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Especificidades das relações cronotópicas: imbricamento de tempo-espaço no campo em estudo

ANO OBJETO DE ESTUDO ÁREA DE PESQUISA

5 APÓS O MERGULHO, A EMERSÃO: EM BUSCA DE ENCONTROS DA PALAVRA OUTRA E DA OUTRA

5.1 ENSINO DE PORTUGUÊS NA ESFERA ESCOLAR: OLHARES FOCADOS NOS RECURSOS GRAMATICAIS DA LÍNGUA

5.1.1 Especificidades das relações cronotópicas: imbricamento de tempo-espaço no campo em estudo

Conforme apontamos no preâmbulo deste capítulo, e em atenção aos eixos constituintes do Diagrama Integrado de que lançamos mão no processo analítico (ANEXO C), o olhar para as configurações cronotópicas se mostrou especialmente importante no percurso de geração de dados e, dentre os quatro eixos presentes no mencionado Diagrama, é o que ganha proeminência nesta seção. Tais configurações cronotópicas, como pode ser observado no Diagrama, dizem respeito à datação histórica e à caracterização espacial lócus para o encontro, no

âmbito das quais compreendemos valorações prevalentes quanto aos usos da escrita vernaculares ou dominantes, maior ou menor reversibilidade entre tais usos, assim como demandas interacionais da escrita na datação histórica em questão.

Tomando a aula de Língua Portuguesa como encontro, na ressignificação que vimos propondo aos sentidos atribuídos por Ponzio (2010a) a esse conceito, aula esta – no nosso caso – cujo objeto cultural materializado no ato de dizer diz respeito, em grande medida, à gramática normativa e/ou taxionômica, característica da tradição escolar (com base em SAVIANI, 2008 [1983]), inferimos haver complexos hiatos, que nos desafiam como docentes, entre conteúdo programático dessa mesma aula e vivências com a linguagem por parte dos estudantes, numa alocação espaço-temporal dupla: aquela referente aos objetos culturais postos em discussão nas aulas em que imergimos no interior da esfera escolar e, consequentemente, às atividades empreendidas em prol do ensino deles, e aquela concernente ao tempo e ao espaço em que estão inseridos/de que fazem parte os alunos das duas turmas em questão quando desimcubidos do exercício de seu papel social (com base em HELLER, 2014 [1970]) de ‘estudante’, isto é, tomados em sua singularidade, dissociação que coloca em xeque a constituição da aula como encontro da palavra outra e da outra palavra. O intuito, nesta primeira subseção, é descrever analiticamente o que nos foi dado vivenciar em campo, no sentido de problematizar o que compreendemos como assincronicidade entre alunos e objetos culturais tematizados no ensino, por ocasião do tratamento dado à educação linguística, em geral, e ao ato de ler, em particular, a partir do uso mais efetivo ou menos efetivo do livro didático da disciplina.

Em ambas as turmas, entendemos haver o endereçamento de esforços em prol do ensino de classes gramaticais e funções sintáticas, tal qual evidenciado em nota materializada em (1) e nos excertos (2) a (5) anteriores, o que se reitera em: (6) É mais gramática, mesmo. (HML., sétimo ano, entrevista 2015), resposta do aluno à pergunta sobre conteúdos estudados nas aulas de Português, muitos dos quais parecem inquietar alguns estudantes, como inferimos nas enunciações (4) e (5), questão também tematizada na roda de conversa com os alunos do sétimo ano (eixos norteadores no APÊNDICE L). Ao serem questionados sobre suas opiniões acerca do estudo de tópicos gramaticais, HML. registra que (7) A gente gosta:::mas...é aquele assunto que:::já tá meio enjoado, né?., enquanto que WOH. enuncia: (8) Teve uma ou outra matéria que eu gostei de estudar em Português. O resto foi tudo assim (...) a maioria das coisas eu falava assim: Quero dormir! É uma chatice! ((risos)). (Sétimo ano, roda de conversa 2015, ênfase em negrito nossa).

Nesta reflexão, importa o registro de que não compartilhamos com abordagens focadas na ‘fruição’ e na isomorfia com o cotidiano dos alunos; ao contrário, entendemos que a escola é espaço para problematizar esse cotidiano, no já mencionado tensionamento com a história (com base em BRITTO, 2012; HELLER, 2014 [1970]). Assim, alinhamo-nos a Britto (2012) quando adverte para o equívoco da ‘pedagogia do gostoso’, o que remete à exacerbação da ‘fruição’ na contemporaneidade (com base em GIDDENS, 2002). Compreendemos, pois, que os objetos culturais tematizados nas aulas de Língua Portuguesa não podem ter como critério de seleção convergência com posicionamentos tais. Tem de haver, como assinala Britto (2012), esforço no processo de aprendizagem, tendo presente, no caso desta tese, a ancoragem teórica na categoria trabalho como fundante da reflexão que empreendemos.

