• Nenhum resultado encontrado

1.7 A J USTIFICATIVA E CONÔMICA DA R ESPONSABILIDADE L IMITADA

1.7.2 Os custos do negócio

A par da conclusão possível de que a empresa seja organismo social de relevância mundial para a microeconomia, a maximização do lucro continua sendo elemento primordial para a explicação do comportamento dos empreendedores. Nessa perspectiva, ensinam os economistas que o cálculo do lucro se estima pela mensuração da receita total diminuída do somatório do custo total. A receita total em relação a uma sociedade empresária que comercialize determinado produto, por exemplo, seria alcançada pela multiplicação da quantidade de unidades do produto produzido pelo preço de cada um. Por outro lado, para o cálculo do custo total, necessário um raciocínio mais elaborado, partindo-se do pressuposto de que “o custo de alguma coisa é aquilo de que você desiste para obtê-la”.90

Por essa linha de raciocínio, além dos custos explícitos, representados pelos valores pagos pelos insumos do negócio, os economistas analisam também custos implícitos – os denominados custos de oportunidade – correspondentes a outras opções de investimento, por exemplo. Isto é, deve-se avaliar o que seria mais vantajoso, do ponto de vista econômico, para se escolher entre duas opções: a) especular no mercado financeiro ou b) inserir-se produtivamente em determinado mercado. Ao optar-se pela organização produtiva, estima-se que a especulação financeira seja menos vantajosa do ponto de vista atuarial e matemático.

O conceito de custo implícito, que tem como forte exemplo o custo de oportunidade, e que corresponde ao custo que não exige o desembolso de dinheiro de forma imediata para a manutenção do empreendimento, ultima por diferenciar a avaliação efetuada por contadores e economistas em relação ao patrimônio de determinada sociedade. Os contadores preocupam-se com as operações efetivamente realizadas, enquanto os economistas computam as que potencialmente poderiam ser realizadas.91

Com efeito, é possível a diferenciação entre lucro econômico e lucro contábil, pois no último caso não se deduz o custo implícito. O custo do aporte de capital a ser integralizado numa determinada sociedade constitui exemplo de custo implícito, pois o capital integralizado

90MANKIW, Gregory. Introdução à Economia. Tradução de Allan Vidigal Hastings. São Paulo: Cengage Learging, 2005, pág. 269.

91

“Essa distinção entre custos explícitos e custos implícitos aponta para uma diferença importante entre as maneiras como os economistas e os contadores analisam as empresas. Os economistas estão interessados em estudar como as empresas tomam decisões de produção e de determinação de preço. Como essas decisões se baseiam em custos tanto explícitos como implícitos, os economistas incluem os dois tipos ao calcular o custo das empresas. Os contadores, por outro lado, têm por função acompanhar o fluxo de dinheiro que entra e sai da empresa. Por isso, eles medem os custos explícitos, mas geralmente ignoram os implícitos.” Idem.

poderia ser investido numa aplicação financeira, sendo que os juros em perspectiva advindos de tal aplicação (que não foi possível em virtude da integralização) poderia ser considerado como custo implícito.92

A noção de custo implícito torna-se importante para o presente estudo, pois o incremento do risco da atividade empresarial, com a eleição de hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, meramente objetivas, pelo legislador, pode significar - a par da proteção que se almeje em relação aos credores – um desestímulo ao exercício da atividade empresarial.

É que a possibilidade de perda do patrimônio pessoal que supere o capital já investido na empresa apresentar-se-á como custo implícito na tomada da decisão empreendedora. Se a responsabilidade extra decorre de hipóteses objetivas de responsabilização pessoal dos indivíduos empreendedores, maior o custo implícito; se decorre apenas de situações em que se demonstre responsabilidade subjetiva dos indivíduos, menor o custo implícito; nessa última hipótese, se é fixado um momento e situação específica para tal responsabilização (por exemplo, somente em caso de falência), menor ainda o custo implícito, além de um tratamento econômico mais eficiente.

A especificidade do direito empresarial, como conjunto de normas regulamentadoras da atividade econômica, agrega a ideia de que o fato atividade econômica ou empresarial, necessariamente, ocasionará custos para quem estiver disposto a desenvolvê-la (o empresário e a sociedade empresária), mas, ainda que indiretamente, também gerará custos para o restante da sociedade.

