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Com o golpe militar de abril de 1964, corroborado por segmentos da elite civil, inaugurou-se nova fase na vida política brasileira, caracterizada fundamentalmente pela hipertrofia do Estado e de seus mecanismos de intervenção e pela dissociação crescente entre o poder político e a sociedade civil. Caracterizando tal ruptura da ordem institucional política como não exclusivamente militar, mas com a participação de setores significativos da sociedade civil, como o empresariado em geral, devemos considerar que, se por um lado, a dissociação entre poder político e sociedade civil realmente existiu, e alcançou sua exacerbação a partir de dezembro de 1968, por outro lado, houve uma preocupação constante da parte daqueles que dominaram o aparelho de Estado em se fazer legitimar, ou mesmo, em criar mecanismos que possibilitassem uma legitimação do seu poder político. Em seus primeiros momentos, o regime recém-instaurado preocupou-se em reprimir e fazer calar os setores populares: sindicatos, ligas camponesas, associações populares em geral foram alvo da repressão desencadeada nos meses seguintes ao golpe de abril de 1964. Vale ressaltar, entretanto, as palavras de Roberto Schwarz: “apesar da ditadura da direita há relativa hegemonia cultural da esquerda no país” (Schwarz, 1992: 62). Mesmo nos grandes centros urbanos do país, como Rio de Janeiro e São Paulo, onde uma classe média conservadora tomara as ruas em obediência à convocação de lideranças civis que apoiavam o golpe, a produção cultural, já nos últimos meses de 1964, retomava as temáticas e as propostas dos grupos de esquerda, articulados no movimento estudantil, entre os artistas e os intelectuais em geral, renovando suas palavras de ordem originárias do período 1961-1964 e acrescentando, à necessidade de reformas sociais e ao anti-imperialismo, a luta pela retomada das liberdades democráticas (Schwarz, 1992: 62-63).

O Estado autoritário construído no Brasil após 1964 guardava contradições e ambiguidades próprias do estágio de desenvolvimento econômico em que se encontrava a sociedade brasileira e da constituição política e social que dava margem a inúmeras pressões,

quer fossem de setores que combatiam e faziam oposição ao regime instituído pelo golpe militar de abril de 1964, quer fossem daqueles que apoiaram ostensivamente a derrubada do governo constitucional de João Goulart, mas que constituíam um grupo por demais heterogêneo para se identificar, como conjunto, numa única forma devidamente delineada de regime autoritário. Assim, concordamos com Suzeley Kalil Mathias (Mathias, 1995: 29-31), ao adotar a definição de Juan Linz para determinados regimes autoritários latino-americanos estabelecidos nos anos sessenta e setenta.

Sistemas políticos com pluralismo político limitado, não responsável, sem ideologia orientadora e elaborada, mas com mentalidades distintas, sem mobilização política extensiva ou intensiva, exceto em alguns pontos do seu desenvolvimento, e no qual um líder ou, ocasionalmente, um pequeno grupo exerce o poder dentro de limites formalmente mal definidos, mas, na realidade, bem previsíveis. (Linz in Pinheiro, 1979: 121).

Tal definição permite-nos conceber um modelo de Estado autoritário que se situa entre os regimes totalitários e as democracias representativas. Sem abrir mão de alguns pressupostos formais, simbólicos e legais, esses regimes impõem-se perante a sociedade por meio de seu caráter altamente coercitivo, mas sem abrir mão da criação de situações de consenso. É extremamente difícil analisar o Estado autoritário brasileiro, no período compreendido entre 1964 e 1985, sem levar em consideração a sua capacidade de formulação de situações de consenso, nas quais, inclusive, obteve, por diversas vezes, amplo respaldo social e político. O governo Castelo Branco (1964-1967) representou a primeira fase da implantação desse Estado, justamente o seu momento de institucionalização. Essa ação pode ser medida e analisada mediante a imposição de quatro atos institucionais que serviram para aumentar as atribuições do Poder Executivo, atribuindo-lhe mais autonomia, e transformar as eleições para os executivos federal e estadual em indiretas, através do Congresso Nacional ou dos legislativos estaduais, quando fosse o caso. Por fim, com o Ato Institucional de n°4, praticamente impôs a um Congresso Nacional, devidamente depurado e enfraquecido, uma nova Constituição, que criou as bases do regime autoritário no Brasil, bem como a sua nova ordem econômica e social (Skidmore, 1988: 101-121; Borges in Ferreira, Delgado, 2003: 13- 42).

