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Os anos trinta foram marcados justamente pela reconstrução do aparato estatal, agora fortalecido, para atender às demandas criadas pela grave crise econômica mundial, iniciada em outubro de 1929, e para fazer frente aos modelos autoritários, de estruturas estatais hipertrofiadas, consagrados pelos regimes fascistas e o socialismo soviético. O fortalecimento do aparato estatal era, portanto, uma necessidade e um objetivo: a partir do momento em que o Estado dispusesse de instrumentos que lhe possibilitassem interferir em vários setores da sociedade, poderia formular políticas mais consistentes e efetivas e alterar, ou mudar significativamente, a estrutura social e econômica brasileira. Por dispor desses instrumentos e deles poder fazer uso de forma arbitrária, a conhecida Era Vargas deixou marcas profundas no panorama cultural brasileiro, pois, pela primeira vez, tivemos uma política cultural efetivamente articulada como política pública e com os interesses do Estado, sobretudo no período compreendido entre 1934 e 1945, quando esteve à frente do Ministério da Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema (Schwartzman, Bomeny, Costa, 2000: 97- 122).

A área cultural passou por uma intensa reformulação, sendo criados organismos estatais, com o objetivo de proteger e difundir a produção cultural, valorizando a cultura popular e promovendo a afirmação de um sentimento nacionalista que procurava integrar Estado e povo na nação. No que diz respeito à política para os museus e o patrimônio histórico e artístico, com a criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1937, através da Lei nº. 378, de 13 de janeiro de 1937, regulamentada pelo Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, já sob a vigência do Estado Novo, foram definidas as linhas de atuação nessa área. A participação de modernistas na adoção dessa política e na constituição do SPHAN é notória, destacando-se Mário de Andrade e Rodrigo Melo Franco de Andrade, seu primeiro diretor, cargo no qual se manteve até 1967 (Calabre, 2009: 21-26). Outros ainda participaram do trabalho de construção do SPHAN, contribuindo de maneira decisiva para a formulação de políticas e o desenvolvimento de práticas que passariam a caracterizar esse Serviço, como Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre, Lúcio Costa e outros.74

74 Sobre a participação de intelectuais modernistas na área cultural nos anos trinta e quarenta, cf.

CAVALCANTI, Lauro (org.). Modernistas na repartição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, Paço Imperial, Tempo Brasileiro, 1993.

Não obstante a formulação de um projeto político comum, que certamente envolvia os intelectuais modernistas, havia algumas contradições entre a proposta original de Mário de Andrade, desenvolvida no âmbito do Departamento de Cultura do Estado de São Paulo, e aquela que finalmente foi adotada sob a direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade. Se a proposta de Mário de Andrade possuía um fundamento antropológico, prestigiando as manifestações culturais folclóricas e a produção artesanal popular, a proposta adotada possuía caráter mais patrimonialista, privilegiando os aspectos arquitetônicos, históricos e artísticos relacionados aos grandes monumentos produzidos pelas elites econômicas e políticas. Apontando tal contradição, Sergio Miceli assim conclui:

(...) Nesse sentido, o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) é um capítulo da história institucional da geração modernista, um passo decisivo da intervenção governamental no âmbito da cultura e o lance acertado de um regime autoritário empenhado em construir uma “identidade nacional” iluminista no trópico dependente. (Miceli, 2001: 359-360).

Essa postura acaba por reforçar determinada concepção patrimonialista de cultura, segundo a qual a cultura brasileira estava representada em suas obras de arte plástica, arquitetônica ou com valor histórico, e a política oficial voltada para essa área deveria realizar o inventário desses bens, registrando os mesmos, preservando-os na medida do possível e historicizando sua produção (Calabre, 2009: 22-26). Tal prática possibilitou construir um discurso que realçasse a nossa singularidade, constituindo, portanto, um dos alicerces da identidade nacional. A defesa do patrimônio não obedeceu a critérios mercadológicos, mas ideológicos; a identificação de um bem histórico e artístico, que pudesse ser considerado um patrimônio nacional, seguiu preceitos que se relacionaram com a história de sua produção, a determinação de sua origem e do seu significado no momento em que foi produzido, sua relação com a memória a ser preservada e que, no conjunto, integrou um índice de significados que constituíram a identidade nacional. Essa proposta de política cultural marcou indelevelmente as propostas e as práticas culturais veiculadas pelo Estado até meados dos anos setenta.