A construção de uma hidrelétrica, por exemplo, exigirá o exaurimento de determinadas matérias-primas e ultimará a demanda por investimentos em infraestrutura, além do deslocamento de populações, o remanejamento de espécies da fauna e da flora, por

92 MANKIW, Gregory. De forma didática imagina o seguinte exemplo: “Suponhamos, por exemplo, que Helen tenha usado $ 300 mil de suas economias para comprar a fábrica de biscoitos do proprietário anterior. Se ela tivesse deixado o dinheiro em uma conta de popança a juros de 5% ao ano, ganharia $ 15 mil por ano. Portanto, para ser proprietária da fábrica de biscoitos, Helen abre mão de $ 15 mil em renda de juros por anos. Esses $ 15 mil de que ela abre mão são um dos custos de oportunidade implícitos do negócio de Helen [...] Um economista verá os $ 15 mil em renda de juros de que Helen abre mão a cada ano como um custo de sua empresa, muito embora seja um custo implícito. O contador contratado por ela, contudo, não lançará esses $ 15 mil como custo porque não sai dinheiro da empresa para pagar por eles.” Op. cit., pág. 270

exemplo. Em perspectiva, portanto, há o gerar de custos sociais, os quais poderão ou não ser compensados pelos benefícios do referido empreendimento.93

A mensuração de proporcionalidade entre os custos e os benefícios sociais poderá tornar-se tarefa bastante complexa. O superávit seria a medida ideal; entretanto, alguns agentes econômicos auferem menos benefícios do que os custos correlatos para o desenvolvimento da atividade. Quando isso ocorrer, contextualizar-se-á hipótese do que a teoria econômica denomina de externalidade.

A externalidade pode ser definida como todo e qualquer efeito decorrente da atividade de um agente econômico, que venha a repercutir positiva ou negativamente sobre a atividade econômica, renda ou bem-estar de outro agente econômico, sem a correspondente compensação.94 Nesse sentido, tomando-se o exemplo acima, uma externalidade positiva seria o incremento do comércio nas regiões a circundar a obra, o que favoreceria a população local. Por outro lado, uma externalidade negativa corresponderia à extinção ou comprometimento da ictiofauna de um rio, com a inundação e represamento necessários para a formação do lago gerador de energia elétrica.

Há, dessa forma, “efeitos colaterais” relacionados a qualquer atividade econômica. “Diz-se que existe externalidade toda vez que o consumo ou a produção de um bem por alguém afeta a satisfação de outra pessoa fora do mercado”95

. O grande desafio, diante de tais efeitos colaterais, será a produção de normas jurídicas capazes de compensar ou mitigar as denominadas externalidades negativas, ou seja, a internalização da economia, conforme Fábio Ulhôa96 ou, ainda, como defende Marcelo Varella, “administrar os riscos inerentes à própria sociedade reflexiva, procurando níveis aceitáveis”97

.

O professor Arthur Cecil Pigou construiu o conceito de “dividendo nacional” e sugeriu a intervenção estatal quando as forças de mercado não fossem, por si, capazes de equilibrar os

93 Tal exemplo se inspira na polêmica sobre a construção e operacionalização da Usina Elétrica Belo Monte, no Estado do Pará. A construção com custo estimado em 26 bilhões de reais e com previsão de início de operação em 2015, mas com o prolongar das obras até 2019. Fonte: Ministério das Minas e Energia (2011) Projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte: Fatos e Dados. Acesso em 30/08/2012.

94

COELHO, Fábio Ulhôa, op. cit., pág. 33. 95

In O Conceito de Externalidades e as Raízes do Pedágio Urbano na Teoria Econômica de autoria de GUIMARÃES, Thiago. Disponível em http://pralaepraca.files.wordpress.com/2008/10/rtp-117-thiago-guimaraes.pdf. Acesso em 30/05/2013, às 14:00.

96

COELHO, Fábio Ulhôa, op. cit., pág. 34.

97 In Governo dos Riscos. Rede Latino-Americana e Européia sobre Governo dos Riscos; org. VARELLA, Marcelo Dias. Periódico editado pelo Uniceub, Unitar e EuropeAid. Brasília, 2005, pág. 135.

custos e os benefícios sociais de determinada atividade econômica. O expediente hábil para tal intervenção seria o sistema tributário. 98

Em oposição a Pigou, Ronald Cose defendeu que o enfrentamento das externalidades não deveria ser considerado apenas na fonte, mas sim em sua totalidade, pois eventual sanção aplicada ao agente econômico causador do dano (ou externalidade negativa) poderia não redundar em benefício econômico geral.99100

Pigou e Coase, portanto, opuseram-se à necessidade e forma de intervenção do Estado, no que diz respeito ao arrefecimento ou afastamento de eventuais externalidades negativas ligadas à atividade empresarial.

