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3 INDÚSTRIA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA POTÁVEL E

3.3 História Recente da Regulação da Indústria Brasileira

A precificação regulada praticada atualmente pela maioria das companhias brasileiras de saneamento foi concebida, de maneira formal e unificada, no âmbito da implantação da ditadura militar no país. A partir de 1964, o regime militar centralizou o planejamento, o financiamento e a regulação da área de saneamento básico, por meio da criação das seguintes instituições federais: a) Banco Nacional de Habitação BNH (Lei 4.380, de 21/08/1964), que era o órgão gestor do Sistema Financeiro de Saneamento - SFS e coordenador do Plano Nacional de Saneamento Básico - Planasa; b) Fundo de Garantia de Tempo de Serviço FGTS (Lei 5.107, de 13/09/1966), principal fonte de recursos do BNH, que, a partir de 1969 (Decreto-Lei 949, de 13/10/1969), passou a compor o funding necessário ao financiamento dos projetos de água e de esgoto; c) Planasa (1971), que foi o instrumento efetivo de planejamento global das ações de saneamento básico, cujo objetivo principal era eliminar o déficit de saneamento no país (Acqua-Plan, 1995).

Como a prestação dos serviços de água e de esgoto estava pulverizada entre os municípios, o Planasa buscava concentrá-la nos estados a fim de alcançar os seguintes propósitos: a) obtenção de economias de escala e de escopo; b) implantação de uma política de subsídios

22 Para uma leitura mais abrangente, além da área tarifária, sobre a história do saneamento no

Brasil, sugere-se consultar a obra de Rezende & Heller (2008). Eles analisam as ações e políticas de saneamento ao longo da história brasileira, tanto na esfera pública quanto privada, com ênfase na sua relação com a saúde e identificando seus determinantes sociais, econômicos e culturais.

a adoção de uma tarifa não diferenciada espacialmente permitia que os municípios de rendas maiores subsidiassem os de menores (Brasil, 2005). Além do mais, o Planasa pretendia instituir uma política tarifária que refletisse o efetivo custo dos serviços e não onerasse o orçamento público (Faria & Faria, 2004).

Durante a década de 70, com vistas a ser beneficiada com os recursos do BNH, a maioria dos municípios teve que conceder a prestação dos serviços para os estados23, pois as companhias estaduais de saneamento básico (conhecida na literatura como CESBs) eram o único ente estatal credenciado para a obtenção desses recursos24. Os municípios que não

assinavam o contrato de concessão eram excluídos do Planasa e tinham que financiar os respectivos investimentos com recursos de outras fontes, especialmente do orçamento municipal (Soares et al., 2003).

A Lei 6.528, de 11/05/1978, concentrou a elaboração das normas gerais de tarifação do saneamento básico, bem como a fiscalização da sua aplicação, no Ministério do Interior. As CESBs realizavam estudos para fixação de tarifas, de acordo com as normas expedidas pelo Ministério do Interior (artigo 2º). As tarifas deveriam obedecer ao regime do serviço pelo custo, garantindo ao responsável pela execução dos serviços a remuneração de até 12% (doze por cento) ao ano sobre o investimento reconhecido (§ 2º, do art. 2º).

O Decreto 82.587, de 06/11/1978, que regulamentou a Lei 6.528, detalhou as normas gerais de tarifação, as quais, até hoje, são aplicadas pela maioria das CESBs. No custo dos serviços deveriam ser incluídas: a) despesas de exploração (despesas de operação e manutenção; despesas comerciais; despesas administrativas; e despesas fiscais, excluída a provisão para imposto de renda); b) depreciações dos bens vinculados ao imobilizado em

23 Conforme Turolla (2002), apenas cerca de mil municípios, um quarto do total existente na

época, mantiveram a autonomia na gestão e na operação dos serviços.

24 A partir de 1985, os órgãos municipais autônomos começaram a ser beneficiados com os

recursos do Planasa nas mesmas condições das CESBs, em que o BNH chegava a financiar 50% do valor do projeto (Bettine, 2003).

operação, provisão para devedores duvidosos e amortização de despesas de instalação e de organização; c) remuneração do investimento reconhecido (imobilizações técnicas, ativo diferido e capital de movimento) resultado da multiplicação da taxa de remuneração autorizada (até 12% ao ano) pelo investimento reconhecido. No artigo 29, o decreto

reajustes para um período de 1 25.

