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2.7 E XTERNALIDADES N EGATIVAS DA D ESCONSIDERAÇÃO DA P ERSONALIDADE J URÍDICA

2.7.7 STJ: entre a Cidadania e a Economia

O STJ, por exemplo, cognominado de Tribunal da Cidadania (a projetar um Estado de Bem Estar Social), através de sua jurisprudência reiterada e consolidada, às vezes, mais parece o Tribunal da Economia (na defesa de um Estado Neoliberal, tendo em vista o teor de decisões que tem diminuído a proteção do direito dos consumidores).

A Súmula 302 do STJ218 cristalizou o entendimento de que, em contratos de Planos de Saúde, a limitação do tempo de internação hospitalar do segurado seria cláusula abusiva. O Tribunal da Cidadania, desta vez, do ponto de vista da AED, pelo critério do Pareto superior, tomou uma decisão eficiente. Em primeiro lugar, possível, na hipótese em tela, perceber a aplicação do princípio da conservação dos contratos. Por isso, preferível à resolução da avença sua revisão, porque a revisão denota-se mais eficiente do que a resolução, por permitir a continuação da prestação dos serviços em relação ao consumidor-usuário e a correlata

216 GICO JUNIOR, Ivo T. Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica do Direito. In Economic

Analysis of Law Review, v. 1, 2010. Disponível em:

http://portalrevistas.ucb.br/index.php/EARL/article/viewArticle/1460. Acesso em 20/08/2013, às 14:00. 217

ZYLBERSZTAJN, Decio e SZTAJN, Raquel Sztajn. Op. cit., pág. 262.

218

STJ Súmula 302 - 18/10/2004 - DJ 22.11.2004. Cláusula Abusiva - Plano de Saúde - Tempo a Internação Hospitalar. “É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado.” Disponível em:

http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stj/stj__0302.htm. Acesso em 25/08/2013, às 13:00.

remuneração da fornecedora-prestadora. Em segundo lugar, os custos sociais da revisão são inferiores aos da resolução, bastando imaginar que, em caso de resolução do contrato, sem a possibilidade do consumidor recorrer ao sistema de saúde suplementar, como uma das opções, restaria a ele procurar os serviços de saúde pública, onerando um sistema único de saúde sabidamente sobrecarregado e deficitário. Em tal circunstância, o índice de Pareto seria contextualizado às avessas, pois todos perderiam: o consumidor, o fornecedor, o Estado-SUS e o Estado-FISCO.

No caso da Súmula 381219, também do STJ, desta vez, na perspectiva da AED, a decisão foi ineficiente. O Tribunal da Economia (divorciado circunstancialmente do Direito) declarou que em, se tratando de contratos bancários, seria proibido ao julgador declarar de ofício a abusividade das cláusulas. Houve quem argumentasse até que a redação da Súmula 381 correspondeu a um ato falho220 (parapraxia). Um comportamento paradoxal ou um vício de linguagem, inclusive, porque a doutrina majoritária defende a natureza cogente das normas do CDC (de caráter público e interesse social, art. 1º). Logo, uma vez contextualizada eventual cláusula abusiva, sobretudo em contratos de adesão, como os bancários, o juiz teria o dever de proferir provimento de caráter integrativo-mandamental, para extirpar da avença a cláusula abusiva detectada (art. 51, do CDC).

O Poder Judiciário, para o leigo, não estaria a promover uma atuação racional. O Estado-Judiciário perdeu com tal decisão, diante do descrédito da opinião pública em relação ao Poder Judiciário. As instituições financeiras, apesar da edição da Súmula 381, continuaram a ser demandadas, pela não concordância de seus consumidores com a legalidade meramente estrita (formal) das cláusulas, mas materialmente abusivas, sem falar na publicidade negativa em torno da manutenção das referidas cláusulas.

O reducionismo do enunciado também estaria a causar prejuízos acadêmicos. No caso, talvez recomendável uma revisão do enunciado da Súmula 381, para que se consignasse que o Tribunal de Justiça, como órgão de revisão (órgão colegiado que não se confunde com o juiz singular), não poderá declarar de ofício a abusividade da cláusula, se o juiz de primeira instância não se pronunciar a respeito de tal abusividade ou, ainda, no silêncio da parte

219 STJ Súmula 381 - 22/04/2009 - DJe 05/05/2009. Contratos Bancários - Conhecimento de Ofício - Abusividade das Cláusulas. “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.”

220 NEIVA, Gerivaldo Alves. A Súmula 381 do STJ: um ato falho?. Disponível em http://www.gerivaldoneiva.com/2009/05/sumula-381-do-stj-um-ato-falho.html. Acesso em 20/0//2013, às 15:00.

prejudicada, em respeito ao princípio tantum devolutum quantum appellatum, que define os limites da reforma do julgado, para que não se alegue supressão de instância e malferimento do contraditório e da ampla defesa. Orientação sumular, portanto, nos termos da AED, ineficiente e a contextualizar o índice de Pareto às avessas.