A atuação do Estado, nesse período, não se limitou à criação do SPHAN, voltando-se também para a valorização das atividades folclóricas e da produção artesanal popular, a remodelação arquitetônica dos prédios públicos - utilizando-se para tal a arquitetura modernista - e o incentivo à produção artística com o financiamento às artes plásticas e à música erudita, integrando-se à expansão dos meios de comunicação verificada nessa época. O conjunto das medidas tomadas pelo Estado somava-se às nascentes indústrias fonográfica e

cinematográfica e ao rádio, como meio de comunicação privilegiado, enfatizando modismos e gerando novos costumes, características de um mercado de bens culturais em formação.75

Outra vertente que marcou a proposta de política cultural nesse período foi a instrumentalização da produção artística e cultural como meio de propaganda, aqui entendida não como mera difusão das ações realizadas pelo aparelho estatal, mas como algo maior: a construção de uma identidade nacional que tinha como objetivos a união de todos os brasileiros em torno de um projeto de desenvolvimento econômico, cujas principais referências foram a expansão da fronteira agrícola, a indústria e o trabalho assalariado. O Canto Orfeônico proposto por Heitor Villa-Lobos foi uma atividade que sintetizou esses objetivos e essas características. O apoio efetivo dado pelo Estado Novo a essa atividade bem demonstrou o interesse no seu potencial como instrumento de formação e de difusão do sentimento nacionalista, entretanto, contradições e conflitos decorrentes da relação desenvolvida entre Estado e criação artística, existiram e acabaram por caracterizar essa prática.76

O cinema não ficou de fora desse projeto de política cultural empreendido a partir de 1934. A entrada do Estado nessa área deu-se com os cuidados devidos a uma atividade que era considerada mais comercial do que cultural, mais apta aos interesses particulares do que aqueles próprios do Estado e profundamente controlada pelo produto de origem estrangeira, principalmente o de origem norte-americana. Dessa forma, a regulamentação dessa atividade seria a preocupação primeira, somente depois os interesses estatais voltaram-se para a produção e a difusão.

A primeira norma jurídica a versar sobre a atividade cinematográfica foi o decreto n° 18.527, de 1928, que dizia respeito somente à obrigatoriedade da apresentação dos programas dos cinematógrafos então existentes à Censura das Casas de Diversões do Distrito Federal.77

75 Sobre a adoção de políticas para a área cultural no período Gustavo Capanema (1934-1945), cf. CALABRE,

Lia. Políticas culturais no Brasil: dos anos 1930 ao século XXI. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 15-44; e BOTELHO, Isaura. Op. cit. p. 40. Sobre a expansão dos meios de comunicação e os primórdios de uma indústria cultural nesse período, cf. tb. ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. Cultura Brasileira e Indústria Cultural. São Paulo: Brasiliense, 1988 (224 p.), p. 48-56.

Tratando-se de uma época conturbada política e socialmente, como foi o final da década de vinte, não é de se estranhar que a inicial presença do Estado na atividade cinematográfica tenha se dado na forma de controle de sua difusão, através da censura.

76 Sobre o projeto do Canto Orfeônico, cf. SCHWARTZMAN, Simon et al. Tempos de Capanema. Op. cit. p.

107-111. Sobre as críticas, contradições e conflitos decorrentes dessa atividade artística, cf. WISNIK, José Miguel. Getúlio da Paixão Cearense (Villa-Lobos e o Estado Novo). In SQUEFF, Enio; WISNIK, José Miguel. O Nacional e o Popular na cultura brasileira. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 129-191.

77 ALTBERG, Júlia de Abreu. Política cultural de Cinema. Rio de Janeiro: FUNARTE/IUPERJ, Mimeo, 1983,

Com as transformações advindas no pós-1930, a atividade cinematográfica não poderia ficar à margem dos processos intervencionistas por parte do Estado, que teriam lugar a partir de então. O decreto-lei n° 21.240, de 1932, estabeleceu as bases de uma futura política para a área cinematográfica: colocou a censura como atividade exclusivamente do governo federal; fixou uma “taxa cinematográfica para a educação popular”, cobrada referencialmente à metragem de cada filme estrangeiro que adentrasse ao mercado nacional; e abriu margem a uma tímida reserva de mercado, ao atribuir agora ao Ministério da Educação e Saúde Pública a função de reservar uma proporção de metragem de filmes nacionais a serem incluídos na programação de cada mês.78

