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Instrumentos Interpretativos I: Unidade, Supremacia e Integração

No documento Teoria do Direito Constitucional (páginas 109-114)

Bloco V: Interpretação da Constituição

Aula 19: Instrumentos Interpretativos I: Unidade, Supremacia e Integração

NOTA AO ALUNO

A) introdUção

Esta é a primeira de duas aulas sobre os recursos argumentativos que a dogmática contemporânea coloca à disposição do intérprete a aplicador da Constituição. Existe uma interpretação constitucional que seja diferente da interpretação jurídica “geral”? O que haveria de tão misterioso e peculiar na interpretação e aplicação da Constituição? Será que as normas constitucionais têm características únicas, próprias de sua posição dentro da Constituição, que exijam um método ou uma aproximação diferente por parte do intérprete?

A doutrina e a jurisprudência contemporâneas têm reconhecido de forma mais ou menos consensual que, como objeto de interpretação, a Constituição possui diferen- ças significativas em relação a normas do Código Civil ou de legislação extravagante, por exemplo. Nesse sentido, procuram estabelecer um rol mais ou menos consensual de “princípios de interpretação”, tais como “unidade da constituição”, “concordância

prática”, “efeito integrador”, “efetividade” etc.29.

Nesta aula, porém, nosso foco não será a enumeração exaustiva do já tradicional rol de “princípios de interpretação constitucional”. Primeiro, porque uma análise mais aprofundada de tais princípios nos levaria à constatação de que é no mínimo questio- nável se todos os princípios usualmente enumerados são realmente distintos uns dos outros, como no caso da “máxima efetividade” e da “força normativa da constituição”

(Canotilho).30 Segundo, e mais importante, a enumeração daqueles princípios, ainda

que pertinentes, em nada contribui para o desenvolvimento da capacidade de argumen- tação e raciocínio constitucional dos alunos. Como observa o próprio Canotilho, os princípios de interpretação constitucional possuem um caráter tópico, isto é, tornam- se pertinentes ou não diante do problema concreto diante do intérprete. São recursos à disposição do aplicador da Constituição, com os quais pode construir e justificar uma determinada linha de interpretação, e é nesse sentido instrumental e pragmático que devem ser encarados nesta aula.

Com isso, não queremos dizer que a produção doutrinária sobre o tema não seja importante ou meritória. O ponto é outro: é muito mais produtivo investigar na prática decisória dos tribunais quais as especificidades da interpretação consti- tucional que podem ter ou têm peso na argumentação jurídica. Através da biblio- grafia recomendada, você já fez um contato inicial com a posição da doutrina bra- sileira e estrangeira sobre o tema. Como já dito, não discutiremos a aplicabilidade ou pertinência desses princípios em tese. A ênfase será nas duas características da Constituição, com influência na interpretação, que têm maior consenso na doutri- na e na jurisprudência: supremacia sobre as outras normas jurídicas e unidade da Constituição.

29 cf., por todos, canOTI-

lHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição; HEssE, Kon- rad. Escritos de Derecho Constitucional; BaRROsO, luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição.

30 Para uma avaliação

crítica da pertinência do catálogo de princípios de interpretação constitucio- nal, cf. sIlVa, luís Virgílio afonso da. Interpretação Constitucional e Sincretis- mo Metodológico.

Supremacia é, na verdade, o pressuposto de existência de uma interpretação especifi- camente constitucional. Na medida em que só pode ser alterada por um procedimento diferenciado, a Constituição não pode ser contrariada pela legislação ordinária. Os alu- nos devem se familiarizar com a idéia de que a Constituição é uma instância argumen- tativa sempre acessível, pois nenhum outro ato de nenhum dos três Poderes lhe pode ser contrário; sempre é possível analisar questões jurídicas sob a ótica constitucional. Nesse sentido, a aula também tangenciará a temática do controle de constitucionalidade.

Unidade é a característica de não-prevalência em tese de uma norma constitucional sobre outra. Nenhuma norma constitucional pertinente à solução de um caso concreto pode simplesmente ser ignorada pelo intérprete, ainda que se reconheça que certas ma- térias seriam mais adequadamente regulamentadas pela legislação infraconstitucional (por exemplo, a permanência do colégio Pedro II na esfera federal).

A conseqüência da unidade da constituição para a atividade interpretativa é o dever de aplicá-la de forma a evitar antagonismos entre as suas normas na prática. Segundo Canotilho, “o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas

constitucionais a concretizar”.31

Embora o ponto seja facilmente perceptível em tese, a natureza analítica e com- promissória de nossa Constituição torna difícil na prática a aplicação do princípio da unidade. Na verdade, a obrigação de aplicar globalmente a Constituição é o que torna a sua interpretação verdadeiramente problemática. Como conciliar, por exemplo, a liberdade econômica, a liberdade de propaganda e o direito à informação com a prote- ção à saúde pública, ao consumidor e às crianças e adolescentes, por exemplo?

B) o CAso

Leia com atenção a notícia abaixo:

27/09/2004 – 20:11 – CNI contesta no Supremo restrições à propaganda de tabaco O ministro Joaquim Barbosa é o relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3311) proposta pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) contra os limites estabelecidos para a propaganda comercial de tabaco, que não pode ser veiculada em rádio e TV. A ação tem pedido de liminar.

O caput do artigo 3º da Lei 9.294/96, que trata das restrições ao uso e à propaganda de cigarro, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, determina, por exemplo, que a propaganda de cigarro só poderá ser feita por meio de pôsteres, pai- néis e cartazes afixados na parte interna dos locais de venda do produto.