Avinash K. Dixit221, ao constatar que em alguns países a vontade das instituições privadas pode se sobrepor ou ter ingerência negativa nas políticas públicas e no funcionamento das instituições, indaga como seria possível proteger os direitos de propriedade e os contratos em países, que se intitulem Estados Democráticos de Direito, mas, na realidade, Estados Democráticos de Direito omissos ou ineficientes. Parafraseando-o de que adianta a inserção da defesa do consumidor como dever do Estado (art. 5º, inc. XXXII, da CF), direito fundamental, cláusula pétrea, se sua lei regulamentadora (o CDC) não vier a ser aplicado de forma a concretizar o projeto constitucional.

A postura do juiz, juseconomista, até porque autorizado a contextualizar as cláusulas gerais da lei, deve ser proativa. Deve prospectar sim qual a solução mais eficiente para o caso concreto e instar as Partes ao diálogo. Não se trata de substituir-se às partes, mas de buscar um tempo razoável para o processo, com uma solução para demanda que não acirre a litigiosidade já detectada. Mais uma vez, lembrando o movimento Direito e Literatura, a inércia exagerada do juiz poderá ser comparada a de um economista ortodoxo que esteja, circunstancialmente, a exercer outra profissão.

Em Humor nos Tempos do Collor222, a pena afiada de Luís Fernando Veríssimo imagina, por exemplo, que os políticos, economistas e tecnocratas diante de uma crise de

221

DIXIT, Avinash K. Op. cit., loc. cit.

222 VERÍSSIMO, Luís Fernando. Problemas, problemas. In: ____SOARES, Jô; VERÍSSIMO, Luís Fernando; FERNANDES, Millôr. Humor nos Tempos do Collor. São Paulo: L&PM, 1992, pág. 58-59. Eis um trecho: “Mas o verdadeiro perigo estaria nas barbearias abandonadas pelos barbeiros e ocupadas pelos economistas desempregados. _ Quero cortar o cabelo, por favor. Ele começa a ensaboar o seu rosto. Você protesta. Já fez a barba. Quer só cortar o cabelo. Ele não lhe dá atenção. De acordo com seu fluxograma, um em cada três clientes da barbearia faz a barba em vez de cortar o cabelo, e você é o seu terceiro cliente. Ele erra a proporção de água e sabão e a espuma cobre o seu rosto, incluindo a boca, o nariz e os olhos. Incapaz de se defender, você ouve o barulho da navalha sendo afiada com aquela sensação na barriga que tinha quando o governo anunciava um novo pacote econômico. Finalmente ele começa a barbeá-lo, mas, como não enxerga seu rosto, começa no lugar errado. _ Minha orelha! Você cortou fora a minha orelha! Ele suspira, impaciente com esta intervenção de um leigo no seu trabalho, mas acaba concordando com você que isto não pode ficar assim e que ele não pode deixá-lo com uma orelha só. E corta fora a sua outra orelha. Você pedeixá-lo menos poderia escolher seu barbeiro, já que nunca pôde escolher o ministro da Economia. Teria a opção de heterodoxos, com seus salões elegantes e movimentados, mas com o risco sempre presente de perder as orelhas, ou de ortodoxos, como o salão do Marcílio. _ Quero cortar o cabelo, seu Marcílio. Ele sentaria você na cadeira, colocaria o avental em você – e não faria nada. Ficaria ao lado da cadeira, conversando agradavelmente. A tese do Marcílio seria: com o tempo, os cabelos crescem ou caem naturalmente, por que fazer qualquer coisa?”

confiabilidade em seus conhecimentos, acabariam desempregados, pois substituídos por taxistas, dentistas e barbeiros. Estes desempregados lançariam-se, em seguida, a ocupar, contingencialmente, as profissões de seus sucessores, mas continuariam fiéis aos seus dogmas. De forma inusitada, um economista-barbeiro (antes economista ortodoxo), ao receber um cliente, conduziria-o até a cadeira. Sentado, o cliente lhe informaria a preferência e particularidades do corte. O economista-barbeiro, entretanto, convicto na força da mão invisível da natureza, ficaria a conversar com o cliente sobre outros assuntos sem nada fazer, pois com o passar do tempo, a natureza se encarregaria de diminuir, gradativamente, a quantidade de cabelos que seu cliente possuía. O surrealismo de tal crônica apenas reforça que o Economista e o operador do Direito devem agir para auxiliar as pessoas a enxergar suas escolhas e, dentre elas, a mais racional, a mais eficiente; não se podem apegar excessivamente à teoria e a formalismos estéreis, esquecendo-se de busca uma solução razoável para os conflitos que se lhes apresentem.

2.7.8 A insolvência civil e a falência frustradas, hipóteses para a aplicação do “minimax”