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Estado de necessidade na legislação penal italiana

7. DO ESTADO DE NECESSIDADE NO DIREITO PENAL COMPARADO

7.2. Família romano-germânica

7.2.2. Estado de necessidade na legislação penal italiana

Segundo Mantovani,377 o estado de necessidade encontra-se radicado no instinto de conservação e fundamenta-se no princípio necessitas non habet legem. Opera-se de forma objetiva, não havendo, no caso de conflito de interesses de mesmo valor, preferência legal por qualquer um deles, mas a preferência pelo bem de maior valor, caso os referidos interesses jurídicos sejam de valores diversos.

Afirma ainda Mantovani,378 que o instituto do estado de necessidade, por ter um caráter utilitarista,379 é uma discriminante “amoral” e que se diferencia substancialmente da legítima defesa, tanto do ponto de vista ético quanto jurídico, porque nesta o perigo vem de um agressor e naquele de um terceiro inocente que não determinou a situação de perigo, pela necessidade de existir um direito pessoal de dano grave e não voluntariamente causado e por existir uma obrigação residual de indenizar, no plano civil, o sujeito prejudicado.

O estado de necessidade centra-se em dois polos, o da situação de perigo e o do fato lesivo realizado pelo sujeito em perigo ou pelo sujeito que realiza o socorro, é como se manifesta Mantovani.380 Analisando o primeiro polo, afirma, em relação à situação de perigo,

377

MANTOVANI. Diritto Penale. p.261: “Radicata nell‟instinto incoercibile della conservazione, questa

scriminante è prevista dall‟art.54, che codifica il tradizionale principio della necessitas non habet legem [...] Poiché almeno uno dei due interessi in conflitto deve soccombere, l‟ordinamento giuridico non esprime alcuna preferenza se gli interessi sono di pari valore, mentre preferisce quello maggiore se essi sono di diverso valore”.

378

MANTOVANI. Diritto Penale.p.261: “Pur presentando affinità con la legittima difesa, se ne differenzia

sostanzialmente, dal ponto de vista ético e giuridico: a) nelle premesse, poiché viene leso il diritto non di um agressore, ma di um terzo innocente, che non há determinato la situazione di pericolo;b)Nei consequenti limiti, poiché deve trattarsi di diritti “personali”ed esistere il pericolo di um danno “grave”e non “voluntariamente causato”; c) nelle consequenze, poiché lascia residuare sul piano civile l‟obbligo di versare um “equo indenizzo” al soggetto pregiudicato (art.2045 c.c.)”.

379

Jeremy Bentham, por sua obra Um Fragmento sobre o Governo de1776, é reconhecido como o precursor do utilitarismo. Posteriormente, com a Teoria dos Castigos e das Recompensas, publicada em francês em 1811 e traduzida para o inglês, com títulos diferentes, O Fundamento Racional da Recompensa, de 1825 e O

Fundamento Racional do Castigo, de 1830 e com Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação, de

1789, considerada sua maior obra teórica, passou a divulgar as suas ideias na maior parte dos países da Europa e da América. Segundo Bentham: “por princípio de utilidade entende-se aquele princípio que aprova ou desaprova qualquer ação, segundo a tendência que tem a aumentar ou a diminuir a felicidade da pessoa cujo interesse está em jogo, ou o que é a mesma coisa, em outros termos, segundo a tendência a promover ou a comprometer a referida felicidade. Digo qualquer ação, com o que tenciono dizer que isto vale não somente para qualquer ação

de um indivíduo particular, mas também de qualquer ato ou medida de governo” (Jeremy Bentham. Uma

introdução aos princípios da moral e da legislação; tradução de Luiz João Baraúna. in: Coleção os Pensadores – v.2 ed.. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. VI-VII, p.4).

380

MANTOVANI. Diritto Penale. p.263: “Circa la fonte, il pericolo può derivare da forze naturali o animali,

come pure dalla aggressione di um uomo, sempre Che l‟aggredito diriga la própria azione non sull‟aggressore, ma contro estranei. Come nel caso di chi, per sfuggire ad um seqüestro , sottrae l‟altrui auto o si rifugia, violandolo, nel domicilio altrui. Il pericolo deve consistere nella minaccia di um danno Allá persona, cioé ad um diritto non patrimoniale ma personale che - secondo la concezione personalistica dell‟uomo e contro le

que esta pode derivar-se tanto da força natural quanto da agressão humana e deve consistir na ameaça de um dano à pessoa.