Isso significa assumir que a escola não é lugar de ‘prazer’, é lugar em que atividades de aprendizagem movem o desenvolvimento psíquico do sujeito (com base em VIGOTSKI, 2007 [1978]). Parece-nos certo, assim, que o ‘prazer’, a ‘fruição’, o ‘deleite’, compõem esse processo, mas seguramente não constituem o seu fio condutor, o qual entendemos ser a atividade humana, no sentido que Leontiev (1978) dá ao conceito; logo, reiteramos, implica trabalho. Assim, colocar em questão nossas ações escolares no que entendemos serem dissociações nas configurações cronotópicas entre o que é da escola e o que é dos estudantes não implica nenhum tipo de defesa da escola como ‘fruição’, nem apriosionamento ao ‘cotidiano’ em que tais estudantes se inserem.

De todo modo, porém, entendemos que esse posicionamento por parte dos adolescentes pode ter implicações na dissociação que parece haver entre tais objetos culturais e as vivências com a linguagem que caracterizam os alunos no que diz respeito às demais esferas da atividade humana pelas quais transitam e/ou nas quais se inserem. Nesse caso específico, é nossa vontade transcender discussão já amplamente empreendida na literatura da área voltada à educação linguística no que concerne ao ensino de conhecimentos gramaticais (a exemplo de BRITTO, 1997; GERALDI, 1997; FARACO, 2008), e sobre a qual, portanto, nos sentimos desincumbidos de lançar novas luzes. Tal propósito de transcendência nos remete a discussões de Lillis (2001) sobre a prática do mistério, ainda que essa autora lide com o Ensino Superior; não raro o que está sendo tematizado ou requerido no âmbito dos processos de ensino afigura-se, para muitos estudantes, como: ‘parece claro para todos, mas não é claro para mim; então, seria um equívoco eu perguntar sobre’.

Aqui ensaiamos intervenção nesse conceito da autora britânica: parece que escola, professores e autores do livro didático em uso, no campo de pesquisa, acordam acerca da importância do ensino de tais objetos culturais – conhecimentos gramaticais normativos/taxionômicos –, mas as vivências dos estudantes não sustentam o processo de aprendizado que deveria estar em curso, o qual requer como condição sine qua non a atenção seletiva (VYGOTSKI, 2012 [1931]), e esta seguramente é incompatível com o que se mostra um mistério: manter o foco da atenção no que não é compreensível é esforço hercúleo. Assim, reiteram-se demandas escolares sobre tais conhecimentos gramaticais, reputando-lhes uma relevância que persiste na mencionada condição de mistério, reiterado pela abordagem metodológica sob a qual nós, docentes, os tomamos, o que retoma configurações cronotópicas de filiação sistêmica (VOLÓSHINOV, 2009 [1929]) característica de meados do século XX. Sem discutir a adequação do enfoque nesses objetos culturais, questão já amplamente estudada na área, arriscamos pensar que, em havendo tal enfoque, se tais objetos culturais fossem tematizados sob contornos metodológicos menos distantes das configurações cronotópicas que caracterizam a imersão desses estudantes (com base em DANESI, 2013) talvez o mistério se evanescesse minimamente.

Parece relevante mencionar a possível origem de ações de ensino assim desenhadas, o que tributamos, em parte, à formação inicial e/ou continuada de boa parte dos professores em nível nacional sobretudo aqueles licenciados nos anos 1980 e 1990, o que se estenderia às professoras participantes desta pesquisa. Como é indicado no questionário por nós aplicado com essas profissionais (APÊNDICE F), GRF. informa ter concluído o curso de licenciatura dupla – Português e Italiano – no ano de 1999, período em que a perspectiva sociologista (com base em WEEDWOOD, 2002) no trato com a linguagem mostrava-se ainda incipiente em virtude de sua recente entrada em território nacional. Traduções para o português de M. Bakhtin e de seu Círculo datam de meados da década de 1990; já, quanto a L. Vigotski e seus seguidores, isso se deu na década anterior, 1980, mas o autor tendeu a ficar restrito ao campo da Pedagogia – o que remete à discussão que empreendemos na introdução desta tese quando apresentamos os estudos já feitos na área. Assim, postulados dessas abordagens sociologistas começaram a ganhar corpo, nas redes de educação, por meio da publicação dos PCNs no final da década de 1990. Durante a entrevista conosco (APÊNDICE I), GRF. afirma: (9) Eu tive muito [gramática] porque a minha professora de Letras era muito gramatiqueira, então assim óh...gramática quatro horas

direto...eu tive muito, muito, muito. (GRF., entrevista 2015). Já na especialização, o foco parece terem sido questões mais genéricas, de suporte ao ensino, distintas da literatura específica da docência em Língua Portuguesa.