Ainda demonstrando grande contradição em suas intervenções na área cinematográfica, o Estado acabou por provocar uma divisão entre o filme cultural e o filme comercial, o que prevaleceu, em termos absolutos, até a criação do Instituto Nacional de Cinema (INC), em 1966. Com o decreto 24.651, de 1934, coube ao Estado apoiar e estimular a produção e a difusão de filmes educativos: cinejornais, documentários e curtas-metragens em geral, provocando grande aumento desse tipo de produção (Catani, 1987: 284). Corroborando a postura nacionalista, que já vinha tomando conta dos posicionamentos adotados pelo Estado a partir de 1930, e para disciplinar o aumento da produção de filmes educativos, que teve lugar a partir do referido decreto 24.651 de 1934, foi criado o Instituto Nacional do Cinema Educativo (INCE), através do artigo 40 da Lei n° 378, de 13 de janeiro de 1937, que reorganizou o Ministério da Educação e Saúde Pública. O INCE funcionou até 1966, quando foi absorvido pelo recém-criado Instituto Nacional do Cinema (INC), e produziu no decorrer de sua existência, dezenas de filmes educativos, construindo um acervo importantíssimo no campo do registro audiovisual do folclore, das manifestações culturais populares e do nosso patrimônio histórico e artístico.79

Nesse estágio, encontramos a atuação do Estado dentro dos limites impostos pela liberdade de comércio: não intervindo na livre circulação do produto estrangeiro no mercado nacional e procurando, por outro lado, estimular e difundir filmes de caráter educativo e, obviamente, nacionalista. Não por acaso foi entregue a Humberto Mauro, profícuo cineasta de posturas nitidamente nacionalistas, a direção do INCE, que canalizou para essa nova função toda a sua capacidade criativa, o que bem pode ser dimensionado através do exemplo

78 Idem, p. 9.

79 Sobre a criação do INCE e sua relação com a política cinematográfica do Estado Novo, cf. SIMIS, Anita.

Estado e Cinema no Brasil. São Paulo: Annablume, 1996, 312p, p. 115-130; sobre a produção do INCE, cf.

SOUZA, Carlos Roberto de. Catálogo de Filmes produzidos pelo INCE. Rio de Janeiro: Fundação do Cinema Brasileiro/MINC, 1990 (Série Documentos).

de O Descobrimento do Brasil, cuja parte musical contou com a assinatura de Villa-Lobos.80 O Estado Novo, criado a partir de novembro de 1937, somente exacerbou esse posicionamento. A dissociação entre Estado e produção cinematográfica nacional foi de tal monta, que a norma jurídica que instituiu a reserva de mercado em nosso país, o Decreto-Lei n° 1949, de dezembro de 1939, estabeleceu a obrigatoriedade pífia de um único filme nacional de longa-metragem por sala de cinema durante o ano. O mesmo dispositivo legal também criava a obrigatoriedade de exibição de um filme de curta-metragem, devidamente selecionado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), antes de qualquer longa- metragem exibido pelo circuito exibidor (Catani, 1987: 284). Prosseguindo com essa prática intervencionista, o Estado criou, devidamente subordinado ao DIP, o Conselho Nacional de Cinematografia, órgão colegiado influenciado pelo espírito corporativista que marcava a época, composto por um representante de cada categoria da área cinematográfica - produtores, exibidores, distribuidores e importadores, coordenados pelo Diretor-Geral do DIP – que tinha como funções regular as relações entre esses setores, promover e fiscalizar a produção, a circulação, a propaganda e a exibição de películas cinematográficas brasileiras em todo o território nacional. Esse mesmo Conselho propôs o aumento da reserva de mercado de um único filme para três, no ano de 1946.81

Com a redemocratização, o Estado foi redimensionado na Constituição de 1946, perdendo grande parte do seu instrumental interventor e regulador, característico do Estado Novo. A ação cultural estatal foi bastante reduzida e, paralelamente, expandiu-se o mercado cultural, com o surgimento das redes de televisão, o aumento do número de emissoras de rádio, a consolidação da indústria fonográfica e a expansão das salas de cinema, como espaços apropriados à exibição dos produtos estrangeiros. A ação do Estado nesse período foi marcada por ações pontuais na área das artes cênicas e do folclore, destacando-se mais, no entanto, pelo privilégio concedido à arquitetura modernista na construção de Brasília (Calabre, 2009: 45-56). Passando a sociedade brasileira por um processo de intensa participação política e de organização da sociedade civil, a presença do capital privado no desenvolvimento dos meios de comunicação, dos espetáculos teatrais e dos museus tornou-se algo comum, da mesma forma que organizações estudantis e até sindicatos de trabalhadores