Esse Estado foi construído sobre uma base política e social conservadora, uma proposta econômica de caráter liberal, um alinhamento internacional com os Estados Unidos da América, no plano geral da Guerra Fria; no campo da produção cultural, porém, perdia espaço: após um breve período de alguns meses após o golpe militar, as propostas de esquerda

voltaram a ter hegemonia na produção cultural e a impor um debate que não era desejado por aqueles que apoiavam o regime militar: a defesa da cultura popular e da produção cultural nacional em contraposição à produção cultural massificada e estrangeira. Dando início a um processo de modernização econômica, cujo lastro era justamente a abertura dos mercados nacionais aos investimentos e produtos estrangeiros, bem como a expansão da indústria cultural, segundo os parâmetros de livre mercado, os detentores do poder preocupavam-se com essa hegemonia da esquerda na área cultural e traçaram uma estratégia clara de intervenção nessa área. Conforme Renato Ortiz assinala:

(...) Em termos culturais, essa reorientação econômica traz consequências imediatas, pois, paralelamente ao crescimento do parque industrial e do mercado interno de bens materiais, fortalece-se o parque industrial de produção de cultura e o mercado de bens culturais. (...) Evidentemente, a expansão das atividades culturais se faz associada a um controle estrito das manifestações que se contrapõem ao pensamento autoritário. (...) O ato censor atinge a especificidade da obra, mas não a generalidade da sua produção. O movimento cultural pós-64 se caracteriza por duas vertentes que não são excludentes: por um lado se define pela repressão ideológica e polítca, por outro, é um momento da história brasileira onde mais são produzidos e difundidos os bens culturais. Isto se deve ao fato de ser o próprio Estado autoritário o promotor do desenvolvimento capitalista na sua forma mais avançada. (Ortiz, 1988: 114-115). Essa intervenção positiva, por assim dizer, formuladora de propostas e práticas, teve início em novembro de 1966, com a criação do Conselho Federal de Cultura e do Instituto Nacional do Cinema, o primeiro grande passo nesse sentido.

O Conselho Federal de Cultura foi criado pelo Decreto-lei nº 74, de 29 de novembro de 1966, substituindo o antigo Conselho Nacional de Cultura, criado também por Decreto-lei, de nº 526, de 01 de julho de 1938, em pleno Estado Novo e revitalizado através do Decreto nº. 50.293, de 23 de fevereiro de 1961, que o subordinou diretamente à Presidência da República (Calabre, 2009: 57-62). O novo Conselho tinha suas atribuições ampliadas, em relação ao primeiro, e visava não só a assessorar o Estado no que se refere à formulação de políticas para a área cultural, mas, principalmente, à ação efetiva, com projetos próprios e dotação orçamentária para tal. Sua representação foi ampliada para 24 membros, enquanto o Conselho Nacional de Cultura possuía somente sete, dividido em quatro Câmaras: artes, letras, ciências humanas e patrimônio histórico e artístico nacional, além de um núcleo de assessoramente, que funcionaria como uma espécie de quinta câmara, e trataria da parte referente à legislação. Seu modelo copiava aquele do Conselho Federal de Educação e a escolha dos seus membros procurava refletir o que havia de mais representativo no campo da

cultura brasileira dentre os setores que apoiavam o regime militar, ou não faziam oposição aberta a ele.88

