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4. DOS ESTADOS DE NECESSIDADE NA LEGISLAÇÃO PENAL VIGENTE

4.4. Requisitos do estado de necessidade

Referindo-se às disposições constantes do Código Penal, no que diz respeito ao estado de necessidade e ao analisar os seus requisitos, Francisco de Assis Toledo196 os elenca em: perigo de lesão a um bem jurídico, afirmando que este deve ser atual e não pode ter sido voluntariamente causado pelo agente do fato necessitado; inevitabilidade da lesão a um bem,

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REALE JÚNIOR. Dos estados de necessidade. p.53. 195

Conforme nota 3, deste capítulo, o anteprojeto de Código penal elaborado por Nelson Hungria em 1963 e que, posteriormente transformou-se no Código penal de 1969 teve “o seu início de vigência adiado por mais de uma vez até que, no Governo do Presidente Geisel, optou-se pela reforma parcial do Código de 1940 e pela revogação definitiva do Código de 1969, o que de fato se deu, respectivamente, pelas Leis n. 6.416, de 24 de maio de 1977,

e 6.578, de 11 de outubro de 1978” (TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. p.65-

66). 196

no sentido de que no conflito de bens juridicamente protegidos, o sacrifício de um deles somente está autorizado quando a salvação do outro só possa ocorrer a custa deste sacrifício; existência de um conflito entre bens; o balanceamento de bens e deveres e por fim, o elemento subjetivo do agente, ou seja, “a sua orientação de ânimo no sentido de salvar o bem ameaçado.

De acordo com Ariosvaldo de Campos Pires,197 são requisitos do estado de necessidade a existência de um perigo atual ao bem protegido, a situação de perigo não provocada por vontade própria e inevitável, a inevitabilidade da situação de perigo, de maneira que o perigo não possa ser evitado de outro modo, a proteção de direito próprio ou de terceiro e a não exigibilidade do sacrifício do direito posto sob perigo.

Quanto à jurisprudência pátria a respeito deste tema, registra-se que, para a caracterização do estado de necessidade, exige-se do agente a prática ou a abstenção de uma conduta, no sentido de salvar, de perigo atual, direito próprio ou alheio:

ESTADO DE NECESSIDADE – Furto – Agente que alega estar desempregado, sem documentos, e morar na rua – Inexistência da situação de perigo para salvar direito próprio ou alheio – Inaplicabilidade do art. 24 do CP. Ementa oficial: A alegação de estado de necessidade não ilide a

responsabilidade de quem, no interior de clínica médica, subtrai bolsa de funcionária, alegando estar desempregado, sem documentos, e morar na rua. Além disso, essa excludente exige situação de perigo para salvar direito próprio ou alheio, como que o art.24 do CP. [...] O imputado não nega o fato

criminoso, entrementes procura justificar sua conduta invocando em seu favor o estado de necessidade, que não merece prosperar. O art.24 do CP, dentre outros requisitos, exige que o procedimento daquele que pratica fato típico, porém jurídico, se dirija a salvar , de perigo atual, direito próprio ou alheio. Quem está passando por dificuldades financeiras, face ao desemprego, inclusive morando nas ruas, não precisa furtar para sobreviver, porque existem outros meios para solucionar os seus problemas, como,

exempli gratia, pedir ajuda ou auxílio ás pessoas mais próximas ou fazer

biscates. (TJRJ – Ap.944/98 - 8ª Cam., j.20/08/1998, p.24/02/99 – Rel. Sérvio Túlio Vieira, RT763/647).

Por outro lado, o perigo não pode ser provocado pelo próprio agente, como se observa de elucidativa jurisprudência a este respeito em que acampados “sem terra” voluntariamente criaram a situação de perigo e de consequente necessidade:

ESTADO DE NECESSIDADE – Descaracterização – Furto – Acampados

“sem terra” que subtraem carga de caminhão contendo gêneros alimentícios

e produtos de limpeza e higiene – Situação de necessidade criada, voluntariamente, pelos próprios agentes, eis que cientes de que faltariam alimentos para o sustento do grupo. Ementa da Redação: Não caracteriza a

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PIRES. Compêndio de Direito Penal, parte geral. v.1. Colaboração e atualização de Sheila J.Selim de Sales. p. 173-176.

