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As mudanças ocorridas na área cultural, destacando-se as reformulações na área cinematográfica e a elaboração da Política Nacional de Cultura, apresentada no final de 1975, criaram um ambiente político caracterizado pela liberdade relativa, visto que a presença do Estado autoritário ainda se fazia sentir, principalmente através da censura. A música popular brasileira e o teatro foram as atividades artísticas que mais demoraram a obter essa liberdade relativa, estando pelo menos até 1979 sob o tacão impiedoso da censura, que mutilava obras e impedia o desenvolvimento de carreiras artísticas.170

170 Sobre a música popular brasileira nos anos setenta, cf. Anos 70. Música Popular. Rio de Janeiro: Europa

Editora, 1979-1980, v.104 p.; MOBY, Alberto. Sinal Fechado: a música popular brasileira sob censura. Rio de Janeiro: Obra Aberta, 1994, 202 p.; VASCONCELLOS, Gilberto. Música Popular: de olho na fresta. Rio de Janeiro: Graal, 1977.

Destacava-se, assim, nesse ambiente, a produção cinematográfica, que conheceu, efetivamente, um período extremamente positivo, em termos de produção e de ocupação do mercado, contudo, nem só de sucessos viveu o cinema brasileiro na segunda metade da década de setenta. Os conflitos possuíam profundidade maior do que se supunha e não se resumiam às rusgas que certos setores da crítica e intelectuais de esquerda mantinham com os cinemanovistas. Esses conflitos não passaram de debates que raramente excediam os limites estreitos dos círculos intelectuais dos grandes centros urbanos e dos assíduos leitores da imprensa alternativa. As contradições mais agudas desenvolveram-se no campo do relacionamento da Embrafilme com o setor da exibição, assumindo, inclusive, proporções internacionais. Paralelo a esse problema maior, havia o confronto entre produtores e realizadores e o Estado autoritário, principalmente quando aqueles últimos mantinham sua posição de independência, não obtendo, assim, apoio

por parte dos órgãos oficiais para os seus projetos. A censura serviu como instrumento de seleção de temas considerados subversivos, de realizações independentes consideradas excessivamente críticas e de novas linguagens e experimentações consideradas abusivas.

Diante dessa configuração, devemos levar em conta primeiramente a organização da classe cinematográfica e suas pressões sobre os organismos oficiais, bem como a sua divisão, quando do exercício dessas pressões. O fato de realizadores paulistas e cariocas não serem representados pela mesma entidade já era um sinal da existência de interesses contraditórios. A Associação Brasileira de Cineastas (Abraci), fundada em 1975, consagrou-se como representante dos interesses de cineastas radicados principalmente no Rio de Janeiro, os quais já vinham desenvolvendo contatos estreitos com a Embrafilme; em contraposição, a Associação Paulista de Cineastas (Apaci) representou os interesses dos realizadores radicados em São Paulo, defensores da descentralização dos organismos de incentivo e de financiamento da produção cinematográfica e contrários à tentativa de aumento da intervenção estatal no setor da distribuição. Tal posicionamento deveu-se ao estágio em que se encontrava a produção cinematográfica paulista, com várias firmas atuando na distribuição e com o convênio firmado entre a Secretaria de Estado de Cultura e a Embrafilme, para financiar a produção regional, em estágio avançado.

Outro conflito latente entre os realizadores foi quanto às demandas da área cultural, principalmente em relação aos curta-metragistas e aos documentaristas, críticos da política de financiamento extremamente centralizada da Embrafilme, a qual reservava uma participação reduzida ao setor cultural, responsável também pelas áreas de pesquisa, publicações, distribuição alternativa, cineclubes e outras. Esse conflito tivera início quando da extinção do INC e da absorção de suas funções pela Embrafilme, criando-se uma super-empresa responsável por várias áreas, que concentrava toda a receita oficial destinada à área cinematográfica. A proposta de criação da Fundação Centro Modelo de Cinema (Centrocine) não vingara e tal decisão implicou na falta de autonomia do setor cultural, o qual passou a depender da boa vontade dos dirigentes da Embrafilme para definir suas receitas e incentivar seus projetos. Numa fase em que a política oficial voltou-se privilegiadamente para o setor comercial, no embalo do lema “mercado é cultura”, pôde-se perceber as dificuldades enfrentadas por aqueles que não se colocavam nessa perspectiva.171