Dentre as atribuições do Conselho Federal de Cultura estavam a formulação da política cultural nacional, a articulação com órgãos federais e estaduais no âmbito da educação e da cultura de forma a viabilizar ações e projetos, a cooperação na defesa do patrimônio histórico e artístico nacional e o estímulo à criação dos Conselhos Estaduais de Cultura, de forma a fortalecer a federação e a promover atividades conjuntas com os governos estaduais na área cultural. No âmbito da formulação de uma política cultural nacional, o CFC destinou seus primeiros esforços à recuperação das instituições culturais federais, como a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional de Belas Artes e o Arquivo Nacional, que se encontravam em péssimas condições, devido ao abandono gerado pelas crises políticas e econômicas pós-1964 e pelo descaso do próprio Estado autoritário entre abril de 1964 e o início de sua intervenção na área cultural em 1966. No âmbito da articulação com Secretarias Estaduais e Municipais de Educação e seus congêneres na área cultural, o CFC logrou certo êxito ao apoiar a criação de bibliotecas, museus, arquivos públicos locais e espaços culturais em várias regiões do país. No âmbito da defesa do patrimônio artístico e histórico nacional, facilitado pelo trabalho que já vinha sendo desenvolvido pelo SPHAN, o CFC ajudou a articulação de uma política de valorização das cidades históricas brasileiras e a recuperação dos arquivos e da produção dos Institutos Históricos e Geográficos existentes em alguns estados da federação. Quanto à criação de Conselhos Estaduais de Cultura, o CFC alcançou seu maior êxito, pois, quando da sua implantação, no início de 1967, só dois estados contavam com conselhos estaduais, Guanabara e São Paulo; em 1971, todos os estados da federação já possuíam tais conselhos (Calabre, 2008: 63-66).

Outro passo importante na direção de uma presença maior do Estado na produção cultural foi dado em relação à área cinematográfica, com a criação do Instituto Nacional de Cinema, em novembro de 1966, por força do decreto-lei de n° 43, que não respeitou as discussões e as deliberações que vinham sendo feitas pelo Congresso Nacional desde o início dos anos cinquenta. Por meio de uma medida de caráter arbitrário, o governo criou um órgão com plenos poderes de intervenção na área cinematográfica, desde o fomento à produção, até a exibição de filmes. O Ato Institucional n°2, de 17 de outubro de 1965, transformara em indireta, através do Congresso Nacional, a eleição do Presidente da República e aumentara

88 Sobre o Conselho Federal de Cultura, cf. CALABRE, Lia. O Conselho Federal de Cultura, 1971-1974.

Estudos Históricos, Rio de Janeiro, nº 37, 2006, p. 81-98; e CALABRE, Lia. A Cultura e o Estado: as ações do

Conselho Federal de Cultura. In GOMES, Ângela de Castro (org.). Direitos e cidadania: memória, política e

consideravelmente as atribuições do Executivo, conferindo-lhe maior autonomia em relação ao Legislativo e ao Judiciário. Dessa forma, o Presidente poderia editar normas complementares ao Ato Institucional e legislar mediante decretos-leis toda vez que o assunto fosse de interesse para a segurança nacional. Obviamente, tratando-se de um Estado autoritário devidamente superdimensionado, perante um Judiciário e um Congresso ainda não totalmente dóceis e submissos, os assuntos de interesse para a segurança nacional tiveram a interpretação mais abrangente possível. A criação do INC, pondo fim a anos de debates e pressões políticas, foi um desses casos (Simis, 1996: 251-259).

Foi justamente este Estado, em período de institucionalização, que deu início à política de desenvolvimento da área cinematográfica; mais precisamente utilizando-se de instrumentos arbitrários criados por ele próprio para os casos de interesses que envolvessem a segurança nacional. A criação do INC naquele momento, portanto, foi mais objeto de críticas e divisor no meio cinematográfico, do que propriamente solução para a produção de cinema no Brasil. A forma de autarquia adotada daria margens a suspeições e a protestos da parte daqueles que se colocavam na oposição ao regime militar, principalmente dos cinemanovistas. O decreto- lei que criou o referido órgão previa a sua intervenção em todos os setores da atividade cinematográfica: legislação, financiamento, fomento à produção, fiscalização, investimentos na chamada área cultural (através da produção de filmes educativos e de publicações de cinema) e participação no mercado externo e em festivais.89

O debate em torno do INC subsistiu até a criação da Embrafilme, em 1969 e prendia- se à possibilidade de um “dirigismo” por parte do Estado e ao caráter autárquico do qual se revestia o Instituto. Para os seus defensores, notadamente aqueles vinculados à linha universalista, mais presente em São Paulo e bastante influente sobre o GEICINE, somente a estrutura autárquica permitiria ao INC desempenhar a contento suas tarefas de fomento, financiamento e fiscalização, reunindo amplos poderes para tal. A pouca atuação do INC na área de produção de filmes não chegava a constituir um grande problema, já que esse grupo Esse gigantismo serviu não só para tornar o referido órgão extremamente burocratizado e pouco ágil para atuar num mercado extremamente dinâmico e concorrido, como deu margem a constantes tensões, já que o Estado poderia controlar toda a atividade cinematográfica, estabelecendo orientação de caráter ideológico, pois reunia à sua disposição todos os instrumentos necessários para o completo controle da produção cinematográfica nacional.

