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Estado de necessidade defensivo e estado de necessidade agressivo

5. DOS ELEMENTOS DO ESTADO DE NECESSIDADE

5.3. Outras questões relativas ao estado de necessidade

5.3.2. Estado de necessidade defensivo e estado de necessidade agressivo

Toledo,295 após fazer um breve exame a respeito da diferenciação entre estado de necessidade e legítima defesa e afirmar que no estado de necessidade ocorre uma ação predominantemente agressiva com aspectos defensivos, enquanto na legítima defesa ocorre o contrário, pondera no sentido de que apesar do valor didático desta distinção, há situações do estado de necessidade que se diferenciam ora por terem características agressivas e ora por terem características defensivas.

Assim o referido autor conceitua ambos os estados de necessidade, defensivo e agressivo, nos seguintes termos:296

Estado de necessidade defensivo. Denomina-se defensivo o estado de

necessidade quando o ato necessário se dirige contra a coisa de que promana o perigo para o bem jurídico defendido. Exemplos: quem é atacado por um cão alheio, mata o animal agressor; quem, para evitar a propagação de um incêndio que põe em perigo a vida ou o patrimônio, abate árvores da propriedade alheia incendiada. Estado de necessidade agressivo. É agressivo o estado de necessidade quando o ato necessário se dirige contra coisa diversa daquela de que promana o perigo para o bem jurídico defendido. Exemplos: quem, para prestar socorro a um doente ou ferido em estado grave, toma um veículo alheio estacionado e dele se utiliza, sem autorização do dono;que, perdido em local ermo, comete furto de víveres ou de

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Segundo nos informa FABISCH. Essai sur l‟état de nécessité. p.21, in verbis: “Mais celui qui est en état de

legitime défense frappé son agresseur mème; il semble accomplir um acte de justice, tout au moins il exerce um droit. Le necessite, au contraire, ne se défend pas contre um agresseur, mais bien contre le vent, la tempête, le naufrage, le froid, la faim, em um mot, contre les circonstances et il se défend em violant les droits d‟um innocent; il fait une victime qui n‟est pas cause Du danger qu‟il court. Le nécessité, dans bien des cas, semble digne d‟intérêt, mais il ne paraìt jamais accomplir um acte de justice.

295

TOLEDO. Ilicitude penal e causas de sua exclusão. p.38. 296

provisões alheios para saciar a fome. O furto famélico, nos centros urbanos, é outro exemplo.

Vincenzo Manzini297 define o estado de necessidade defensivo como sendo a ação dirigida contra quem não deu causa a uma situação de necessidade (coisas ou animais, homens incapazes de determinação jurídica, os estados anormais da pessoa, como por exemplo a gravidez ou o parto perigoso para a mãe). O estado de necessidade agressivo se dirige contra uma coisa ou uma pessoa (ou entidade), que deu causa à situação de necessidade.

Frederico Marques apresenta o exemplo de alguém que, estando em uma charrete, frente a um obstáculo, desvia o veículo para uma plantação direcionando-se para causar danos a esta, quando é contido pelo proprietário da plantação que derruba o veículo, causando ferimentos no condutor.

Neste caso, não pode o proprietário invocar a legítima defesa da sua propriedade, porque não houve agressão por parte do condutor, que apenas praticou um fato necessitado; mas se for possível estabelecer uma proporcionalidade entre os bens em conflito o estado de necessidade poderá ser invocado em seu favor:298

O “fato necessitado” quando dirigido contra terceiro, diz-se fato “agressivo” e sacrifica o direito de um inocente; se o direito atingido pelo outro “fato necessitado” for de quem produziu ou contribui para produzir o perigo, este se chama fato “defensivo”.

A respeito da distinção entre estado de necessidade defensivo e estado de necessidade agressivo, Contieri afirma que é importante distinguir entre a hipótese de o sujeito passivo do fato necessitado ter produzido ou ter concorrido para produzir o perigo próprio da situação de necessidade, bem como a hipótese contrária, para que se faça a distinção entre o estado de necessidade e a legítima defesa e para que se resolvam os problemas decorrentes da indenização do dano civil causado pelo fato necessitado:299

Na doutrina fala-se vulgarmente de facto necessitado defensivo e de facto necessitado agressivo ou ainda de reacção e de ação. É geralmente admitido que o facto necessitado é defensivo quando se dirige contra a causa do perigo. Devemos, porém, procurar saber se esta direção do facto necessitado

297

MANZINI. Trattato di diritto penale. p.390. v. 2.: “L‟azione o l‟omissione necessitata può essere: difensiva:

quando il fatto è rivolto contro la causa, non imputabile, della situazione necessitante (cose o animali; uomini incapaci di volontà giuridica; stati anormali della persona, come ad es., la gravidanza o il parto pericolosi per la madre). Se la causa del pericolo è volontaria ed ingiusta, subentra la legittima difesa, qualora il fatto necessitato siasi diritto contro la causa stessa; aggressiva: allorchè il fatto necessitato è diretto contro una cosa, o contro una persona (fisica o giuridica), che non diede causa alla situazione necessitante.

298

MARQUES. Tratado de Direito Penal. p.175. v. 2. 299

deve entender-se em relação ao seu objecto material, isto é, à matéria sobre que recai a actividade física do agente, ou em relação à pessoa titular do bem ou interesse directamente lesado pelo facto necessitado [...] Por conseguinte, assentamos em que o facto necessitado é defensivo quando ofende directamente um bem ou interesse pertencente a uma pessoa que produziu ou que concorreu para produzir o perigo da situação de necessidade, e é agressivo, pelo contrário, quando não ofende directamente um bem ou interesse pertencente a uma pessoa que produziu ou concorreu para produzir o perigo da situação de necessidade.

Em relação a esta ponderação de Contieri, especificamente no sentido de que o estado de necessidade é agressivo “quando não ofende directamente um bem ou interesse pertencente a uma pessoa que produziu ou concorreu para produzir o perigo da situação de

necessidade”, é forçoso reconhecer que a formulação do conceito, na forma negativa,

terminou por deixar dúvidas quanto ao seu conteúdo.

Isto porque, da forma como está escrito, pode levar a imaginar, por equívoco, a incompreensível possibilidade de existir um estado de necessidade agressivo sem ofensa a um bem ou interesse jurídico, na medida em que se excluiu do referido conceito a terceira pessoa, que teria os seus bens jurídicos violados e que não teria provocado a situação de necessidade.

Assim, melhor que se afirmasse que o estado de necessidade é agressivo quando ofende diretamente um bem ou interesse pertencente a uma pessoa que não produziu ou concorreu para produzir o perigo da situação de necessidade, pois a construção afirmativa, neste caso, apresenta um conteúdo mais compreensivo do referido instituto.