(10) Eu fiz a minha pós-graduação em Didática e Metodologia

do Ensino (+) então eu não entro na sala de aula sem planejamento e eu não começo meu ano sem saber o que eu vou trabalhar durante aquele ano, eu aprendi isso e:::é uma das coisas que eu sempre trago comigo...e minha Pós foi muito válida. Eu aprendi até como apagar um quadro, que tem professor que não sabe nem apagar um quadro...tu tem uma metodologia pra TUDO, tem técnica pra tudo. (GRF., entrevista 2015).

Tendo em vista a formação inicial de GRF. que parece estar fundamentada numa perspectiva de ensino de dimensão enciclopédica do conhecimento no que diz respeito à abordagem taxionômica e/ou normativa, entendemos como justificado o olhar acerca do trabalho com tópicos gramaticais em aula, porque compreendemos que, a despeito dos trinta anos decorridos de discussões sobre um ensino operacional e reflexivo de linguagem (GERALDI, 1997; BRITTO, 1997), essa parece ser ainda uma questão especialmente complexa para boa parte dos professores, como mostram estudos em nosso Grupo de Pesquisa (IRIGOITE, 2011; 2015; PEREIRA, 2015; GIACOMIN, 2013). Pelo que se nos afigurou, o curso frequentado por GRF. facultou-lhe uma formação eminentemente sistêmica de língua, perspectiva que toma língua como um conjunto fechado, um sistema abstrato, conhecida discussão a partir de Volóshinov (2009 [1929]), abordagem característica das décadas de 1970 e 1980. Formação análoga pode ser inferida no excerto (10), em que GRF. aponta a importância de técnicas para as ações docentes, o que suscita posturas da pedagogia tecnicista desse período, como mostra Saviani (2013). Ao que parece, a forma como a realidade natural e social é interpretada (com base em VOLOCHÍNOV, 2013 [1930]) no que se refere a dar aula de Português e a concepção de língua em menção desobrigam qualquer atenção mais efetiva para estratégias do ato de dizer em atividades de leitura e de produção de texto, tal qual indicado em documentos oficiais norteadores dos processos de ensino e de aprendizagem de Língua Portuguesa (BRASIL, 1998; 2015; SC, 1998; 2014) e na literatura da área (GERALDI, 1997; 2010a; BRITTO, 1997; 2012; BATISTA, 1997; FARACO, 2008 entre outros).

Isso é sinalizado em outra resposta dada – agora, durante roda de conversa com as professoras (eixos norteadores seguem no APÊNDICE G) – a questionamento acerca da natureza e da importância do ensino de gramática: (11) Eu digo [para os alunos] que eu estou fazendo uma cidade..., pra fazer eles entenderem o que é PELO MENOS as classes de palavras. (...) O ensino de gramática seria pra escrita, também...pra escrita e pra fala. (GRF., roda de conversa 2015). Na primeira parte da resposta, inferimos, conforme mencionado anteriormente, uma visão sistêmica de língua, caracterizada por uma base estrutural, o que se indicia no estabelecimento de comparação do ensino de gramática com a construção85/estruturação de uma cidade; na parte final da enunciação,

inferimos um olhar que suscita uma abordagem cognitivista no tratamento com a linguagem, uma vez que indicia o pressuposto de correlações entre estudar gramática e qualificar atividades individuais de fala e escrita, na relação estreita entre ‘sujeito/objeto’, concebida distintamente das vivências dos alunos, com sua língua, em práticas sociais outras que não somente aquelas da esfera escolar.

Quanto à professora SHP., informou-nos ter finalizado seu curso de graduação no ano de 2008 e, assim como GRF., tem desenvolvido seu trabalho autonomamente em relação a cursos de formação continuada específicos da disciplina, o que acreditamos se dar em virtude da escassez de ofertas de vagas para tais cursos por parte da Secretaria do Estado de Santa Catarina, considerando que a coordenadora do Laboratório de Língua Portuguesa, em situação informal de interação, titubeou ao informar se ou quando cursos foram/são oferecidos aos docentes da instituição escolar, rarefação de oferta esta que, a nosso ver, tende a procrastinar possíveis processos de ressignificação por parte de nós, educadores, no que diz respeito à educação linguística. Como esse tema já foi problematizado em Catoia Dias (2012) e foge ao escopo desta tese, não nos debruçaremos sobre ele.