excludente de criminalidade do estado de necessidade a conduta de acampados “sem terra” que subtraem carga de caminhão contendo gêneros alimentícios e produtos de limpeza e higiene, pois os próprios agentes voluntariamente criaram a situação de necessidade, eis que cientes de que faltariam alimentos para o sustento do grupo. [...] É inegável que os

acusados encontravam-se espontaneamente acampados no dia dos fatos narrados na denúncia. Tinham consciência de que, sem o exercício do trabalho honesto, certamente iriam ficar sem os gêneros alimentícios de primeira necessidade; podiam evitar a situação aflitiva, bastando que deixassem o acampamento e procurassem trabalho, não obstante pudessem continuar seus objetivos de reformular a política fundiária do país. Foram destarte, os próprios acusados que provocaram a situação que agora alegam insustentável. Além disso, se agissem de outro modo, poderiam ter evitado o assalto ao caminhão de alimentos. (TJMS – Ap.49.107-2/01 – 2ª T. - j.22/09/1999 – Rel. Des. Rubens Bergonzi Bossay, RT773/637).

Exige-se ainda, em relação à gravidade do perigo que ameaça o bem jurídico do agente ou de um terceiro, que este seja proporcional à gravidade da lesão causada pelo fato necessitado, conforme se depreende da jurisprudência a este respeito:

ESTADO DE NECESSIDADE – Contravenção penal – falta de habilitação legal para dirigir veículo na via pública – Excludente caracterizada, vez que comprovada que a proporcionalidade entre o risco de eventual acidente era mais grave do que a violação da contravenção penal – Absolvição decretada.

Para configuração do estado de necessidade, faz-se imperioso requisito de proporcionalidade entre a gravidade do perigo que ameaça o bem jurídico do agente ou alheio e a gravidade da lesão causada pelo fato necessitado.

(TACRIMSP – 950.025/0 – 6ª C. - j. 09/08/1995 – Rel. Juiz Feiez Gattaz, RT724/686).

No que diz respeito à inevitabilidade das lesões, Frederico Marques198 afirma que o fato necessitado só se justifica quando inevitável a sua prática para a salvaguarda do direito posto em perigo, devendo ser, portanto, absolutamente imprescindível para impedir a lesão ao bem jurídico e não ser possível o afastamento do perigo por outro meio.

A jurisprudência pátria é no sentido de que a possibilidade de emprego de outros meios para a salvaguarda do bem jurídico ameaçado inibe o caráter de inevitabilidade das lesões e da consequente conduta do agente:

ESTADO DE NECESSIDADE – Inocorrência – Insuficiência de recursos para custear tratamento médico – Condição que não caracteriza a excludente de ilicitude – Possibilidade de emprego de outros meios para a salvaguarda do bem jurídico ameaçado. Ementa Oficial: A insuficiência de recursos para

custear tratamento médico não pode ser alçada à condição de excludente de ilicitude (estado de necessidade) quando outros meios, afora a transgressão da lei, se vislumbram para a salvaguarda do bem jurídico ameaçado, a exemplo do recurso à via judicial. (TRF5 – Ap.2001.05.00.043822-0/PE – 1ª

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T. - j. 13/11/2003 – Rel. convocado Des. Federal Francisco Barros Dias, RT833/693).

Conforme já analisado, o direito nacional contemplou o estado de necessidade, tanto como excludente da antijuridicidade quanto da culpabilidade no Código penal Militar de 1969, em vigor.

A respeito dos requisitos comuns aos estados de necessidade justificante e exculpante, Reale Júnior199 assim se manifesta:

Tanto o estado de necessidade, como exclusão da culpabilidade, quanto o estado de necessidade, como exclusão da antijuridicidade, apresentam alguns requisitos comuns, quais sejam: 1.º a existência de um perigo certo e atual; 2.º que esse perigo não tenha sido provocado pelo agente: “perigo que não provocou”; 3.º dano inevitável, a não ser pelo comportamento lesivo, ou seja, “nem podia de outro modo evitar”.

Desta forma, o artigo 39 do referido código, sob a denominação de “Estado de

necessidade com excludente de culpabilidade” define que não é culpado quem, para proteger

direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe fosse razoavelmente exigível conduta diversa.

O inciso I do artigo 42 do estatuto penal militar, por sua vez, é no sentido de que não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade. Sob a denominação de

“estado de necessidade, como excludente do crime” o seu artigo 43 considera em estado de

necessidade quem pratica o fato para preservar direito seu ou alheio, de perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, desde que o mal causado, por sua natureza e importância, seja consideravelmente inferior ao mal evitado, e o agente não seja legalmente obrigado a arrostar o perigo.

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