uma água mineral extraída de um lençol freático prescinde da atividade de tratamento.

visando atingir os padrões adequados de potabilidade. A água potável é transportada para os reservatórios, os quais têm a função de evitar paralisação no abastecimento em decorrência de manutenções periódicas do sistema ou de variações sazonais do consumo. No estágio final, a água potável armazenada é distribuída para a população (Figura 1).

FIGURA 1

Fonte: Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa)

Um serviço de esgotamento sanitário adequado deve envolver quatro atividades: coleta, transporte, tratamento e disposição final. A princípio, os esgotos são direcionados para a rede coletora que é formada pelos coletores primários e tronco. O transporte é efetuado pelos interceptores e emissários, que levam os esgotos até a estação de tratamento. Nessa estação, os esgotos são submetidos a processos físicos e/ou biológicos para a produção de efluentes tratados, os quais são disponibilizados para o meio ambiente.

Além dessas atividades principais, os seguintes serviços complementares são relevantes para essa indústria: medição do volume de água distribuída, que envolve instalação e manutenção de hidrômetros e contratação de leituristas; consertos de vazamentos da rede

de água e de esgoto; estrutura laboratorial para o controle de qualidade da água e do esgoto; e central de atendimento ao consumidor.

As características econômicas das atividades básicas dessa indústria são típicas de um monopólio natural, em que os custos relacionados com os serviços são minimizados quando prestados por uma única firma (Beecher, 2001) 3. Nesse caso, a escala mínima de produção eficiente da firma é muito elevada em relação ao tamanho do mercado. Em termos teóricos, a curva de custo médio de longo prazo decresce à medida que se eleva a produção, o que a torna sempre superior à curva de custo marginal de longo prazo (Varian, 1992). Nesse formato, a função de custo apresenta a propriedade de subaditividade, em que o custo é minimizado por meio da produção conjunta de distribuição de água e coleta de esgoto ao invés da produção desses serviços por firmas distintas.

A forma declinante da curva de custo médio de longo prazo e a subaditividade estão relacionadas com as economias de escala, de escopo e de densidade que podem estar presentes nessa indústria. De acordo com Lootty & Szapiro (2002), as economias de escala4 são provenientes da função de produção, especialmente de fatores referentes à indivisibilidade técnica (não é possível a implantação da rede de distribuição de água ou de coleta de esgoto por solicitação individual do usuário), às economias geométricas (os custos de construção das plantas para tratamento de água e de esgoto crescem menos que proporcionalmente às suas capacidades de produção) e às economias da lei dos grandes

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... if the costs of producing 100 units of Q are less for the monopolist than they would be for any group of firms acting independently that is to say, if costs are subadditive then not only is the competitive solution not viable but is more efficient to allow the monopolist to produce the total industry output. In such a situation the monopoly is termed a natural monopoly

4 Conforme Varian (1992), existe economia de escala ou retorno crescente de escala quando um

números (quanto maior o tamanho da planta produtiva, menor proporcionalmente a equipe de manutenção e o número de peças de reposição) 5.

Com respeito à economia de escopo, ela é proveniente da prestação dos dois serviços (água e esgoto) por uma única empresa, o que vem possibilitar a caracterização de um monopólio natural multiproduto. A existência de fatores comuns - como, por exemplo, um programa para minimizar o custo com energia elétrica para os dois serviços e complementaridades tecnológicas e comerciais emprego de mão-de-obra especializada, de propaganda, etc. - são as principais economias presentes nessa indústria6. Por outro lado, essa integração

vertical entre os serviços pode trazer as seguintes desvantagens econômicas: um serviço subsidiar o outro sem a sua devida explicitação, o que propiciaria ineficiências produtivas e alocativas; e a prestação casada dos serviços, não permitindo ao usuário escolher a firma fornecedora dos respectivos serviços (Lootty & Szapiro, 2002) 7.

