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Instrumentos Interpretativos II: Razoabilidade e Proporcionalidade (Razão e Proporção)

No documento Teoria do Direito Constitucional (páginas 114-121)

Bloco V: Interpretação da Constituição

Aula 20: Instrumentos Interpretativos II: Razoabilidade e Proporcionalidade (Razão e Proporção)

NOTA AO ALUNO

A) introdUção

A primeira aula do bloco de Interpretação Constitucional deixa no ar uma questão: onde devemos situar a prática jurídica, entre, de um lado, o “nobre sonho” de que o intérprete do direito não tem atividade criativa e apenas aplica mecanicamente uma norma já existente, e, de outro, o “pesadelo” da arbitrariedade completa e da indeter-

minação radical do resultado das decisões judiciais?33 Qual é a racionalidade possível na

argumentação jurídica, em especial naquela baseada na Constituição? Quais seriam os parâmetros que juristas, advogados e juízes vêm construindo para criticar ou justificar aplicações da Constituição?

Este bloco trata de diferentes análises sobre três elementos da interpretação jurí- dica: sujeito (intérprete), objeto (norma jurídica) e método pelo qual se interpreta. Certas propriedades do sujeito (convicções políticas, preconceitos, interesses pessoais ou corporativos etc) podem influenciar de maneira imprevisível a decisão judicial. Na aula 18, por outro lado, mostrou-se como o objeto também contribui para que a apli- cação do direito não possa ser uma atividade puramente cognoscitiva ou mecânica – a pluralidade de significados plausíveis para o texto de uma norma constitucional, por exemplo, deixa claro que, em algum momento, o intérprete precisará escolher entre alternativas com a mesma viabilidade jurídica.

Na aula anterior, começou a ser esboçada a análise do terceiro elemento da inter- pretação: o método pelo qual o sujeito procura apreender o objeto. Falar em “méto- do” após a desmistificação da interpretação jurídica operada na aula 18 pode parecer contraditório. Não há porém, contradição alguma, desde que o conceito de “método” utilizado não seja o tradicional, cartesiano. Não estamos nos referindo ao conjunto de “regras certas e fáceis, graças às quais todos os que as observam exatamente jamais tomarão como verdadeiro aquilo que é falso e chegarão, sem se cansar com esforços

inúteis, ao conhecimento verdadeiro do que pretendem alcançar”.34

O “método” de que falamos deve ser encarado como o conjunto de instrumentos que podem ser utilizados na interpretação de normas constitucionais por ocasião da sua aplicação a um caso concreto. “Unidade” e “supremacia” da Constituição, por exemplo. Trata-se de recursos para a argumentação jurídica. Sua finalidade não é, como na concepção cartesiana, levar quem os aplica a um resultado verdadeiro, mas sim for- necer razões que justifiquem a decisão em um sentido ou em outro.

Neste ponto, é útil a distinção que a filosofia da ciência faz entre razões explicativas e razões justificativas. Podemos “explicar” a decisão de um juiz através de seus precon- ceitos, ideologias e aspirações políticas, por exemplo. Mas não é possível justificá-la assim perante os destinatários da decisão ou da própria sociedade. O juiz pode até ter decidido desfavoravelmente ao réu apenas por discordar de sua convicção religiosa,

33 as expressões são de

Herbert Hart, referindo-se respectivamente ao for- malismo e ao realismo ju- rídicos norte-americanos.

34 MaRcOnDEs, Danilo e

JaPIassú, Hilton. Dicioná- rio Básico de Filosofia.

por exemplo; contudo, a única dimensão de sua decisão que pode ser controlada é

a argumentação jurídica que a fundamenta.35 “Razoabilidade” e “proporcionalidade”

são critérios para aferir a pertinência e correção da fundamentação das decisões, e não para explicá-las. O aspecto subjetivo das decisões judiciais não é passível de eliminação, apenas de atenuação.