A gestão Roberto Farias teve o mérito de trazer o setor cinematográfico para próximo do Estado, colocando-o como partícipe da elaboração da política cultural para a área de

cinema. A proliferação de entidades representativas no pós-1974 bem atesta essa posição. Por outro lado, também, com o agravamento das contradições e com a aproximação do processo sucessório, os conflitos antes encobertos assumiram ares públicos, ganhando ampla divulgação na imprensa e, às vezes, dimensão maior do que realmente tinham. A realização do I Simpósio Nacional do Cinema Brasileiro, realizado entre 22 de setembro e 1°. de outubro de 1978, tornou-se um espaço apropriado às críticas à direção da Embrafilme, à centralização econômica e administrativa da empresa e às denúncias de irregularidades encontradas na gestão da mesma. Esse simpósio, embora contasse com apoio institucional por parte da própria Embrafilme, transformou-se num fórum das entidades representativas do setor cinematográfico, entre elas o Sindicato Nacional da Indústria Cinematográfica, a Associação Brasileira dos Produtores Cinematográficos, a Federação Nacional dos Exibidores Cinematográficos, a União dos Diretores e Produtores Independentes, a Associação Brasileira de Cineastas, a Associação Paulista de Cineastas e a Associação Brasileira de Documentaristas. Foi aprovado um “documento final”, propondo, entre outras resoluções, a definição legal de empresa produtora e exibidora brasileira, a regulamentação da entrada do produto estrangeiro no mercado nacional, a criação de sistema de comercialização de filmes nacionais, a elaboração de estatuto para o cinema alternativo, a regulamentação do mercado de TV, a liberdade de expressão, o aumento da representação no Concine, a criação de Conselho Administrativo com espaço para as entidades na Embrafilme, a regulamentação da profissão de artista e de técnico, a liberdade sindical e o direito de greve.172

172 I SIMPÓSIO Nacional do Cinema Brasileiro. Rio de Janeiro: Diretoria de Operações Não Comerciais/

Departamento de Documentação e Divulgação/ Embrafilme / MEC, 1978, 16p. Distribuído como encarte em

Filme Cultura, Rio de Janeiro, Embrafilme/ MEC, n.31, nov.1978.

Assistia-se a uma tentativa de afastamento em relação ao paternalismo estatal. Buscava-se a regulamentação de todos os setores da atividade cinematográfica para que aqueles que produziam cinema no Brasil não ficassem mais à mercê das políticas oficiais. Ao mesmo tempo, a presença de temas antes considerados “malditos”, como a liberdade de expressão e de organização sindical e o direito de greve, demonstrava claramente a politização do debate. O discurso nacionalista era deixado para trás, justamente no momento em que as contradições se acirravam, o que demonstrava o início do fim do projeto totalizante e nacionalista desenvolvido a partir de 1972. Outras manifestações já tinham ocorrido anteriormente, as mais importantes durante os dois últimos festivais de cinema ocorridos em Gramado, em janeiro de 1977 e em fevereiro de 1978, ambas marcando posição em relação à política oficial, prestando apoio aos avanços obtidos e criticando a ingerência externa nos assuntos relativos ao cinema brasileiro,

principalmente na área da exibição.173

O crescimento da Embrafilme não produzira efeitos agradáveis para os realizadores independentes. Quando, após duro processo de seleção, obtinham parcos recursos para a produção dos seus filmes, muitas vezes se viam em dificuldades causadas pela impossibilidade de colocá-los no mercado. Outras vezes sequer viam seus projetos serem aprovados, iniciando, assim, um longo e dificultoso caminho em busca dos recursos necessários à sua produção. Ao final de todo esse processo, ainda poderiam sofrer com a ação draconiana da censura. A lógica do mercado prevalecia sobre a busca de novas linguagens, sobre o desenvolvimento de novas formas de distribuição e de exibição e o resultado era a seleção dos filmes a serem distribuídos, relegando os outros às “prateleiras da Embrafilme”. A esse problema somavam-se os entraves burocráticos que exigiam a renovação dos certificados de censura periodicamente. Dessa forma, filmes não exibidos comercialmente poderiam não ter seu certificado de censura renovado, já que não haveria interesse dos exibidores em lançar uma obra produzida já há algum tempo e, assim, os mesmos seriam relegados ao limbo da exibição em cinematecas, cineclubes, universidades e outros espaços, o que prejudicava o retorno financeiro.