Aqui, merecem atenção as reflexões de Halté (2008 [1998]) acerca dos conhecimentos agenciados pelos professores nos processos de elaboração didática. Embora, como mostra o autor, não são apenas os conhecimentos científicos que compõem tais processos de elaboração didática, parece-nos que esses conhecimentos – do âmbito da habilitação profissional – são capitais em tais processos e, quando eles se mimetizam com as práticas sociais de referência da esfera escolar, tendem a reproduzir a chamada tradição dessa mesma esfera, perdendo-se o liame

85 Ainda que o termo ‘construção’ seja usado aqui, não entendemos haver relações com o enfoque

que une a ação docente com o estado da arte das esferas científica e acadêmica. Os percursos de formação continuada tendem a alimentar esses liames e, quando esses percursos não acontecem, a força da tradição escolar parece suplantar os conhecimentos científicos no dia a dia escolar, tornando a elaboração didática docente muito comprometida com configurações cronotópicas de tempos pretéritos. Entendemos ser esse o ‘pano de fundo’ de nossa imersão em campo. E, em casos tais, quando o projeto de autoria do livro didático usado arrisca estabelecer tais liames, criam-se hiatos de outra ordem de que trataremos à frente.

Ainda em relação à ocupação com conceitos e classificações gramaticais, vivenciamos um considerável número de aulas em que prevaleceu outra importante característica de configurações cronotópicas pretéritas se considerada a imersão cronotópica dos estudantes das classes em questão: transposição de conteúdos e atividades de fixação no quadro de giz, como exposto nas notas de campo seguintes:

(12) SHP. inicia a aula perguntando aos alunos se recordam do que foi visto na última aula – ‘sujeito simples’, ‘sujeito composto’, ‘sujeito oculto’ – e explica ‘classificação de sujeito’. Um aluno responde à professora o que é sujeito simples e sujeito composto. SHP. conceitua ‘sujeito oculto’ a partir de uma frase transcrita no quadro de giz. Ao questionar a turma acerca do sujeito oculto na frase em questão, uma estudante dentre os alunos responde, e o faz acertadamente, à professora. Findada a breve explicação, SHP. transcreve um exercício de fixação no

quadro a fim de que os alunos copiem – atividade de

classificação de sujeito a partir de frases. (Nota n. 3,

Diário de campo, sétimo ano, 2015).

(13) GRF. solicita a uma aluna que transcreva no quadro a

continuação do conteúdo ‘oração subordinada

substantiva’. Enquanto a aluna o faz, a professora chama os alunos, um a um, em sua mesa a fim de dar visto nos cadernos. Tendo concluído esse processo, a professora

retoma, ela mesma, a transposição da matéria no quadro

– estruturas de oração principal e expressões na voz passiva –, via definições e exemplos. Finalizada a cópia, GRF. informa que na aula seguinte explicará o conteúdo.

(Nota n. 2, Diário de campo, nono ano, 2015).

Em ambas as turmas, o quadro de giz para transposição de tópicos e exercícios gramaticais, tanto quanto para cópia de textos destinados à

leitura constituiu recurso importante nos espaços em que imergimos. Inferimos que isso se dê, possivelmente, por dois motivos: (i) inexistência de aparelhos tecnológicos em cada uma das salas de aula, e (ii) estabelecimento de cota de xerografia para cada professor no setor de fotocópias da escola, cota cuja limitação termina por implicar destinação exclusiva a provas, conforme nos informou GRF: (14) Finalizada a prova, GRF. explica que, na escola, há uma cota de xerografia destinada a provas para cada um dos professores e que o serviço, em geral, funciona muito bem. (Nota n. 25, Diário de campo, nono ano, 2015). É importante considerar que, tal qual o debruçar-se sobre um trabalho com gramática normativa ou taxionômica, a transposição de tópicos, atividades e textos no quadro de giz suscita uma ação pretérita, também vinculada a um período em que se sobrepunha uma perspectiva sistêmica sobre a língua, comum a uma pedagogia tradicional, no modo como a toma Saviani (2008 [1983]).