Repare como é significativo o uso dos termos “razoabilidade” e “proporcionalidade” no lugar de “racionalidade”. “Racional” e “razoável” são a mesma coisa? O “razoável” apela ao senso comum, aos critérios aceitos como plausíveis pela comunidade de juristas e até mesmo de todos os cidadãos. O que torna um argumento “racional” é sobretudo a sua estrutura, independente de quem o analisa; a “razoabilidade” de um argumento, por outro lado, depende em muito do olhar que a comunidade tem sobre aquela questão.

Assim, você não deve se assustar com as discussões doutrinárias sobre as “sub-regras” da proporcionalidade, ou das dimensões da análise da razoabilidade de que trataremos nesta aula. São, na verdade, construções jurisprudenciais por meio das quais se tenta estabelecer, entre a subjetividade do juiz (insatisfatória) e a demonstração matemática ou científica (inaplicável), a racionalidade possível na argumentação jurídica.

B) o CAso

Em 1993, atendendo à previsão constitucional da promoção da defesa do consumi-

dor36, a Assembléia Legislativa do Paraná promulgou a 10.248/93, exigindo que todo

botijão de gás vendido no Estado fosse pesado na presença dos compradores. O objeti- vo dos legisladores era permitir o ressarcimento imediato ao consumidor de eventuais variações no peso do botijão adquirido ou sobras de gás no devolvido.

Os efeitos sobre as empresas que comercializavam os botijões no Paraná eram pre- visíveis. Precisariam incluir no seu orçamento despesas para compra e instalação das balanças de precisão exigidas pela lei, além dos custos de treinamento dos funcionários no seu uso e manutenção. Estimativas preliminares davam a entender que o volume desses acréscimos seria considerável.

Em reunião na seção regional da Confederação Nacional do Comércio (entidade patronal no âmbito da atividade comercial), os dirigentes de empresas estavam inquie- tos. Realmente, a Constituição previa a promoção da defesa do consumidor no âmbito estadual, e talvez a pesagem obrigatória pudesse contribuir em alguma medida para esta finalidade. Mas os efeitos seriam drásticos! Os custos do empreendimento subi- riam de tal forma que – pensavam os empresários – a própria viabilidade do negócio ficaria comprometida. Defender o consumidor é importante, mas esta medida não era razoável.

“Razoável”, “Irrazoável”. Estas palavras foram repetidas muitas vezes naquela reu- nião e nos encontros subseqüentes que a Confederação Nacional do Comércio teve com os parlamentares do Paraná (ainda que, vale dizer, por vezes tenham sido acompa- nhadas de murros na mesa). Ninguém dizia que a liberdade de iniciativa era mais im- portante do que a defesa do consumidor, nem o contrário; o problema dos empresários do setor era com a maneira pela qual a defesa do consumidor estava sendo promovida

35 aTIEnZa, Manuel. Teo-

rias da Argumentação Jurídica.

36 nos termos do art. 24,

VIII da constituição, a prevenção dos danos ao consumidor é competência concorrente da união e dos Estados.

neste caso. Acreditavam que seus direitos estavam sendo prejudicados mais do que o necessário para proteger o consumidor, e isso é “pouco razoável”. Os nocivos efeitos econômicos sobre as empresas seriam desproporcionais em relação ao benefício que os consumidores teriam.

Conversando com seus advogados da CNC, descobriram que, sem querer, esbo- çaram um importante argumento jurídico. “Razoabilidade” e “proporcionalidade” – disseram os advogados – vinham há algum tempo aparecendo como fundamento de decisões judiciais, inclusive do Supremo Tribunal Federal.

Os advogados da CNC fizeram uma extensa pesquisa jurisprudencial e doutrinária sobre o tema e concluíram: a pesagem obrigatória dos botijões de gás na presença do consumidor violava os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Assim, em nome da Confederação Nacional do Comércio, contestaram a medida no Supremo através da Ação Direta de Inconstitucionalidade 855-2.

Após a leitura dos trechos selecionados da petição inicial e da decisão do Supremo Tribunal Federal, reflita:

• Quais os “topoi” constitucionais que estão em conflito?