De acordo com o pensamento de Pigou (idealizador da economia de bem-estar), o dirigismo estatal deveria ser preponderante, “cabendo-lhe definir e dimensionar os custos sociais e impor a compensação aos agentes econômicos”.101

Para Coase (inspirador da teoria da análise econômica do direito), por outro lado, a intervenção estatal seria coadjuvante, pois a eficiência do sistema econômico poderia ser alcançada pelas próprias forças de mercado, em que inserida a possibilidade de transação dos custos, pois ao Estado caberia a produção de normas jurídicas, especialmente as tributárias, que fossem espelho do “mercado de competição perfeita (Law as market mimiker)”.102

O pontuar mínimo de tais teorias se faz essencial, para que seja possível a compreensão de que o legislar, na busca do enfrentamento das referidas externalidades, poderá ocasionar o incremento dos custos de determinada atividade produtiva. Fábio Ulhoa

98

COELHO, Fábio Ulhôa, op. cit., pág. 35, transcreve o raciocínio de Pigout: “Economistas de filiação pignoriana propõem que se proceda ao cálculo dos custos sociais e sua comparação aos custos individuais, em relação a cada atividade econômica. Esta operação, se resultasse em diferença, revelaria a existência de uma externalidade, que o estado internalizaria do seguinte modo: sendo a diferença em desfavor da sociedade (isto é, se os custos sociais fossem maiores que os individuais), ele seria credor, e o empresário deveria pagar um tributo; no caso inverso, o estado seria devedor e o empresário teria direito a isenções ou incentivos.”

99 GUIMARÃES, Thiago, arremata: “Se os custos de transação forem relevantes, deve-se checar se o ganho de remover a externalidade é maior que os custos de transação em si. Por isso, nem sempre a melhor solução é cobrar do causador da externalidade negativa o ressarcimento do prejuízo e desprezar as condições de mercado em que os atores econômicos se encontram. Quando muitas pessoas são afetadas, o problema se torna bem mais complicado. Coordenar todas as partes envolvidas pode ser muito dispendioso, obter a cooperação de todos os agentes pode ser difícil e chegar ao acordo final pode ser, quando possível, custoso demais. Transações só serão levadas a efeito, se o ganho social da remoção for maior que o custo que a sociedade arca para chegar até ela. Em tais casos, o governo se torna um ator essencial. Disponível em http://pralaepraca.files.wordpress.com/2008/10/rtp-117-thiago-guimaraes.pdf. Acesso em 30/08/2012.

100

COELHO, Fábio Ulhôa, op. cit., pág. 36. 101 COELHO, Fábio Ulhôa, loc. cit.

cunhou a expressão direito-custo ao defender que algumas normas jurídicas, nitidamente, interferem no custo do empreendimento, dentre as quais se destacam aquelas relacionadas à carga tributária. 103

A partir da compreensão de que o direito empresarial está impregnado de normas jurídicas de direito-custo, há o desafio de investigar em que medida a desconsideração da personalidade jurídica cumpriria o papel de cláusula geral, de modo a contextualizar, nos casos concretos, a eficiência econômica das decisões judiciais que a encampassem (pretensão dos que defendem a análise econômica do direito) ou, de outro lado, se referida cláusula geral, sobretudo ao prever hipóteses de desconsideração objetiva, significaria externalidade negativa a reprimir a possibilidade de transação e funcionar como mecanismo, ainda que imperfeito, de intervenção estatal na atividade empresarial (como defendem os partidários da economia do bem-estar).

A pesquisa, assim desenvolvida, abordará o quanto a objetivação dos casos de desconsideração da personalidade jurídica pode contribuir para o desestímulo da atividade empresarial. O risco da responsabilidade individual plena de cada sócio pode afastar o investimento do capital em atividade produtiva e incentivar a especulação improdutiva (natural custo implícito que se torna). E uma legislação protetiva unilateral e de cunho social pode, na outra ponta da relação jurídico-empresarial, sacrificar aquele indivíduo que intenta investir seu patrimônio em atividade de produção e circulação de riqueza.

Toda essa realidade normativa deve ser abordada no contexto econômico capitalista, com fundamento na livre iniciativa, princípio apregoado nos art. 1º, inc. IV, e 170, caput, da CF, opção ratificada pela regra de exclusão da participação direta do Estado na atividade econômica, conforme seu art. 173, e a garantia da propriedade privada para fins de exploração individual (art. 5º, inc. XXII) ou de exploração econômica (art. 170, inciso II). Além do compromisso fundamental assumido pela República Federativa do Brasil, cujos objetivos são traçados no artigo 3º da CF, de garantir a promoção do desenvolvimento nacional (inc. II), erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (inc. III), construir uma sociedade livre, justa e solidária (inc. I), que promova o bem de todos, sem

103

COELHO, Fábio Ulhôa assevera: “Nota-se que algumas normas jurídicas representam, para o empresário, um importante elemento de custo. São desta natureza, por exemplo, grande parte das normas de direito do trabalho (...), de direito tributário (quando relacionadas a tributos do interesse da empresa), de direito previdenciário (as referentes às contribuições do empregador e, também, as do empregado), ambiental, urbanísticos e outros. Por evidente, também o direito comercial integra esse grupo de ramos jurídicos, cujas normas podem influir nos custos da empresa.”, op. cit., pág. 37-38.

preconceitos de origem, raça, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inc. IV). A contextualização da locução da “outras formas de discriminação” permite inserir em seu universo semântico as expressões “sem preconceito de classe econômica” ou “sem preconceito de interesse em investir (ou por ter investido) em atividade econômica”.