5 De acordo com Fraquelli & Moiso (2005), os estudos empíricos não têm fornecido conclusões

definitivas acerca da existência de economias de escala nessa indústria. O estudo de Nauges & Berg (1996) encontrou evidências de economias de escala na indústria de água e esgoto da Colômbia, Moldóvia e Vietnam, mas no caso da indústria brasileira a hipótese nula de retornos constantes de escala não foi rejeitada. Com relação a dez companhias inglesas privadas de água e de esgoto, Ashton (1998) encontrou evidências de relevantes economias de escala (período 1987-1997), enquanto Saal & Parker (2000, 2001 e 2004) não identificaram a presença de economias de escala (período 1985-1999). O trabalho mais recente sobre a indústria brasileira foi produzido por Melo (2004), que chegou às seguintes conclusões, considerando o período 1998 a 2001 e uma amostra de 25 companhias estaduais de saneamento e 19 municipais: existência de retornos decrescentes de escala para firmas de água tratada (variando de 0,83 a 0,89) e de água e esgoto (de 0,51 a 0,57); e retornos crescentes de escala para firmas de esgoto (de 1,28 a 1,84). No entanto, a equação econométrica de Melo (2004) não inclui uma variável que identifique as diferentes condições naturais presenciadas pelas companhias no serviço de distribuição de água. Por exemplo, custos significativos com energia elétrica para bombeamento de água são mais verificáveis em regiões montanhosas (irregularidade topográfica) ou secas (distância expressiva entre as atividades de captação e de distribuição), vez que essas condições não são homogêneas no espaço brasileiro, podendo influenciar o resultado final do retorno econômico de escala.

6 Train (1991, p. 8) apresenta a seguinte definição formal: f(x,y) é a função de custo total para

caso produza apena f(x,0) + f(0,y).

7 de ganhos de especialização,

foram arroladas quatro fontes de economias de escopo para água e esgoto no setor: i) a estrutura de medição e arrecadação; ii) instalações administrativas; iii) quadro técnico de engenharia; iv) pessoal e equipamentos de manutenção. Muito dos insumos utilizados podem também ser compartilhados na prestação dos serviços de água e esgoto por haver reserva de

As economias de densidade implicam reduções de custos em decorrência da aglomeração espacial do consumidor. Por exemplo, para a companhia de saneamento básico, o custo de distribuição de água potável para um prédio (1 ligação) com 44 apartamentos é inferior ao custo do atendimento de 44 casas (44 ligações) 8. Companhias de água e de esgoto com escalas similares de produção podem ter funções de custo bastante diferenciadas por causa da diversidade de localização do consumidor. Portanto, as economias de densidade devem ser analisadas de forma a não serem confundidas com as de escala, dado que grandes companhias podem ter custos unitários inferiores devido à maior densidade do consumidor ao invés de qualquer benefício proveniente da escala de produção (Shaw, 2004).

Por outro lado, deseconomias de escala9 podem surgir em firmas com elevado nível de produção, visto que a gestão não seria capaz de monitorar rigorosamente todas as etapas de produção, propiciando o surgimento de ineficiências que poderiam dominar os benefícios da operação em larga escala (Train, 1991). Outra fonte de deseconomias de escala, mais aplicável à indústria de água potável, diz respeito à distância entre a planta de produção e o local de consumo. Conforme Zarnikau (1994), quanto maior essa distância, maiores as perdas físicas (vazamentos, por exemplo) de água potável e, dependendo da topografia da região, maiores os custos para o seu bombeamento. Ademais, Foellmi & Meister (2004) afirmam que a perda de qualidade da água está positivamente correlacionada com a distância de transporte: quanto mais tempo a água permanece nos canos, maior a sua perda de qualidade.

8 -se ao ramal predial conectado à rede de distribuição de

comerciais, salas de escritório, indústrias, órgãos públicos e similares, existentes numa determinada edificação, que são atendidos pelos serviços de abastecimento de água e/ou de esgotamento sanitário. Nesse contexto, um prédio com 44 apartamentos equivale a uma ligação com 44 economias.

9 Existe deseconomia de escala ou retorno decrescente de escala quando um aumento da

Do ponto de vista teórico, a curva de custo médio de longo prazo padrão tem um formato de U e o posicionamento do custo médio de determinada firma nessa curva vai depender da quantidade produzida/demandada e das economias e deseconomias obtidas durante o processo de produção. Caso o custo médio da firma esteja no intervalo descendente da curva, ela teria economias superiores às deseconomias, dada uma produção/demanda relativa inferior. Caso o custo médio esteja no intervalo ascendente, a firma obteria economias inferiores às deseconomias, dada uma produção/demanda relativa superior. A literatura, de modo geral, considera a indústria de água e esgoto como um monopólio natural, ou seja, não produzindo no intervalo ascendente da curva.

