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5. A relevância de Chanel

5.2 A estética Chanel

5.2.3 Estética masculina

A temática relacionada ao dandismo também abre caminho para uma questão fundamental dentro da estética de Coco Chanel: sua inspiração no vestuário masculino. Desde

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a primeira década do século XX, quando ainda vivia com Étienne Balsan em Royallieu, Chanel já utilizava peças retiradas do guarda-roupas masculino em sua rotina diária.

O hábito de misturar elementos estéticos de ambos os sexos foi ampliado com o início da sua relação com o vestuário esportivo, ainda no cenário de Royallieu, onde o polo era o passatempo de verão favorito da alta sociedade francesa. Apesar dos relatos posteriores sobre ainda sentir-se uma figura destoante em muitos eventos sociais desse período, o cenário das partidas de polo era um dos ambientes preferidos da jovem Chanel.

Devido a esse fascínio, apesar de ter chegado à Royallieu sem nenhuma intimidade com os cavalos, Gabrielle decidiu transformar-se em uma Amazona - título concedido às poucas mulheres da época que montavam a cavalo. De acordo com Chaney (2011), a jovem foi extremamente determinada na tarefa e obteve sucesso em poucos meses, se tornando uma exímia cavaleira e jogadora de polo.

Previamente ao seu envolvimento com o mundo esportivo, Chanel já apresentava resistência à indumentária desconfortável imposta às mulheres da época. No entanto, ao se tornar uma figura frequente nas partidas de polo, o uso de vestidos encorpados e pesados para cavalgar se tornou algo impensável para a jovem. Segundo Garelick (2014), dirigindo-se a um alfaiate, Chanel requisitou a confecção de uma roupa exatamente igual às vestes tradicionais utilizadas para a prática do polo: uma camiseta simples acompanhada por Jodhpurs - calças justas utilizadas popularmente pelos homens para andar a cavalo.

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A ligação de Chanel com o polo e a indumentária masculina seguiu durante sua trajetória ao lado de Capel, com quem dividia o amor pelo esporte e também compartilhava o gosto pela sofisticação dos cortes da alta-costura. Diferentemente de Balsan, que não apresentava interesse no universo da indumentária, Arthur Capel era considerado um dândi moderno - extremamente vaidoso e preocupado com a elegância. Receptivo aos gostos vanguardistas de Chanel, foi o jovem inglês quem proporcionou à jovem Gabrielle a sua primeira roupa feita verdadeiramente sob medida para o seu corpo, estilo e personalidade:

And she continued to fancy masculine-style riding attire, too. Seeing this, Boy insisted her riding clothes be of the finest material and cut: “Capel said to me, ‘I am going to have your clothes redone elegantly, by an English tailor.’” He sent her to the finest British menswear tailor in Paris and had a suit made for Coco that fit her to perfection— a long, slim, asymmetrical jacket and trousers, in a shimmering pearl gray. Coco wore the outfit when she and Boy visited Royallieu to go riding with Balsan—with whom they stayed on good terms. Coco’s newfound elegance stunned the old gang. (Garelick, 2014, p. 133)

O fascínio da jovem foi certeiro: o caimento impecável e elegante do traje feito sob medida era a materialização da silhueta feminina aspirada por Chanel - e agiu como um estímulo para o uso ainda mais contínuo de peças masculinas durante a sua rotina. Nesse cenário, não é surpreendente apontar como as peças masculinas marcaram presença desde as primeiras coleções de Chanel. Para isso, a estilista utilizou duas abordagens distintas: a equivalência e a customização.

Por um lado, Chanel considerou determinadas peças como unissex, criando modelos análogos aos utilizados originalmente pelos homens. Isso foi visível logo em suas primeiras coleções, através de suéteres, chapéus em cores sóbrias e casacos com cortes alinhados. Para outras peças, a estilista realizou adaptações para o gosto feminino: "as camisas de pescadores, gola alta e suéteres grandes, o suéter polo [...] tudo isso ela modificou para as mulheres. A camisa polo, por exemplo, tornou-se uma túnica de gola aberta e cinto, com mangas arregaçadas.” (Chaney, 2011, p. 147).

Garelick também destaca as técnicas inovadoras de customização aplicadas por Chanel desde o início da sua: "uma de suas primeiras inovações envolveu abrir a frente das blusas masculinas e adicionar botões ou guarnição de fita - dando origem ao precursor do cardigã, que mais tarde se tornou um de seus itens básicos. " (Garelick, 2014, p. 160).

Na dissertação de Mestrado "Mademoiselle Chanel”: um discurso entre a magia do glamour e a eloquência da solidão (2015), a pesquisadora Letícia Assunção destaca uma certa

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ambiguidade no estilo de Chanel, alcançando simultaneamente espaços femininos e masculinos. Assunção propõe o termo "corpo vestido" (Assunção, 2015, p. 125) de Chanel para apresentar a silhueta que se tornou um modelo para tantas outras mulheres. Nesse contexto, o "corpo vestido" de Coco Chanel é descrito como um "corpo plural", composto por elementos femininos e masculinos.

[...] o “corpo vestido” da estilista, se constrói a partir de uma materialidade austera e imponente e, ao mesmo tempo, sofisticada e enigmática, em um aprendizado de tornar- se um corpo duplo: feminino e masculino. O “corpo vestido” de Chanel pode ser descrito como um corpo plural, inscrito em uma área fronteiriça que sintetiza os atributos considerados valorosos para ambos os sexos. (Assunção, 2015, p. 125) A presença dessa essência dupla foi fundamental para a construção da estética característica da casa Chanel. Alguns anos depois, a partir da década de 20, a expressão "à la garçonne"10 se transformaria em um termo mundialmente utilizado para descrever Coco Chanel e todas as mulheres que adotavam uma aparência feminina com traços masculinos