Marinucci e Dolcini381 ao analisarem o instituto do estado de necessidade e a forma como foi recepcionado no direito penal italiano, especialmente no art.54 do seu Código Penal, questionam a sua natureza, se justificante ou exculpante.

Questionam, ainda, se o estado de necessidade se trata de uma faculdade legítima, em que o seu exercício torna lícito o cometimento de um fato penalmente relevante ou de uma hipótese em que o ordenamento jurídico dispõe que não se possa apenar aquele que pratica um fato antijurídico por haver uma pressão psicológica de um circunstância que torna inexigível a abstenção da prática do referido ato.382

No entanto, os citados autores relatam que tal disputa se resume às hipóteses previstas no primeiro e segundo parágrafos do artigo 54 do Código Penal italiano, sendo incontestável que a hipótese de estado de necessidade prevista no terceiro parágrafo, estado de necessidade determinado por outro tipo de ameaça, tem natureza exculpante.383

De fato, o Código Penal italiano,384 ao disciplinar o instituto do estado de necessidade, em seu art.54, o fez nos seguintes termos:

Art. 54

Stato di necessità

Non è punibile chi ha commesso il fatto per esservi stato costretto dalla necessità di salvare sè od altri dal pericolo attuale di un danno grave alla persona, pericolo da lui non volontariamente causato, nè altrimenti evitabile, sempre che il fatto sia proporzionato al pericolo.

Questa disposizione non si applica a chi ha un particolare dovere giuridico di esporsi al pericolo.

La disposizione della prima parte di questo articolo si applica anche se lo stato di necessità è determinato dall'altrui minaccia; ma, in tal caso, del fatto commesso dalla persona minacciata risponde chi l'ha costretta a commetterlo.

aprioristiche restrizioni di uma minoritária dottrina – comprende non solo i Beni della vita e integrità física, ma i Beni della personalità anche morale, siano o meno tutelati penalmente (liberta física, morale, sesuale, onore , riservatezza)”.

381

MARINUCCI; DOLCINI. Manuale di Diritto Penale. Parte Generale. p.224-225. 382

MARINUCCI; DOLCINI. Manuale di Diritto Penale. Parte Generale. p.225: “Si discute se lo stato di

necessita vada inquadrato tra le cause di giustificazione ovvero tra le scusanti (cfr.infra, VIII, 6), cioé se si tratti di uma facoltà legittima Il cui esercizio rende lecita la comissione di um fatto penalmente rilevante ovvero di un‟ipotesi in cui l‟ordinamento ritiene che non si possa muovere um rimprovero a chi commesso um fatto antigiuridico, avendo agito sotto la pressione psicológica di uma circonstanza che rendeva inesigibile l‟astencione da quel fatto.”

383

MARINUCCI; DOLCINI. Manuale di Diritto Penale. Parte Generale. p.225: “A bem vedere, la disputa

riguarda soltanto uma delle ipotesi di stato di necessita, e cioé quella prevista AL primo e AL secondo comma dell‟art.54 c.p. Non è infatti contestabile Che abbia natura di scusante l‟ipotesi dello “stato di necessita determinato da altrui minaccia” prevista nel co.3 (cfr.infra, 9.6)”.

384

Os autores acima mencionados analisaram a primeira hipótese de estado de necessidade quanto aos seus pressupostos, o perigo atual de um dano grave à pessoa não causado voluntariamente e o requisito da ação de salvamento, a necessidade de uma ação para evitar o perigo e sua proporcionalidade.385

Quanto ao pressuposto da ação de salvamento, perigo atual e não voluntariamente causado, afirmam ser este coincidente com o perigo atual vislumbrado na legítima defesa, residindo a sua fonte no desencadeamento natural, como no caso de um incêndio provocado por um curto circuito ou por provocação do homem, como no caso de um assalto que ocorra em uma estrada deserta, causando lesões à vítima e que demande a atuação de um terceiro, por exemplo, tomando um carro qualquer estacionado para socorrer à referida vítima.386

Em relação à atualidade do perigo, Marinucci e Dolcini387 esclarecem que este é atual quando se verifica que o dano é iminente e também quando o dano está em curso, mas ainda não se exauriu.

Esclarecem, por fim, que a lei estabelece como limite ulterior ao perigo, que este não tenha sido voluntariamente causado pelo agente:388 La legge pone un ulteriore limite al pericolo rilevante ai fini dello stato di necessità, esigendo che il pericolo non sia stato

“voluntariamente causato”.