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Um Estado de Direito não intervencionista como resultado da convergência dos Sistemas Econômicos

1.1 A PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO COMO INSTRUMENTO IMPRESCINDÍVEL PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E

1.1.1 Um Estado de Direito não intervencionista como resultado da convergência dos Sistemas Econômicos

De um lado, a eficiência produtiva foi alcançada mundialmente, priorizando-se a redução dos custos, bem como a redução dos riscos dos investimentos, aproximando as economias de várias partes do globo como espaços de desregulamentação; de outro, houve em países - de imensas desigualdades sociais - centralidade do consumo sem distribuição de renda, instabilidade das relações de trabalho e consequente incremento do desemprego. Tal quadro demonstrou o paradoxo de uma economia globalizada, que, em perspectiva, deveria, em qualquer lugar do planeta, aumentar o usufruir de bens e serviços, porém, em economias emergentes, o que se percebeu foi a redução da renda dos trabalhadores, que não conseguiram alcançar o padrão de consumo de países de economias estáveis (o que ocorreria com a renovação de hábitos de consumo, exteriorizados, por exemplo, pela aquisição de produtos novos e a substituição dos “obsoletos”).

A consequência mais grave, entretanto, será a constatação de que a qualidade de vida de grande parte da população ultimará reduzida. Num círculo vicioso, a recessão poderá obrigar os trabalhadores a reduzir o consumo de produtos tradicionais (e que eram alcançados com a renda não alterada apesar da recessão).13 Mário Lúcio Quintão Soares sintetiza o que denominou de “fábula da multiplicação de objetos e serviços,” nas seguintes palavras:

A globalização em si pode ser considerada um retrocesso quanto à noção de bem público e de solidariedade, do qual é emblemático o encolhimento das funções sociais e políticas do Estado constitucional, gerando, em vez de abundância e riqueza, autêntica fábrica de perversidades.14

Em que pese a sobriedade da leitura que Mário Lúcio Quintão Soares faz dos efeitos da globalização, tendo em vista a realidade de economias próximas – como a do Brasil – é importante pontuar que, na contemporaneidade, inegável o protagonismo das economias neoliberais (e com isso o encampar do capitalismo como sistema de produção hegemônico). Porém, tecnicamente, perceptíveis gradações do capitalismo e também a coexistência de cinco diferentes formas de organização econômica, que ora se enumera: Capitalismo Liberal, Socialismo Tradicional, Capitalismo Nacional, Capitalismo Social, Socialismo Liberalizante.

13 SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2011, pág. 363. 14Idem.

Este rol se desmembrou da dualidade histórica dos sistemas econômicos: capitalismo versus socialismo.15

Assim, tem-se no Capitalismo Tradicional o modelo econômico em que se perceberia a ausência do Estado na atividade econômica, modelo hoje ultrapassado e em vias de extinção. De igual modo, também não integrado à economia mundial, com tendência ao desaparecimento, há o Socialismo Tradicional que se revela pela participação do Estado na Economia em caráter permanente, pois tal sistema se associa à inexistência da iniciativa privada. A distanciar-se dos extremos, tem-se o Capitalismo Nacional, suscetível à intervenção do Estado na Economia, em caráter temporário e suplementar à atividade privada. No Capitalismo Social, o Estado se apresenta, de forma preponderante como regulador e fiscalizador, características que também se encontram presentes no denominado Socialismo Liberalizante, salientando-se, neste último caso, como dessemelhança estrutural, o fato de que, para algumas atividades de impacto social, como por exemplo, saúde e educação, o Estado as monopoliza, realizando-as, exclusivamente, como atividades público-estatais.

Reis Friede16 ensina-nos através de uma retrospectiva dos sistemas econômicos atuais que, em vez de pura imposição, o Capitalismo Social (e a ideologia da global governance que o fundamenta) se demonstra uma tendência positiva. Na década de 30 do século XX, o mundo se viu diante da falência do denominado capitalismo liberal. Em razão disso, as economias mundiais trilharam caminhos diferentes.

Neste contexto, os Estados Unidos e a Inglaterra, dentre outros países, desenvolveram o denominado capitalismo social. Outras nações, na perspectiva de fortalecimento do mercado interno, implantaram o capitalismo nacional, sendo exemplos Alemanha, Itália, Espanha, Portugal e Brasil. Outras, ainda, optaram pelo socialismo tradicional (URSS e Mongólia). Por um tempo, apesar da segunda guerra mundial, o socialismo puro se manteve, mas na década de 70 do século XX apresentou sinais de estagnação, quando países como URSS e China iniciaram um processo de migração para o denominado socialismo liberalizante. Na contemporaneidade, com a fragmentação do bloco dito comunista liderado pela URSS, em 1989, tem-se percebido a tendência a uma forma aperfeiçoada de capitalismo social (inaugurado em 1930), em que o Estado tem um papel ativo na Economia, sem que isso signifique participação direta ou centralização (característica do socialismo tradicional) ou

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FRIEDE, Reis. Curso de Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, pág. 367.

intervenção (caso do capitalismo nacional). O Estado que encampou o capitalismo social prima pela regulação e fiscalização da atividade privada, opondo-se à passividade de Estados que antes se pautavam pelo capitalismo liberal puro e à restrição ou exclusividade daqueles Estados que se guiam pelo Socialismo Liberalizante, os quais admitem a existência da iniciativa privada, desde que resguardados alguns monopólios para o ente estatal.