Nesse âmbito, uma questão ganha especial importância para as finalidades deste estudo: o livro didático disponível à classe. Pela lógica sob a qual o Programa Nacional do Livro Didático se estabelece, como já registramos nesta tese, a disponibilidade de recursos para reprografia é, em tese, desnecessária: as aulas constam no livro disponível aos alunos; então, o que e por que reprografar? Como escrevem Geraldi e Geraldi (2012, p. 43), “qualquer pedido de outro material ou a recusa em usar o que o governo dá sempre traz consequências para o professor”, já que “o que deve ser ensinado e mesmo como deve ser ensinado” constaria em tais livros, “segundo as avaliações prévias realizadas pelos especialistas”. Como discutiremos à frente, porém, quando o conteúdo do livro didático constitui a prática do mistério (LILLIS, 2001), agora para o professor, esse artefato é secundarizado, e retoma-se configuração cronotópica pretérita, o quadro de giz e a cópia. De que outro recurso poderíamos dispor nós professores, então? Parece-nos, aqui, que essa replicação de ‘aula de outros tempos’ é contingencial ao agir docente se considerada a coerência com os propósitos a que tal agir se presta nesses contextos específicos.

Tendemos a conceber como amplamente consensual que às configurações cronotópicas atuais, marcadas por uma relação cada vez mais crescente com a textualização escrita por parte dos estudantes, convergeria uma ação didática ocupada com textos em gêneros do discurso, veiculados em seus suportes efetivos, condição para que, na língua em uso, nas implicações das estratégias do ato de dizer em textos produzidos e lidos pelos alunos, os recursos lexicais e gramaticais agenciados nos projetos de dizer fossem foco de discussão, a fim de

atender a determinado objetivo interlocutivo, o que se estende aos elementos não-verbais constituintes de tal ato (com base em GERALDI, 1997; BAKHTIN, 2010 [1952/53]). Em paralelo a tal questão, caminha a reflexão acerca do uso de aparelhos tecnológicos no interior das salas de aula, ponto que abriremos mais à frente nesta mesma subseção.

Como, porém, conceber essa compreensão tão largamente consensuada nas últimas décadas na esfera acadêmica quando, na esfera escolar¸ nós, professores, somos institucionalmente desincumbidos de perseguir outros recursos didáticos, tendo de anuir ao conteúdo do artefato (HAMILTON, 2000) de que dispomos, o livro didático, cujo programa federal implica custos substancialmente elevados (com base em CASSIANO, 2007)? Em não anuindo às propostas do livro didático que temos diante de nós, boa parte do conteúdo do artefato – a despeito de seus elevados custos – vira letra morta, e nós, professores, forçosamente retornamos ao quadro de giz; já os alunos, vendo-se em cronotopo desconhecido, exaurem-se ante esse mistério. Ainda quanto a isso, o argumento de que o livro é uma ‘escolha docente’ parece em xeque, do que trataremos mais adiante.

Tal prática de uso de quadro e giz, adjetivada aqui como ‘pretérita’, é foco de avaliação por parte dos estudantes com quem interagimos, como inferimos no excerto (2), quando o aluno menciona exaustão no desafio de conciliar a cópia do objeto de estudo e a atenção seletiva (VYGOTSKI, 2012 [1931]) ao conteúdo dele, do que decorre mecanicidade: (15) Quando só copia, só copia, só copia e a gente nunca respira quase...a gente não vai:::na minha opinião, a gente não vai conseguir aprender, porque com o tempo a gente vai ficar cansado, vamos nos cansar daquilo e não vamos prestar atenção. (BUT., sétimo ano, entrevista 2015, ênfase em negrito nossa). Assim como BUT., os demais alunos com quem interagimos em entrevistas e rodas de conversa sugeriram inquietação em relação à prática de cópia do quadro. Alguns mencionaram sonolência, outros qualificaram como exacerbado esse recurso; alguns, ainda, expressaram uma inclinação a aulas com mais conversação ou leitura de livros – reflexão que abriremos na seção seguinte. BUT. registra: (16) SHP. [a professora] copia três dias seguidos a mesma matéria, entre aspas a mesma coisa e:::tipo, três folhas, juntando as quatro aulas (+) três dias com a mesma matéria /.../. HML. complementa registrando que (17) SHP. é a segunda professora que mais passa matéria no quadro. (Sétimo ano, roda de conversa 2015). Em (16), reitera-se a prática do mistério (LILLIS, 2001), nos contornos que vimos propondo tomar esse conceito: ‘tudo no quadro parece ser o mesmo o tempo todo’. BUT. provavelmente não distinga especificidades do que copia não porque não

as haja, mas porque elas não são objeto de sua atenção. A mecanicidade