80 Sobre o filme O Descobrimento do Brasil, cf. MORETTIN, Eduardo Victorio. Produção e formas de

circulação do tema do Descobrimento do Brasil: uma análise de seu percurso e do filme O Descobrimento do Brasil (1937) de Humberto Mauro. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 20, n. 39, p. 135-165, 2000.

81 ALTBERG, Júlia de Abreu. Op. cit. p. 11. Para uma análise mais detida da produção cinematográfica

estimulada pelo DIP e o uso do cinema como meio de propaganda. cf. SIMIS, Anita. Estado e cinema no

constituíram suas próprias organizações ou departamentos culturais, destacando-se, nesse cenário, o Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE).82

Nesse período, destacaram-se as ações do Estado nas áreas do folclore e do teatro e no incentivo ao debate sobre as grandes questões estruturais, identificadas como obstáculos ao pleno desenvolvimento econômico e social brasileiro. Um grande passo nesse sentido foi a desvinculação entre as áreas da Saúde, da Educação, sendo criado, em 1953, o Ministério da Educação e Cultura, instrumento essencial na formulação de políticas tanto na área educacional quanto cultural. Em 1958, resultado de intenso debate em suas respectivas áreas, tanto o folclore quanto o teatro foram objeto de regulamentação com a criação da Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro (CFFB), através do Decreto nº. 43.178, de 05 de fevereiro, e com a instituição do regimento interno do Serviço Nacional de Teatro, através do Decreto nº. 44.318 de 21 de agosto. No campo do folclore, anteriormente a 1958, haviam-se realizado três congressos brasileiros, fornecendo ao Estado os subsídios necessários para a criação da referida Campanha. No campo do teatro, até por tratar-se de uma atividade mais afeita à iniciativa privada, a intervenção estatal foi mais pontual, porém, havia-se criado, em 21 de março de 1956, através do Decreto nº. 38.912, o Teatro Nacional de Comédia e, em 26 de junho de 1958, através do Decreto nº 43.928, a Campanha Nacional de Teatro, instrumentos do Serviço Nacional de Teatro, que acabaram por fomentar as produções teatrais nos grandes centros urbanos brasileiros. Já o debate sobre questões estruturais consideradas estratégicas ficou a cargo do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), criado pelo Decreto nº. 37.608, de 14 de julho de 1955, vinculado ao Ministério da Educação e Cultura. Esse Instituto desenvolveu intensa atividade, reunindo em torno de si, em sua grande parte, intelectuais afinados com as propostas desenvolvimentistas e reformistas, os quais se faziam presentes nos grandes debates que tinham lugar na sociedade brasileira (Calabre, 2009: 50- 54).83

Ao mesmo tempo, como já foi dito anteriormente, esse momento é o de afirmação de um nascente mercado de bens culturais e consequentemente de formação de uma indústria cultural, em que a massificação e a padronização foram características essenciais. O processo de modernização vivenciado pela sociedade brasileira produziu condições para novos estilos

82 Sobre o CPC da UNE, cf. SOUZA, Miliandre Garcia de. Do teatro militante à música engajada. A experiência

do CPC da UNE (1958-1964). São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2007; e BERLINCK, Manoel T. O Centro

Popular de Cultura da UNE. Campinas, SP: Papirus, 1984.