• Quais os argumentos da Confederação Nacional do Comércio para defender a

inconstitucionalidade da medida?

• Qual a interpretação que a CNC dá a cada um dos “topoi” que fundamentam

seu pedido?

• Qual(is) o(s) sentido(s) de “razoabilidade” e de “proporcionalidade” em cada

uma das peças?

• Qual(is) a(s) função(ões) que este conceitos cumprem na argumentação da

CNC e do STF?

• Esse(s) sentido(s) coincide(m) com aqueles expostos na bibliografia recomendada? • Como os laudos técnicos contribuíram para a aplicação daqueles dois conceitos

neste caso?

• Como os “topoi” de razoabilidade e proporcionalidade contribuíram para a so-

lução do caso, na decisão do STF?

• Poderiam ter contribuído de outra forma?

• Você concorda com a decisão do Supremo? Por quê?

C) mAteriAl de Apoio c1) textos

I) OBRIGATÓRIOS

SILVA, Virgílio Afonso. “O Proporcional e o Razoável”. In TORRENS, Haradja e ALCOFORADO, Mario. A Expansão do Direito: Estudos de Direito Constitu-

cional e Filosofia do Direito em homenagem a Willis Santiago Guerra Filho. Rio de

II) ACESSÓRIOS

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. São Paulo: Malheiros, 2003.

BARROS, Suzana de Toledo. A Proporcionalidade e o Controle das Leis Restritivas de

Direitos no Brasil. Brasília: Brasília Jurídica, 1996 (págs. 157-184)

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. (trecho sobre Razoabilidade e Proporcionalidade)

SARMENTO, Daniel. “O Princípio da Proporcionalidade”, in A Ponderação de

Interesses na Constituição de 1988 (págs. 77-96)

BARROS, Suzana de Toledo. A Proporcionalidade e o Controle das Leis Restritivas de

Direitos no Brasil. Brasília: Brasília Jurídica, 1996 (págs. 157-184)

ALEXY, Robert. Derecho y Razón Prática. México: Fontamara, 1993

STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da

Proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

SILVA, Virgílio Afonso. “O Proporcional e o Razoável”. In TORRENS, Haradja e ALCOFORADO, Mario. A Expansão do Direito: Estudos de Direito Constitu-

cional e Filosofia do Direito em homenagem a Willis Santiago Guerra Filho. Rio de

Janeiro: Lúmen Juris, 2004.

c2) Questões de Concurso

8º Concurso – Magistratura Federal/ 2001 – 2ª Região

Qual o conteúdo jurídico do princípio da razoabilidade?

Comente, de forma sumária: princípio da unidade da Constituição, colisão de princí- pios constitucionais e ponderação de interesses.

Relativamente à concretização das normas constitucionais, comente brevemente os conceitos de: a) auto-aplicabilidade; b) reserva do possível; e c) vedação do retrocesso.

aula 21: interPretação de bloqueio e interPretação legitimadora: the making oFF

NOTA AO ALUNO

A) introdUção

Esta aula tem dois objetivos básicos. Por um lado, trata-se de conhecer dois tipos de estratégia interpretativa – interpretação de bloqueio e interpretação legitimado- ra, que, a partir da constituição de 1988, têm sido muito utilizados na profissão jurídica. Na verdade, estes tipos de interpretação correspondem a mecanismos con- ceituais capazes de solucionar um grave problema do direito: a existência de uma constituição meramente formal, enunciadora de direitos que nunca se concretizam. Na medida em que se entende a constituição como sendo também uma constitui- ção “dirigente”, prospectiva, que aponta para o futuro, estas duas estratégias de interpretação servem para torná-la mais eficaz e, assim, aliar legalidade, eficácia e legitimidade.

Por outro, trata-se de analisar, identificar, debater e criticar o raciocínio que o pare- cer “Direito da Mulher: Igualdade Formal e Igualdade Material” adota e a argumenta- ção com que se reveste. Argumentação, no caso, entendida como a forma pela qual o raciocínio se expressa.