Global Governance no sentido de conjunto básico de medidas, prospectivamente, hábeis a debelar a crise financeira das economias periféricas, em 1989, por recomendação do Banco Mundial e outras instituições financeiras sediadas em Washington. Resumidamente, elegeu-se um decálogo de possíveis instrumentos de estabilização econômica, a saber: Disciplina Fiscal, Redução dos Gastos Públicos, Reforma Tributária, Juros de Mercado, Câmbio de Mercado, Abertura Comercial, Investimento Estrangeiro Direto (com eliminação de restrições), Privatização das Estatais, Desregulamentação (flexibilização das leis econômicas e trabalhistas) e respeito ao Direito de Propriedade Intelectual. Popularizou-se, em razão do domicílio das instituições financeiras, a locução “Consenso de Whashington”. Tal locução, para alguns, soa, na atualidade, como sinônimo de “neoliberalismo” ou “globalização”. O economista norte-americano John Wiliamson, a quem se imputa a paternidade da expressão, defendeu-a como conjunto de recomendações, sem que isso tenha significado fossilizar ou petrificar eventual política de ajuste econômico ou, ainda, justificar eventual excesso neoliberal. 17 Eis a síntese de seu pensamento numa tradução livre:

Claro que eu nunca tive a intenção que meu termo fosse usado para justificar liberalizações de contas de capital externo ... monetarismo, na economia do lado da oferta, ou um Estado mínimo - minarquia (que tira do Estado a função de prover bem-estar social e distribuição de renda), que entendo serem a quintessência do pensamento neoliberal.18

Uma conclusão parcial se apresenta possível: a desregulamentação paulatina da economia e o abandono de eventual intervenção estatal direta no mercado interno (como dogmas da chamada globalização) não se opõem ou contrastam com um intervencionismo estatal indireto, de índole preponderantemente normatizadora e fiscalizadora, e que sinaliza para a convergência dos sistemas econômicos de vanguarda (Capitalismo Social e Socialismo

17Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Consenso_de_Washington. Acesso em 15/04/2013, às 8:00.

18WILLIAMSON, John. “Did the Washington Consensus Fail?” Outline of Remarks at CSIS. Washington DC: Institute for International Economics, November 6, 2002. No original: “I of course never intended my term to imply policies like capital account liberalization...monetarism, supply-side economics, or a minimal state (getting the state out of welfare provision and income redistribution), which I think of as the quintessentially neoliberal ideas.”

Liberalizante). A sociedade civil organizada, em geral, e os empresários e as sociedades empresárias, em particular, correspondem aos protagonistas do desenvolvimento econômico e social, pois se legitimam como focos de representatividade adequada numa pós-modernidade, notadamente caracterizada pela fragmentação, multipolarização, multiorganização e descentralização da organização política estatal. Logo, a par dos órgãos estatais, pulverizam-se entes coletivos que pulverizam-se vinculam à iniciativa privada e à sociedade civil, pulverizam-sendo exemplos os organismos de classes profissionais e patronais, associações e ONGs, dentre outros movimentos sociais, aptos como agentes econômicos a dar legitimidade e voz a seus representados.19

Portanto e, sobretudo, em relação ao meio empresarial, o que se está a defender é a desnecessidade de que o Estado venha a intervir diretamente na Economia, especialmente através de eventual legislação que desvirtue ou impeça outros canais de diálogo entre empreendedores e consumidores, inclusive impondo a judicialização dos conflitos como primeira opção ou regra geral, e isso em virtude de uma legislação excessivamente protecionista e que poderá, ainda que equivocadamente, conduzir à percepção de que os custos sociais20 de uma lide sejam menos onerosos do que os estimados em relação a um possível acordo; pois bem, preferível a uma legislação que enrijeça o sistema econômico (prematuramente, por isso, a reclamar sua flexibilização), outros meios de regulação das relações econômicas como contratos, mediações e negociações, os quais ultimam por materializar hipóteses do que José Joaquim Gomes Canotilho denominou de “reserva normativa da sociedade civil”.21

19

SOARES, Mário Lúcio Quintão. Op. cit., pág. 362.

20Os custos sociais de uma demanda judicial serão pormenorizados na análise econômica do processo judicial, capítulo III da presente dissertação, tendo em vista que o tema central do presente trabalho se relaciona à crítica das hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, alcançáveis apenas através da judicialização.

1.1.2 O poder de articulação da Sociedade Civil Organizada e o conceito de “Social