89 ALTBERG, Júlia de Abreu. Op.cit. p.27-28. Sobre o debate em torno da criação do INC, cf. SIMIS, Anita.

Estado e cinema no Brasil. Op. cit. p. 251-259. Sobre a criação do INC, cf. tb. Instituto Nacional de Cinema, Filme Cultura, Rio de Janeiro, INCE, n. 1, 1966, p. 61; e Instituto Nacional de Cinema: Projeto e Exposição de

defendia uma liberalização do mercado, contribuindo aquele órgão somente com a administração de uma infraestrutura que possibilitasse a produção e não interviesse diretamente nela. Para os outros cineastas e produtores, ligados ao grupo nacionalista, principalmente os cinemanovistas, o importante seria cercear a margem de manobra do produto estrangeiro dentro do mercado nacional, apoiando a produção de filmes brasileiros e possibilitando sua colocação no mercado, o que só seria possível através de um órgão que tivesse agilidade, fosse o menos burocratizado possível e dispusesse de maior poder de intervenção.90

As tarefas atribuídas à autarquia foram numerosas e diversificadas. Tratava-se de um instituto com plenos poderes de atuação na área cinematográfica, centralizando funções como fiscalização, distribuição, importação, padronização de ingressos etc. Como tarefas a serem desenvolvidas podemos citar as seguintes: regular a importação de filmes estrangeiros, em conjunto com o Banco Central; regular a produção, a distribuição e a exibição de filmes nacionais; regular a ocupação das salas nacionais por filmes estrangeiros; formular uma política nacional de preços de ingressos; conceder financiamentos e prêmios a filmes nacionais; cadastrar produtores, distribuidores e exibidores; elaborar projetos de desenvolvimento da indústria cinematográfica; produzir filmes e diafilmes educativos ou culturais para estabelecimentos de ensino e congêneres (assumindo as funções do INCE, que seria extinto); selecionar filmes e orientar a participação nacional em festivais internacionais; estabelecer normas para coprodução com estrangeiros, bem como a realização de produções estrangeiras no país; e fiscalizar em todo o território nacional o cumprimento das leis e dos regulamentos concernentes à atividade cinematográfica.

Enquanto o primeiro grupo idealizava um órgão de fomento e fiscalização que se mantivesse neutro em relação ao mercado cinematográfico, o segundo grupo idealizava um órgão fortemente interventor, que se mantivesse neutro quanto ao conteúdo político dos filmes que apoiasse. A configuração de um Estado neutro, para ambos os lados, é reveladora das necessidades de cada um dos grupos em questão e dos conflitos existentes no meio cinematográfico, ainda que ambos vejam exclusivamente no Estado, e na sua intervenção, a solução para os problemas que afligiam a produção cinematográfica nacional (Ramos, J., 1983: 52-60).

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90 Sobre o debate entre universalistas x nacionalistas, cf. SIMIS, Anita. Estado e cinema no Brasil. Op. cit. p.

263-275. A autora considera de difícil precisão delimitar em termos exatos cineastas pertencentes a um grupo ou a outro, considerando que ideias consideradas nacionalistas poderiam receber unanimidade e, da mesma forma, determinadas propostas consideradas universalistas também poderiam ser adotadas por cineastas vinculados ao grupo nacionalista.