Essa análise pode assumir diversas maneiras, não excludentes entre si, como por exemplo:

a) O parecer se distingue de outros modelos de parecer? Como? E de outras peças usuais da profissão jurídica, como memorandos e peças doutrinárias? Como? b) Qual foi a estrutura interna e encadeamento do raciocínio adotado neste pare-

cer? Quais as diversas etapas deste parecer enquanto decisão?

c) Este parecer ajuda ou não a construir a democracia no Brasil? Liste argumentos contrários e argumentos favoráveis.

Basicamente, a aula se desenvolverá numa crítica ao parecer. Muito mais ao parecer enquanto argumentação do que ao mérito das teses que defende. De todas as maneiras, Você deve estar preparado para formular um parecer contrário, em favor do governador do Rio Grande do Sul, bem como redigir a minuta de uma sentença sobre o assunto.

Na próxima aula, voltará o debate sobre lei de quotas. Será que os conceitos de igualdade formal e igualdade material aqui discutidos podem colaborar com a sua par- ticipação na próxima aula?

B) mAteriAl de Apoio b1) textos

I) OBRIGATÓRIOS

FALCÃO, Joaquim. “Direito da mulher: igualdade formal e igualdade material”.

In AMARAL JÚNIOR, Alberto do, e PERRONE-MOISÉS, Cláudia (orgs.). O Cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. São Paulo:

Edusp, 1998.

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. “Interpretação e Aplicabilidade das Normas Cons- titucionais”, extraído de Interpretação e Estudos da Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1990.

II) ACESSÓRIOS

CAPPELLETI, Mauro. Juízes Legisladores?. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1993.

PIOVESAN, Flávia. “Constituição e Modelo de Estado”, extraído de Proteção Ju-

Joaquim de arruda Falcão neto

Doutor em Educação pela université de Génève. Master of laws (llM) pela Harvard law school. Membro do conselho nacional da Justiça. autor de livros e artigos sobre Direito constitucional, Democracia, Terceiro setor e Patrimônio cultural. Diretor da FGV DIREITO RIO.

marcelo rangel lennertz

Mestrando em Direito constitucional e Teoria do Estado na Puc-Rio, Especialista em Direito do Estado pela uERJ, Professor de sociologia Jurídica da uERJ.

FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen Leal PRESIDENTE FGV DIREITO RIO Joaquim Falcão DIRETOR Fernando Penteado VIcE-DIRETOR aDMInIsTRaTIVO

Luís Fernando Schuartz

VIcE-DIRETOR acaDÊMIcO

Sérgio Guerra

VIcE-DIRETOR DE PÓs-GRaDuaÇÃO

Luiz Roberto Ayoub

PROFEssOR cOORDEnaDOR DO PROGRaMa DE caPacITaÇÃO EM PODER JuDIcIÁRIO

Ronaldo Lemos

cOORDEnaDOR DO cEnTRO DE TEcnOlOGIa E sOcIEDaDE

Evandro Menezes de Carvalho

cOORDEnaDOR acaDÊMIcO Da GRaDuaÇÃO

Rogério Barcelos

cOORDEnaDOR DE EnsInO Da GRaDuaÇÃO

Tânia Rangel

cOORDEnaDORa DE MaTERIal DIDÁTIcO

Ana Maria Barros

cOORDEnaDORa DE aTIVIDaDEs cOMPlEMEnTaREs

Vivian Barros Martins

cOORDEnaDORa DE TRaBalHO DE cOnclusÃO DE cuRsO

Lígia Fabris e Thiago Bottino do Amaral

cOORDEnaDOREs DO núclEO DE PRÁTIcas JuRÍDIcas

Wania Torres

cOORDEnaDORa DE sEcRETaRIa DE GRaDuaÇÃO

Diogo Pinheiro

cOORDEnaDOR DE FInanÇas

Milena Brant

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