O modelo Planasa foi relativamente eficaz na sua função de ampliar a cobertura dos serviços26, porém, com o advento da crise econômica dos anos 80, esse modelo entra em

declínio devido, principalmente, aos seguintes fatores: a) redução significativa da capacidade financeira do modelo para atender as elevadas taxas de crescimento da população urbana; b) desmonte do aparato institucional, especialmente após a Caixa Econômica Federal (CEF) incorporar o BNH, em 1986; c) a promulgação da Constituição de 1988, que não admitia mais a centralização das políticas públicas, característica intrínseca do Planasa; d) desequilíbrio financeiro das CESBs, em virtude da ineficiência operacional, elevados custos financeiros27, investimentos imprudentes e uso político- econômico das tarifas como instrumento para redução das tensões inflacionárias (Arretche, 1999).

A década de 90 é marcada pela inexistência de um marco regulatório consentâneo com a Constituição de 198828, implicando ausência do controle federal acerca do processo de revisão tarifária. O principal vazio normativo, ainda presente, refere-se à titularidade dos

25 Atualmente, a maioria das CESBs não consegue implementar uma revisão tarifária de forma

anualizada, vez que essa revisão depende de aprovação do Governador. No meio político, convencionou-se como uma estratégia equivocada a revisão tarifária em ano de eleição.

26 mecanismo articulado de

27 Além dos custos decorrentes da indexação inflacionária, havia acabado a carência dos

empréstimos, aumentando de forma expressiva as despesas financeiras (Turolla, 2002)

28 A Constituição estabelece que seja de competência da União a instituição de diretrizes para o

serviços, em que a Constituição não indicou com precisão se o titular é o município ou o estado. Além disso, o vencimento dos contratos de concessão entre os municípios e as CESBs resultou, em diversos casos, na retomada dos serviços para os municípios prestá-los diretamente ou por meio de concessão à iniciativa privada (vide Tabela 3.9). O período é distinguido também pela criação de vários programas federais de financiamento (utilizando recursos de várias fontes: orçamentos governamentais, FGTS, bancos multilaterais, etc.) para ampliação da cobertura dos serviços29 e para modernização e desenvolvimento institucional da indústria30 (Zveibil, 2003).

Apenas em 2007, o Governo Federal sancionou a lei que estabeleceu as diretrizes nacionais para o saneamento básico (Lei 11.445, de 05/01/07). Contudo, para facilitar a aprovação da lei no Congresso Nacional, a questão da titularidade não foi solucionada, deixando essa controvérsia para o Supremo Tribunal Federal (STF). Com relação à precificação regulada, a lei de diretrizes é bastante flexível e permite a adoção de regimes incentivados, não incentivados e híbridos. A definição desse regime deve ser feita pelo regulador, ouvindo os usuários, o titular e o prestador do serviço (§ 1º, inciso II, do art. 38). A estrutura tarifária pode levar em conta categorias de usuários, distribuídas por faixas ou quantidades crescentes de utilização ou de consumo (inciso I, do art. 30).

Por influência do Planasa, foi adotada pela maioria das companhias do país uma estrutura tarifária formada por várias partes (multipart tariff): uma parte fixa e as outras variáveis. A parte fixa independe do volume de água consumido pelo usuário e a parte variável é função do consumo de água. No Brasil, optou-se por especificar a parte variável em blocos crescentes de consumo (Increasing Block Tariff IBT), em que o preço da água relaciona- se diretamente com intervalos crescentes e específicos de consumo.

29 Programa de Saneamento para Núcleos Urbanos (Pronurb), Pró-Saneamento, Programa de

Ação Social em Saneamento (PASS), Programa Social de Emergência e Geração de Empregos em Obras de Saneamento (Prosege) e Programa Funasa Saneamento Básico.

30 Programa de Modernização do Setor de Saneamento (PMSS), Programa Nacional de Combate

ao Desperdício de Água (PNCDA), Programa de Financiamento a Concessionários Privados de Serviços de Saneamento (FCP-SAN), Programa de Assistência Técnica à Parceria Público- Privada em Saneamento (Propar) e Programa de Pesquisa em Saneamento Básico (Prosab).

Para ilustrar, calcula-se a seguir uma conta de água e de esgoto de um cliente da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), de acordo com a tabela aplicada a partir de 11/09/2008 (Anexo I). Considera-se um cliente da categoria

m³) igual a R$ 13,06 mais a parte variável (bloco 2: 10 m³ x R$ 2,04 = R$ 20,40; bloco 3: 15 m³ x R$ 5,09 = R$ 76,35) igual a R$ 96,75, totalizando R$ 109,81 de água como a conta de esgoto (R$ 109,81) é igual a de água o cliente pagaria o montante de R$ 219,6231.

3.4 Algumas Experiências Internacionais de Regulação de Preços