Em seu primeiro ano de trabalho, o INC atingiu muitos dos objetivos aos quais se propôs. Foi instituído o Prêmio INC, o qual se

tornou em pouco tempo importante fonte de financiamento da produção nacional; foi instituído o ingresso único, padronizado, válido em todo território nacional, como forma de aprimorar a fiscalização e o recolhimento dos tributos referentes ao mercado exibidor; foram estabelecidos 28 dias ao ano para exibição compulsória de curtas-metragens nacionais nos cinemas; a revista Filme Cultura, editada originalmente pelo INCE, passou ao INC e ampliou sua edição e sua distribuição nacional. Do ponto de vista dos convênios internacionais e da participação em festivais, a atuação do INC, inicialmente, foi tímida, visto que o lobby desenvolvido pelos cineastas ligados ao Cinema Novo, através de seus contatos na Europa, era muito eficiente e estes cineastas faziam uma ligeira oposição à atuação do INC, por esse instituto privilegiar as produções de cineastas que não eram ligados àquele movimento.92

O INC aproveitou-se da “Lei de Remessa de Lucros”, de n° 4131 de setembro de 1962, a qual no seu artigo 45 estabelecia o recolhimento de 40% do imposto devido sobre a remessa de lucros de filmes estrangeiros exibidos no Brasil para um fundo de fomento à produção cinematográfica nacional. No artigo 28, do decreto-lei que criou o INC, tal recolhimento tornou-se compulsório, dando margem a um sistema original de produção associada, em que o capital estrangeiro retido por força de taxação tornava-se coprodutor de filmes nacionais. Ao investidor estrangeiro caberiam duas opções: ou escolher uma determinada produção a qual seriam destinados os recursos detidos, ou não se pronunciar, deixando os mesmos recursos serem absorvidos pelo INC, que lhes daria o destino adequado (Amancio, 2000: 21-22). Através desse sistema, o Instituto possibilitou a produção de 38 filmes entre 1967 e 1969, ano da criação da Embrafilme, sendo a maioria desses de caráter meramente comercial, não se vinculando nem ao grupo universalista, que dominava ideologicamente o órgão, nem ao grupo nacionalista, que fazia oposição ao mesmo. Da mesma forma, será a ação do próprio INC que possibilitou alguns avanços técnicos na produção cinematográfica brasileira, como a adoção da fotografia a cores e a melhoria no sistema de som. Essas inovações e seus altos custos transformaram o Instituto num instrumento de extrema importância para a produção cinematográfica que começava a se adequar às novas condições de mercado e de desenvolvimento econômico pelas quais passava a sociedade brasileira. Mediante financiamentos provenientes do fundo formado a partir da taxação do filme estrangeiro e de premiações estabelecidas a partir dos critérios de qualidade e de percentual sobre a renda obtida, o INC reuniu recursos indispensáveis para a realização da produção cinematográfica nos moldes exigidos pelos novos padrões de modernização e

consumo. (Ramos, J., 1983: 60-74), O próximo passo foi a criação de uma empresa de economia mista que, dispondo de maior agilidade, pôde atuar mais dinamicamente no mercado cinematográfico. Por meio dessa medida, o Estado abriu a possibilidade de maior diálogo com o meio cinematográfico, mais especificamente com o grupo ligado ao Cinema Novo, o qual, reavaliando o seu trabalho e as condições de enfrentamento e/ou diálogo com o Estado autoritário, já ensaiava as primeiras mudanças estéticas e temáticas procurando modificar sua relação com o público e fazer frente às necessárias inovações técnicas as quais exigiam um capital que o ínfimo mercado interno conquistado, por si só, ainda não podia cobrir.

Os anos que antecederam a criação da Embrafilme caracterizaram-se por um intenso radicalismo da sociedade civil em relação ao Estado autoritário. A breve recessão provocada no governo Castelo Branco pela política econômica posta em prática possibilitou a concentração de capitais e o fortalecimento de uma economia de base monopolista, mas desgastou a base política do regime inaugurado em abril de 1964 (Mantega, Moraes, 1991: 52-53). O descontentamento atingiu principalmente os setores mais prejudicados pelo período recessivo e pela falta de liberdade política, características do Estado autoritário: as classes médias e o assalariados em geral. A falta de perspectiva da redemocratização, somada à continuidade de cassações políticas e de medidas arbitrárias, levou às ruas estudantes, profissionais liberais, artistas, intelectuais em geral e chegaram a provocar duas greves operárias de grande repercussão: os metalúrgicos de Contagem, Minas Gerais, e de Osasco, São Paulo (Skidmore, 1988: 151-165). Muito embora se tenha iniciado no governo Costa e Silva um crescimento econômico em ritmo acelerado, graças, principalmente, ao aumento das