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2 REGULAÇÃO DO PREÇO E DA ESTRUTURA TARIFÁRIA NO

2.1 Regulação do Preço

2.1.1 Marco Teórico

2.1.1.1 Precificação com o Regulador Bem Informado

O conceito de custo marginal é bastante relevante para o processo de precificação. Dupuit (1969) foi o precursor na utilização desse custo para a determinação do preço. Ele verificou a perda de bem-estar da sociedade quando o preço da firma é diferente do seu custo marginal. De acordo com Arrow & Scitovsky (1969), tanto as implicações para o nível de bem-estar da precificação ao nível do custo marginal, como o uso do excedente do consumidor na forma de uma mensuração de benefícios foram introduzidos por Dupuit.

No entanto, a preferência no âmbito regulatório pelo marginalismo foi intensificada pelo artigo de Hotelling (1938), que relacionou a perda de bem-estar com os problemas de tributação e de preços cobrados pelas empresas públicas ferroviárias. Segundo Arrow & Scitovsky (1969), Hotelling estabeleceu um método para mensuração da perda de bem- estar decorrente da precificação para cobrir não somente os custos marginais, mas também os elevados custos fixos presentes nas indústrias que possuem retornos crescentes.

O trabalho de Hotelling (1938) colocou um problema relevante sem solução trivial pelos princípios marginalistas. A questão central no uso da igualdade entre preço e custo marginal (solução first-best) em monopólios naturais reside na criação de um conflito com a restrição de orçamento equilibrado ou de viabilidade da firma. Na verdade, esse patamar de preço não permite a geração de receitas suficientes para cobrir os custos totais do

6 Em geral, os modelos dessas correntes mainstream são elaborados com base nas seguintes

hipóteses: o consumidor conhece a sua curva de demanda e a firma conhece a sua curva de custo e a curva de demanda do consumidor; o objetivo da firma é maximizar o seu lucro, sujeito à sua função de custo e ao comportamento da demanda; o objetivo do consumidor é maximizar a sua utilidade, sujeita à sua restrição orçamentária; e os agentes econômicos fazem uma escolha racional (o produtor e os consumidores escolhem aquela alternativa que fornece o excedente máximo) diante das alternativas disponíveis e factíveis.

monopólio, já que a presença de economias de escala pressupõe um custo marginal inferior ao custo médio da firma7.

Desse modo, a solução marginalista ótima produz alguns dilemas microeconômicos: o regulador poderia estabelecer um preço não competitivo igual ao custo médio da firma, mas isso resultaria numa quantidade ineficiente de produção no sentido de Pareto; por outro lado, o regulador poderia impor um preço competitivo (preço = custo marginal), mas o governo deveria subsidiar a firma, no montante dos custos fixos, para evitar um resultado negativo8.

Nesse contexto, algumas considerações podem ser relacionadas com relação à aplicação dessa igualdade:

a) o processo de financiamento do déficit (subsídio) da firma monopolista provoca distorções econômicas, já que o governo deve fazer uso de tributos, os quais desvirtuam o conceito não monetário de excedente do consumidor e do produtor (Meade, 1944). Assim, para considerar os custos e benefícios não monetários (reais) da firma, deve-se levar em conta os custos da arrecadação tributária (custo-sombra dos fundos públicos) 9;

b) Coase (1945 e 1946) coloca que, a não ser que a firma alcance um orçamento equilibrado (receita = custo), o método marginal não revela se vale a pena para a sociedade arcar com o custo fixo do empreendimento. Noutros termos, esse método não mostra qual a opção socialmente desejável: interrupção ou manutenção da produção. Para escolher uma

7 Brown & Sibley (1986, p. 166) af If the firm has any positive fixed cost, then the average cost price will exceed marginal cost

8

If the regulated firm must break even out of its own sales revenues, potential welfare of society is lower than if the regulated firm were not required to break even

9 Com o objetivo de não provocar distorções econômicas, Brown & Sibley (1986, p. 28) defendem

um tributo lump-sum The simplest tax/subsidy which meets this requirement is the lump-sum, or

poll tax. Because such a tax is unrelated to any agent's consumption or production decisions, it cannot distort them

dessas opções, dois caminhos são apresentados: fazer experiências estabelecendo preços acima do custo marginal ou proceder a uma pesquisa de demanda; e

c) a ausência de uma restrição orçamentária pode criar incentivos indevidos para a firma reduzir seus custos (Allais, 1947). De fato, apesar da coerência teórica do custo marginal, muitas firmas reguladas são obrigadas a adotar uma precificação pelo custo médio, que incorpora a ideia do orçamento equilibrado. Contudo, para considerar um modelo de regulação com incentivos adequados, Laffont e Tirole (1993) sugerem a inclusão do custo fixo da firma no preço em virtude de dois motivos: um orçamento equilibrado evita que o governo subsidie firmas ineficientes e os contribuintes não têm condições de fiscalizar com rigor se os tributos estão sendo devidamente aplicados no capital fixo da firma10.

Em vista dessas considerações, Boiteux (1956), tendo como referência o artigo de Ramsey (1927), apresentou um modelo de maximização do bem-estar social sujeito à restrição orçamentária da firma. A ideia básica de Ramsey é de que a tributação ótima tem uma relação proporcionalmente inversa com a elasticidade-preço da demanda11. Em outras

palavras, o governo deveria aplicar um tributo mais elevado para os produtos inelásticos e menos elevado para os elásticos12.