Contando com relativo grau de autonomia e de politização, realizou-se o I Simpósio Nacional do Cinema Brasileiro, em outubro de 1978, cujos debates, no entanto, foram radicalizados tendo em vista a sucessão na direção-geral da Embrafilme, a qual, fatalmente, viria com a transição do governo, a partir de março de 1979.

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Essa situação gerou uma instabilidade no mercado cinematográfico, característica das cinematografias pouco desenvolvidas, contrariando, assim, o discurso oficial que afirmava já existir no Brasil uma indústria cinematográfica plenamente desenvolvida.175

173 PEIXOTO, Fernando. Em defesa do Cinema Brasileiro - Carta de Gramado. Movimento, São Paulo, p. 16, 31

jan.1977; cf.tb. CRESCE a luta do Cinema Nacional contra a ganância dos Exibidores. Jornal da Bahia, Salvador, 4 mar.1978.

Essas dificuldades foram agravadas em função do grande aumento sofrido pelos custos das produções, principalmente após o desenvolvimento da política de coprodução por parte da Embrafilme. As exigências burocráticas, referentes aos projetos apresentados à empresa, fizeram com que os produtores preparassem propostas superestimadas, não se preocupando com o barateamento dos custos, ainda mais porque, assumindo o Estado uma parte substancial dos mesmos, o mais importante era produzir e não exibir. O financiamento da produção por si só virou um grande negócio e, ao lado da maior qualidade técnica promovida também pela

174 O excesso de filmes nas prateleiras vai paralisar a produção. A Catástrofe se avizinha. Como evitá-la?

Entrevista com Nelson Xavier. Ganga Bruta, Rio de Janeiro, Publicação Brasileira de Cinema/Órgão da Federação dos Cineclubes do Estado do Rio de Janeiro, n.1, p.6-7, ago.-set. 1978.

175 SANTOS, Tercio. No Beco entre a fama e a fome. Um reduto de técnicos e atores de cinema no Rio,

política oficial, trouxe como consequência direta o encarecimento dos serviços prestados ao meio cinematográfico, o que se constituiu num grande obstáculo principalmente para os realizadores independentes.176 As dificuldades enfrentadas por estes, que não contavam com um forte esquema de produção para apoiá-los na produção e na inserção do seu produto no mercado, encontraram certa correspondência com aquelas enfrentadas por todo o corpo de técnicos, auxiliares e artesãos em geral, que viviam das produções fílmicas. O debate sobre as condições de trabalho e a relação produtores/técnicos sempre fora relegado a um segundo plano em função de uma postura política que privilegiava a “construção da indústria cinematográfica nacional”, não tendo tempo a perder com “problemas menores”, que acabariam por prejudicar a necessária unidade na luta contra o maior inimigo: o produto estrangeiro e seus agentes no país. A luta pela regulamentação da profissão de artista e de técnico fazia parte do cotidiano dessas pessoas, mais ainda, as reivindicações em torno de uma justa remuneração e melhores condições de trabalho e a necessidade de aperfeiçoamento e atualização, tão imprescindíveis ao seu ofício, eram questões expostas rotineiramente e próprias de um cinema que perdera a sua inocência, abandonara os tempos pioneiros e aventureiros e ingressava no universo dos conflitos sociais engendrados pelas relações de produção, abrindo margem, na concepção de Jean-Claude Bernardet, ao “aparecimento de um proletariado cinematográfico” (Bernardet, 1979: 92-94).177

A censura constituiu-se no período como mais um elemento representativo do atraso político em que se encontrava nossa produção cinematográfica. Inerente a todos os regimes autoritários, não poderia ser diferente no caso brasileiro: promoveu cortes, interditou exibições, arquivou produções e chegou mesmo ao ridículo papel de cobrir órgãos genitais com círculos pretos, defendendo, assim, a integridade da visão pudica de brasileiros desavisados (Avellar in Novaes, 1979-1980: 63-66). No caso da produção independente, a ação censora assumiu ares de maior gravidade. Não se tratava somente de impor alguns cortes, que certamente destruiriam a narrativa fílmica, mas de impedir a distribuição de filmes considerados atentatórios à segurança nacional ou aos “valores morais e costumes” da sociedade brasileira. Dessa forma, impediu-se, também, a livre circulação de ideias e destruíram carreiras de cineastas, técnicos, atores e produtores. A atuação da censura foi completa e quase onipresente. Ela impregnou todos os atos oficiais e acompanhou a produção de bens culturais e a pesquisa científica. Na área cinematográfica, gerou efeitos funestos: até