Nesse contexto teórico, o problema da precificação na indústria de água e esgoto tem origem na sua estrutura operacional em rede, a qual leva a uma produção caracterizada por retornos crescentes de escala. Sob essas condições, se o preço aplicado é igual ao custo marginal da firma monopolista, alguma forma de transferência é requerida para cobrir o seu prejuízo operacional. Caso contrário, o problema teórico consiste na determinação de um nível ótimo de preço, que é eficiente no sentido de Pareto, para diferentes classes de consumidores, em concordância com estruturas tarifárias não lineares (Altmann, 2007).

A indústria é muito intensiva em capital e os seus ativos necessitam de um longo período de maturação. Além disso, grande parte dos ativos fixos não possui uso alternativo (ativo muito específico), ou seja, os elevados investimentos e custos associados com a prestação dos serviços são irrecuperáveis sunk costs. Segundo Yepes (2001), a proporção entre ativo total e receita anual da indústria de água e esgoto varia de 10:1 a 13:1, enquanto nos serviços de telefonia essa proporção é de 3:1e na indústria de energia elétrica ela se situa entre 3:1 e 7:1.

Segundo Hanemann (2006), a intensidade e a longevidade do capital, bem como as economias de escala, de escopo e de densidade implicam uma função de custo dominada pelos custos fixos. Em um processo de produção de água potável, conforme descrito pela Figura 1, o custo marginal de curto prazo pode ser extremamente baixo, geralmente

associado aos custos de bombeamento para o transporte e distribuição da água. Dessa maneira, há fortes indicações de grandes diferenças entre o custo marginal de longo e de curto prazos, bem como entre o custo médio de longo e de curto prazos10.

A externalidade é um tema recorrente nessa indústria. Como exemplo de externalidade de consumo negativa, pode-se citar o despejo de esgoto no mar sem o devido tratamento, prejudicando a sua balneabilidade. No caso de externalidade negativa na produção, é possível a poluição das águas subterrâneas por pesticidas agrícolas, elevando os custos da empresa de saneamento no processo de potabilidade da água (Armstrong et al., 1999).

A redução da mortalidade infantil associada às doenças de veiculação hídrica é um benefício basilar decorrente da ampliação da cobertura dos serviços de água e de esgoto11. Mendonça & Motta (2005) elaboraram um modelo econométrico que correlacionava indicadores brasileiros de saúde e de saneamento. Os resultados mostraram que as condições adequadas de água e de esgotamento sanitário exercem efeitos positivos sobre a diminuição da ocorrência de mortes na infância: tomando como referência o ano de 2000, um aumento de 1% na cobertura de água evitaria a morte de 108 crianças, enquanto o mesmo percentual de aumento na cobertura de esgoto reduziria em 216 os casos de morte infantil12.

10 Nos Estados Unidos, a taxa do custo operacional em relação ao custo total situa-se em torno

de 10%, enquanto na indústria de gás canalizado essa taxa é de 32% e de 57% na distribuição de energia elétrica (Spiller & Savedoff, 1999, apud Hanemann, 2006).

11 Numa análise econômica mais rigorosa, as precificações da água e do esgoto deveriam levar

em conta as suas externalidades positivas e negativas. Contudo, a mensuração dessas externalidades não é trivial. Por exemplo, qual deve ser a redução no preço do esgoto para refletir a vida de uma criança salva pela implantação de uma rede de esgotamento sanitário?

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vítimas da falta de esgoto são crianças entre 1 e 6 anos que morrem 32% mais quando não dispõem de esgoto tratado. Os bebês até 1 ano têm menos chances de morrer devido a doenças de esgoto, pois ficam mais em casa protegidos das doenças. Os meninos talvez pela mesmas razões, por brincarem mais fora de casa (de bola, pipa etc) e perto de valas negras, apresentam 32% maiores chances de morrerem de doenças associadas à falta de saneamento que as meninas. Outra vítima preferencial da falta de tratamento de esgoto são as grávidas, a falta de esgoto tratado aumenta em 30%