83 Sobre o ISEB, cf. FRANCO, Maria Sylvia Carvalho. O Tempo das Ilusões. In CHAUÍ, Marilena (org.).

Ideologia e mobilização popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra: Centro de Estudos de Cultura Contemporânea,

1978, p. 151-209; e TOLEDO, Caio Navarro de. ISEB: Fábrica de Ideologias. 2 ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1997.

no campo da moda, do consumo alimentar e até das relações sociais e familiares, mas também produziu um acirramento das contradições sociais, bem caracterizado pelo incremento do êxodo rural, a partir da segunda metade dos anos cinquenta, e pela expansão de favelas, de bairros periféricos e de outras áreas dos grandes centros urbanos onde se concentrava a população de baixa renda (Ortiz, 1988: 108-110). Essas contradições poderiam apontar um descompasso entre o processo de modernização e a expansão da indústria cultural, mas suscitaram, na verdade, o aumento das atividades artísticas e culturais voltadas justamente aos setores sociais que emergiam desse processo econômico, principalmente os trabalhadores e as classes médias na região Sudeste, onde tinha lugar um intenso crescimento industrial. Nesta região e nas capitais de vários estados, crescia o público estudantil, estimulado pela expansão dos cursos superiores e do ensino secundário, que participaria dos debates, das atividades culturais e políticas do período, adquirindo consciência sobre o processo de modernização e sobre suas profundas contradições (Mello, Novais, 1998: 562-574).

No campo cinematográfico, o debate não foi menor. O INCE, criado durante o Estado Novo, fora relegado a um segundo plano, o que fez decair significativamente a produção de filmes educativos; por outro lado, a participação do Estado na área cinematográfica limitava- se à regulamentação e ao incentivo à produção de filmes, não entrando no mercado exibidor, que era dominado pelo produto estrangeiro. Tratando o cinema como produto comercial e a atividade cinematográfica como atividade industrial (a chamada indústria cinematográfica), ainda que incipiente, o Estado estimulou o debate de forma a buscar, em conjunto com empresários, diretores, produtores e críticos, envolvidos nesse processo, possíveis soluções para os problemas que a produção cinematográfica encontrava em nosso país. O próprio INCE sofreu com esse relativo abandono, reduzindo sua produção, a qual só se tornou viável por meio de convênios com outras instituições públicas, como no caso dos curtas-metragens sobre as cidades históricas, realizados com apoio do SPHAN. No período compreendido entre 1947 e 1964, produziu somente 118 filmes educativos, numa média inferior a dez filmes por ano. O processo de esvaziamento culminou na gestão de Flávio Tambelini, em 1961, o qual vai retirar do INCE seu caráter exclusivamente educativo, preparando o terreno para o advento do Instituto Nacional do Cinema (INC), que será criado em 1966, voltado ao apoio à produção de filmes de caráter comercial (Calabre, 2009: 47-48).

O período que teve início com o processo de redemocratização, após 1945, trouxe de volta um Estado menos intervencionista, mais condescendente com a liberdade de exibição e a circulação de filmes no mercado nacional. Ao mesmo tempo, os setores ligados à produção cinematográfica passaram a demonstrar maior capacidade de organização e de pressão na

defesa dos seus interesses. Duas medidas, no entanto, abriram essa nova fase e foram extremamente importantes para caracterizá-la: a Lei n° 790, de agosto de 1949, que concedeu isenção de direitos e taxas aduaneiras, durante um período de cinco anos, para a importação de material destinado à indústria cinematográfica nacional; e o Decreto n° 30.179, de novembro de 1951, que aumentou a reserva de mercado para o produto nacional, estabelecendo a proporção de um filme brasileiro para cada oito estrangeiros (Catani, 1987: 285). Essas duas normas - acompanhadas do crescimento do mercado consumidor, com o grande desenvolvimento urbano pelo que o país passou após a década de 1940 - criaram condições para a implantação, em bases mais sólidas, de produtoras de filmes, as quais já haviam garantido para si percentual respeitável de um mercado que crescia rapidamente, graças, inclusive, à grande penetração dos filmes hollywoodianos em nosso país.

A eleição de Getúlio Vargas, em 1950, proporcionou o retorno de ideais nacionalistas mais exacerbados, agora acompanhados de todo um processo de mobilização e de organização do setor cinematográfico, o que resultou na intensa preparação de uma política cultural para a área de cinema, que só começou a ser posta em prática, efetivamente, após 1966. Fiel aos seus princípios intervencionistas e nacionalistas, o governo Vargas incumbiu o cineasta Alberto Cavalcanti, com grande prestígio internacional, de preparar um projeto de criação de um órgão estatal de cinema, instituindo, para tal fim, a Comissão Nacional de Cinema, em 1951. A Comissão, no entanto, teve vida curta, face ao arquivamento de suas propostas pelo Congresso Nacional, segundo consta, por pressão dos setores ligados ao cinema estrangeiro.84