176 JOHNSON, Randall. Ascensão e Queda do Cinema Brasileiro (1960-1990). Revista USP - Dossiê Cinema

Brasileiro, São Paulo, n.19, p.40-41, set.- out.- nov. 1993.

o ano de 1985, quando foi abolida formalmente, havia obras interditadas, as quais jamais voltariam a ter espaço no mercado exibidor, saindo do limbo da censura para o purgatório das produções esquecidas ou extemporâneas. A falta de critério por parte da censura também foi um elemento característico, gerando um “folclore” próprio que bem demonstrava a ignorância de certos censores, a inexistência de normas que definissem realmente o que poderia ou o que não poderia ser censurado e, por fim, a possibilidade de se utilizar o famoso “jeitinho brasileiro” para solucionar certos casos.178

Ainda que o seu peso e a sua importância tivessem sido atenuados por alguns cinemanovistas, e a própria existência da censura jamais tenha sido sequer objeto de discussão quando da formulação do projeto cultural que culminou na fase áurea da produção nacional, na segunda metade da década de setenta, certo é que vemos, por detrás da falta de critério e da ignorância estética e cultural, a presença do censor como vigilante da política. Os filmes que abordassem temas considerados “malditos”, seriam aqueles mais visados pela censura. Assim, a abordagem de assuntos como a miséria, a concentração de renda, a exploração do trabalho, a migração interna, a sexualidade reprimida, a violência oficial e paraoficial e outros, tornou-se objeto preferencial da ação do censor.179 Podemos conceber essa ação como parte integrante de um mecanismo que selecionava filmes, deixando um espaço reduzido a ser preenchido por produções que realmente desejassem se inserir no mercado. Numa sociedade marcada pelo autoritarismo e diante de uma relação de mercado em que a intervenção estatal era regra e necessidade, a censura foi mais um instrumento que ajudava a moldar e a difundir obras que terminaram por escolher determinado caminho estético e temático, pois, em função do seu alto custo, não podiam dar-se ao luxo de serem censuradas.180

Todas essas questões desaguavam em um problema maior: a relação desenvolvida entre a política cinematográfica oficial e o setor da exibição. Partindo da premissa de que o mercado cinematográfico era “indevidamente” ocupado pelo produto estrangeiro, todas as medidas propostas pela política cultural colocavam a intervenção estatal como mediadora, visando a restaurar o equilíbrio da concorrência, permitindo ao produto nacional um espaço maior para a sua veiculação. Conforme já foi visto, a polêmica envolvendo a distribuição de

178 Cultura Brasileira: Pobres Sonhos. Movimento, São Paulo, p. 18, 8 set.1975; cf. tb. O cinema proibido:

algumas incríveis histórias de filmes interditados. Jornal do Brasil, Caderno B, Rio de Janeiro, p. 8, 18 ago.1978.

179 São Saruê: O Nordeste censurado; e O Index do Cinema. Ganga Bruta, Rio de Janeiro, Publicação Brasileira

de Cinema/Órgão da Federação dos Cineclubes do Estado do Rio de Janeiro, n.2, p.4-5, jan.-fev. 1978.

180 Parem de se lamentar. Entrevista de Arnaldo Jabor a Ivo Branco. Folhetim/ Estado de São Paulo, São Paulo,

10 fev. 1979; Estamos condenados ao sucesso. Entrevista de Cacá Diegues. Diário da Tarde, Belo Horizonte, 2 mai. 1980; ROCHA, Glauber. Miséria Cinematográfica. O Pasquim, Rio de Janeiro, p. 6-7, 10-16 jan.1976; DAHL, Gustavo. Censura e Cultura. Opinião, Rio de Janeiro, p. 22, 21 mar.1975; e p. 24, 28 mar. 1975.