No tocante à promoção da concorrência, existe uma série de dificuldades tecnológicas e econômicas. Não se afigura como razoável, por exemplo, a implantação em paralelo de redes de distribuição de água para introduzir a competição. No entanto, pelo menos três propostas pretendem alterar o quadro competitivo dessa indústria. A primeira refere-se à disponibilização do sistema de adução de água bruta para vários distribuidores. A ideia é seguir o exemplo do serviço de distribuição de energia elétrica, em que os grandes consumidores já possuem a opção de escolher o seu fornecedor. Essa proposta apresenta os seguintes obstáculos: dado que cada distribuidor deve possuir a sua planta de tratamento de água, pode ser econômica e tecnologicamente inviável a oferta de água bruta para os distribuidores; e a mistura de águas potáveis de diferentes características na rede de distribuição vai trazer complicações para associar o padrão de qualidade do produto com o respectivo distribuidor (Seidenstat, 2000).

Outra ideia, já aplicada em diversos países, diz respeito à competição para conquistar o mercado, por meio do processo de licitação (Helm & Jenkinson, 1997) 13. Considerando a

participação de um número apropriado de licitantes e a lisura do processo, espera-se que o vencedor da licitação revele o respectivo custo mínimo para prestação dos serviços. A licitação na modalidade de concorrência permite selecionar a proposta de menor tarifa e/ou de melhor técnica. Esse processo pode envolver apenas a operação e manutenção do serviço (contratos de curto prazo) ou até mesmo a realização de investimentos de longo prazo de maturação (contratos de longo prazo) 14.

De acordo com Viscusi et al. (1997, p. 417-429), caso haja suficiente competição entre os licitantes, essa forma de concorrência possui as seguintes vantagens: dado que o preço é fixo e a firma vencedora pode reter todos os lucros, ela tem incentivos para produzir de

13 ... the bidding, auctions and experimental economics

literature offers considerable potential in regulatory economics

14 A ideia da competição para conquistar um mercado mopolizado foi proposta inicialmente por

forma eficiente (custo mínimo); evitar dispêndios governamentais com a criação e a manutenção de um órgão regulador; impedir rendimentos monopólicos provenientes do processo de assimetria de informação; inexistência de incentivo para sobreinvestimento em capital fixo (efeito Averch-Johnson); e produção do produto ou prestação do serviço pela firma mais eficiente. Por outro lado, a licitação pode apresentar as seguintes desvantagens: o trade-off entre preço e qualidade do produto/serviço torna mais complexo esse modo de competição; o nível de qualidade que a firma vencedora se compromete a implementar deve ser monitorado pelo governo, elevando os respectivos gastos governamentais; a licitação pode privilegiar interesses políticos (enfatizando, por exemplo, a maior oferta para outorga da concessão) ao invés do bem-estar da sociedade, dando espaço a comportamentos rent-seeking; a necessidade de um contrato (de curto prazo prorrogável ou de longo prazo incompleto) que especifique como as alterações nos custos e na demanda serão incorporadas ao preço; e a possibilidade de um comportamento oportunístico da firma após vencido o processo de licitação.

Por último, Cowan (1997) relaciona uma competição indireta promovida pelo regulador (pública) e/ou pelo mercado de capitais (privada). No caso de um número suficiente de firmas, o regulador pode selecionar a firma mais eficiente da indústria e estabelecer o seu nível relativo de custos como parâmetro a ser seguido pelas outras. A desvantagem dessa forma de competição comparativa (yardstick) 15 é que ela não pode ser aplicada numa indústria com poucas firmas e nem em ambientes de custos bastante heterogêneos, em que, por diversas razões (geográficas, sociais, econômicas, institucionais, etc.), uma parcela não desprezível dos custos é exógena ao processo de gestão da firma16. Com relação ao mercado de capitais, a competição efetiva-se quando as firmas procuram ser eficientes com o objetivo de valorizar as suas respectivas ações. Obviamente, as ações de uma firma

15 O primeiro modelo de competição comparativa foi elaborado por Shleifer (1985). Ele

apresentou um mecanismo em que o preço da firma regulada depende dos custos de firmas idênticas. Em equilíbrio, cada firma escolhe um nível socialmente eficiente para redução dos respectivos custos.

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técnicas estatísticas de regressão múltipla que separam os efeitos provenientes de fatores exógenos.

ineficiente possuem cotações inferiores, o que pressupõe um risco mais elevado à mudança do seu controle acionário (takeover).