Boiteux aplicou a ideia de Ramsey para um monopólio natural multiproduto com demandas independentes, em que a função-objetivo do regulador é maximizar o bem-estar

10 Com relação à indústria de água e esgoto, além do desequilíbrio orçamentário da firma, a

precificação com base no custo marginal de curto prazo traria fortes flutuações dos preços. Nos períodos de capacidade ociosa, os preços seriam bastante baixos em decorrência do pequeno nível relativo do custo variável. Por outro lado, nos períodos de uso pleno da capacidade, os preços seriam muito elevados, dado o alto investimento necessário para ampliação da infra- estrutura (Gómez-Lobo & Vargas, 2002).

11 Train (1991, p. 116) afirma que essa ide

inverse elasticity rule

Formalmente, para dois bens, Dreze (1964) apresenta a regra da seguinte forma: [(P1

CM1)/P1].(e1 e21) = [(P2 CM2)/P2].(e2 e12), onde P1 = preço do bem 1; CM1 = custo marginal

do bem 1; e1 = elasticidade-preço da demanda do bem 1; e21 = elasticidade cruzada. 12 De acordo com Train (1991, p developed a method for determining the tax

rates for various goods that would provide the government with sufficient revenue while reducing consumer surplus as little as possible

da sociedade sujeito ao equilíbrio orçamentário da firma. De todas as combinações de preço possíveis para os produtos, o resultado do modelo mostra que o regulador deve exigir uma combinação subótima (Ramsey prices), a qual fornece o maior excedente econômico possível, enquanto evita que a firma opere com prejuízo13. No sentido de compensar a perda no excedente do consumidor, os desvios entre preços e custos marginais são inversamente proporcionais às elasticidades-preço das demandas associadas com os diferentes grupos de consumidores e os diferentes produtos do monopólio, não esquecendo os devidos ajustamentos da elasticidade-cruzada quando as demandas não forem independentes14.

Posteriormente, Goldman et al. (1978) relaxaram a hipótese de Boiteux de preços lineares e desenvolveram uma teoria de preços ótimos não-lineares para um monopólio natural que produz um único produto e, em seguida, Mirman & Sibley (1980) estenderam essa teoria não-linear para um monopólio multiproduto.

O modelo de Ramsey-Boiteux tornou-se muito popular na esfera acadêmica e um paradigma na teoria regulatória. Não obstante, esse modelo praticamente não é aplicado pelos órgãos reguladores, por causa da necessidade de informações complexas acerca das funções de custo e de demanda da firma (elasticidade-preço e elasticidade-cruzada) e do preço-sombra do equilíbrio orçamentário. Além disso, do ponto de vista teórico, o modelo exclui, de forma exógena, as transferências do governo para a firma, o que resulta em

13 Preços subótimos (Ramsey prices) são também conhecidos como second-best prices Because the breakeven constraint prevents the imposition of the fully optimal, so-called first-best, marginal cost prices, we refer to prices which maximize total surplus subject to breaking even as optimal

second-best prices wn & Sibley, 1986, p. 39).

14 Considerando uma elasticidade-cruzada nula, o preço subótimo deve satisfazer a seguinte

equação: (Pi CMi)/Pi = /(1+ ).(1 /ei) onde, Pi = preço do bem i; CMi = custo marginal do bem i;

= preço-sombra do equilíbrio orçamentário (Ramsey number); ei = elasticidade-preço da This pricing rule is, perhaps, the best known result of the entire literature on efficient public utility pricing, apart from the first-

best rule of setting price equal to marginal cost The general

approach is to try to locate levels of consumption which are price-inelastic, and try to make these regions of consumption contribute as much as possible to the total costs of the firm. Consumers in price-elastic regions must be priced close to marginal cost

preços superiores aos custos marginais, contradizendo a igualdade básica da teoria marginalista. Por último, o modelo não incorpora propriedades de incentivos para a firma regulada, uma vez que as funções de custo e de demanda são exógenas, ou seja, ele não considera o esforço da firma para diminuir os custos ou melhorar a qualidade do produto (Laffont e Tirole, 1993) 15.

Em outro trabalho, Boiteux (1960) estudou o problema da falta de capacidade, em determinados períodos de tempo, do serviço de distribuição de energia elétrica, dado que a respectiva tecnologia não permite a armazenagem ou estocagem desse tipo de energia. De acordo com Boiteux, os preços devem refletir os diferentes custos marginas concernentes ao nível de utilização da capacidade instalada: nos períodos de capacidade ociosa, o custo variável deve ser utilizado para satisfazer a demanda marginal e nos momentos de plena utilização da capacidade, os preços devem sinalizar o custo da expansão da capacidade para atendimento dos picos de demanda.

O trabalho de Boiteux16 ampliou o alcance da teoria da precificação pelo custo marginal,

pois incorporou demandas variáveis e determinísticas e casos onde as demandas de pico e fora de pico são ou não independentes17. Em seguida, Carlton (1977) estendeu a teoria de Boiteux ao analisar conjunturas em que a demanda é estocástica. O impacto da ideia de Boiteux foi tão expressivo, que, atualmente, ela é aplicada em várias atividades, sejam elas reguladas (telecomunicações, transporte aéreo, etc.) ou não (hotelaria).

15 É importante destacar que o modelo Ramsey-Boiteux pode não ser equitativo em termos de

distribuição do excedente econômico. Na indústria de água e esgoto, por exemplo, é difícil defender, do ponto de vista sóciopolítico, uma precificação relativa superior para os consumidores de baixa renda, considerados menos sensíveis às variações de preços. De

Ramsey pricing of water presents a difficulty in terms of equity because lower income consumers with inelastic demands will pay a higher unit price relative to those whose demand is more elastic such as higher income residential or industrial consumers.

16 Internacionalmente, a teo peak-load pricing 17

peak-load pricing