Entre as várias alegações da CNI, está a de que “a exposição de cartazes ostentando a marca de cigarro no interior dos bares não é propaganda no sentido atual do termo. No máximo, esses cartazes são um acessório da propaganda na televisão e no rádio”.

Outras restrições à propaganda desse tipo de produto são feitas ao longo do artigo 3º. O parágrafo 2º determina a inclusão de advertência sobre os malefícios do fumo nos

embalagens dos maços de cigarro com a utilização de figuras que ilustrem o sentido da mensagem, que devem variar a cada cinco meses.

O artigo 3º da Lei 9.294/96 foi alterado em 2000 pela Lei 10.167, e, em 2001, pela Medida Provisória 12.190-34. Segundo a CNI, a nova redação do dispositivo é “de clara inconstitucionalidade”, porque veda a propaganda de tabaco, ferindo o parágrafo 4º do artigo 220 da Constituição que determina a restrição desse tipo de comercial. Para a Confederação, o dispositivo fere a liberdade de expressão, de informação, de iniciativa econômica e de concorrência.

“Não há legitimidade para se impedir a venda de produto lícito ou a sua publicidade, sem limitar direitos fundamentais dos eventuais clientes, nomeadamente, a liberdade de conhecer e adquirir os produtos comercializados, além de direitos das próprias em- presas, que devem ter a liberdade de vender e tornar públicos, com limitações, os seus produtos”, observa a CNI na ação.

Ainda segundo a Confederação, a nova redação do artigo 3º dá à administração pú- blica enorme liberdade para determinar o conteúdo das obrigações e restrições a serem observadas pelas indústrias de fumo, obrigando, inclusive, as empresas a fazerem con- trapropaganda de seus próprios produtos.

“As restrições legais não podem impedir ou proibir a divulgação dos produtos e ser- viços, como o faz o caput do artigo 3º da lei impugnada, sob pena de abolir o próprio direito à propaganda constitucionalmente assegurado”, alega a CNI.32

A lei impugnada pela Confederação Nacional da Indústria – Lei 9294/96 dispõe, em seus próprios termos, “sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4° do art. 220 da Constituição Federal”.

Após e leitura de trechos selecionados da ADIn proposta pela CNI (ADIn 3311), distribuídos pelo professor, imagine que você é o Ministro do Supremo Tribunal Fe- deral designado para ser o Relator do caso. Prepare: 1) breve relatório sobre o caso; 2) seu voto sobre a questão, tentando abranger e enfrentar o maior número possível de argumentos constitucionais favoráveis e contrários ao acolhimento da ADI.

C) mAteriAl de Apoio c1) textos

I) OBRIGATÓRIOS

BARROSO, Luís Roberto. “Princípios de Interpretação Especificamente Consti- tucional.”, trecho de Interpretação e Aplicação da Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. (pgs. 103-112; 196-218)

II) ACESSÓRIOS

BARROSO, Luís Roberto (org.). A Nova Interpretação Constitucional. Ponderação,

Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

32 Fonte: www.stf.gov.br.

acessado em 06 de outu- bro de 2004.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris Editor, 1997.

HESSE, Konrad. “La interpretación constitucional”. In Escritos de Derecho Consti-

tucional, 1983, pp. 33-57.

SILVA, Virgílio Afonso da. “Interpretação Constitucional e Sincretismo Metodo- lógico”, in SILVA, Virgílio Afonso da (org.). Interpretação Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2004.

VIEIRA, Oscar Vilhena. A Constituição como Reserva de Justiça. São Paulo: Malhei- ros, 1999.

TRIBE, Laurence e DORF, Michael. Hermenêutica Constitucional. Belo Hori-Belo Hori-

zonte: Del Rey, 2007.

c2) Questões de Concursos

6º Concurso – Magistratura Federal/ 1999 – 2ª Região

Em que consistem os mecanismos exegéticos de “interpretação da lei conforme a constitui- ção” e de “interpretação da constituição conforme a lei”. Forneça exemplo de cada hipótese.

8º Concurso – Magistratura Federal/ 2001 – 2ª Região

Comente, de forma sumária: princípio da unidade da Constituição, colisão de princí- pios constitucionais e ponderação de interesses.

Relativamente à concretização das normas constitucionais, comente brevemente os conceitos de: a) auto-aplicabilidade; b) reserva do possível; e c) vedação do retrocesso.

Magistratura Estadual/ 2003 – MG

Enuncie e explique os princípios de interpretação especificamente constitucional.

Magistratura Estadual/ 1999 – DF

Interpretação conforme a Constituição. Fundamento. Quando será possível. Interpretação conforme com redução de texto. Interpretação conforme sem redução de texto. Explique.

Fale sobre o princípio da presunção da constitucionalidade das leis e a possibilidade de o Poder Executivo descumprir uma norma por considerá-la inconstitucional, emitindo opinião a respeito.

37º Concurso – Ministério Público Estadual/ 1999 – MG

Dissertação:”Aplicabilidade das Normas Constitucionais.”

19º Concurso – Ministério Público Estadual/ 2002 – MS

É possível haver antinomia entre normas da própria Constituição Federal? Justifique a resposta e, em caso afirmativo, cite exemplo conflitual no texto da Lei Maior, apontan- do o critério de solução das antinomias constitucionais.

40º Concurso – Ministério Público Estadual/ 2000 – MG

“Interpretação das Normas Constitucionais”.

24º Concurso – Ministério Público Estadual/ 2002 – DF

Em que consiste e que eficácia possui a “interpretação conforme a Constituição” no sistema brasileiro de controle concentrado de constitucionalidade das leis?

aula 20: instrumentos interPretativos ii: razoabilidade e

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