filmes brasileiros já vinha de longa data e, nos anos setenta, com o debate cultural em torno das políticas postas em prática pelo Estado autoritário, ganhou contornos de uma verdadeira “cruzada” a tão propalada “conquista do mercado”, bem ao gosto dos intelectuais cinemanovistas. Os artigos publicados e as entrevistas não deixaram dúvidas: tratava-se de uma luta de caráter nacionalista contra a ofensiva das multinacionais do mercado cinematográfico; luta na qual o Estado autoritário assumiria o seu papel de protetor da cultura nacional. Justificativas várias foram dadas para tal arregimentação, porém as mais racionais diziam respeito aos aspectos econômicos. O produto nacional tornava-se quase inviável em função da pequena proporção de lucro que ele possibilitava aos exibidores e aos distribuidores. Adquirir um contra-tipo de filme estrangeiro, realizar as cópias necessárias e distribuí-lo representava uma operação com margem de lucro muito superior à exibição de um filme brasileiro;181 entretanto, se essa operação possibilitava lucros, ela também era responsável pelo desenvolvimento de um círculo vicioso, pois as distribuidoras de filmes estrangeiros não realizavam negócios somente com produções de sucesso, que garantissem alta rentabilidade. Acompanhando a aquisição de películas de sucesso estavam filmes de baixa qualidade, produções baratas, as quais ocupavam a maior parte da programação do mercado cinematográfico, portanto, o que possibilitava a quase exclusão do filme brasileiro do mercado cinematográfico não era o custo de sua exibição, mas o extremo barateamento do produto estrangeiro de baixa qualidade, o qual ocupava o seu lugar. Jean-Claude Bernardet, analisando os resultados obtidos com o maior rigor da fiscalização da reserva de mercado e da obrigatoriedade do ingresso padronizado e da roleta nas salas de exibição, pôde observar aumento de 30% do público consumidor do filme brasileiro e, inclusive, o fato de algumas salas terem mantido programações com produtos nacionais além da quota obrigatória.182

Com as reformas implantadas nos órgãos oficiais responsáveis pela política cinematográfica e o aumento da reserva de mercado em 1975, para 112 dias, a estratégia dos distribuidores e dos exibidores sofreu mudanças, e passou-se a investir na produção, possibilitando um relativo acréscimo de filmes de baixa qualidade, como as pornochanchadas, aproveitando-se da reserva de mercado e explorando ao máximo as contradições existentes na política oficial de cinema.183

181 SILVA, Alberto. Multinacionais atacam também no cinema. Crítica, Rio de Janeiro, p. 16-17, 24-30

mar.1975.

Com a crescente agressividade da Embrafilme no setor de distribuição e a maior pressão por parte de realizadores e de produtores nacionais em torno da

182 BERNARDET, Jean-Claude. Os Magros Dias do Cinema Brasileiro. Movimento, São Paulo, p. 21, 14

jul.1975.

exibição de seus filmes, os conflitos generalizaram-se. Seu agravamento veio com outras medidas restritivas, impostas pelo governo, como o aumento do percentual referente ao depósito compulsório sobre o imposto de renda de distribuidores e de importadores de filmes estrangeiros e a obrigatoriedade de recolhimento de 5% da renda auferida pelo produto estrangeiro na sua exibição, em favor do curta-metragem nacional. Essas medidas, já analisadas anteriormente, acompanhadas de outras como a obrigatoriedade da exibição de um curta-metragem nacional antes do filme estrangeiro e a “lei da dobra”, diminuíram o espaço de manobra para os distribuidores e os exibidores, deixando para eles somente o recurso extremo do mandado de segurança junto à Justiça, o que foi feito.184

As pressões em torno dessas últimas medidas trouxeram ao Brasil, no segundo semestre de 1977, o presidente da Motion Pictures Association of America, Jack Valenti, o que foi visto com grande suspeição pelos setores cinematográficos, principalmente realizadores e produtores, os quais se mobilizaram na defesa dos seus interesses junto ao governo, pois, afinal, tratava-se de uma visita oficial do representante das grandes empresas cinematográficas norte-americanas com o claro intuito de pressionar o governo a rever algumas de suas posições.185 Em sua estada no Brasil, travou contatos com vários ministros, entre eles o da Educação e Cultura e o da Indústria e Comércio, discutindo algumas reivindicações como o fim da obrigatoriedade de exibição do curta-metragem nacional antes do filme estrangeiro; a revogação de um artigo da Resolução n°10 do Concine, do mesmo ano, que impedia as distribuidoras de fornecerem filmes aos exibidores em débito com a reserva de mercado; o fim do imposto cobrado sobre título estrangeiro importado; e o fim da obrigatoriedade da copiagem de filmes em laboratórios brasileiros.186 Na mesma época, foi