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A Teoria Sistêmica de Niklas Luhmann e a crise de função decorrente da Técnica da Desconsideração

Dentre as teorias desenvolvidas pela Sociologia do Direito destacam-se, na atualidade, a Sistêmica de Niklas Luhmann305, a Discursiva de Jürgen Habermas306 e a Crítica de Boaventura de Souza Santos307. De acordo com a teoria dos sistemas, tem-se como basilar a identificação dos conceitos de sistema e meio ambiente. A sociedade (global) corresponderia a um conglomerado de subsistemas funcionais e não meramente de seres humanos. A comunicação possível e necessária entre os variados subsistemas (direito, economia, arte, religião, como exemplos) seria a marca fundamental desta sociedade. Abandona-se a ideia de sistema como tendo origem na diferenciação entre todo/parte, para enxergá-la como decorrente do binômio sistema/meio ambiente. A explicação da sociedade como conjunto de seres humanos com características díspares sai de cena, para dar lugar ao pertencimento dos seres humanos a círculos de relações sociais setoriais.308 A este novo paradigma opõe-se a teoria tradicional que se apoiou em parâmetros de baixo critério para delimitação do conceito de sociedade, tais como “estratificação por inspiração econômica (nobre/plebeu); segmentária por indicativos sociais (homem/mulher); e territorial por divisão geográfica (centro/periferia)”.309

Na perspectiva de Niklas Luhmann, o sistema jurídico se demonstrará funcionalmente positivo, quando for capaz de satisfazer as legítimas expectativas normativas e cognitivas. Para tanto, internamente, deverá haver a reformulação do sistema quando se distanciar de tais legítimas expectativas, tornando-se autorreferencial. Há que se buscar uma filtragem conceitual permanente, para identificar o direito do não direito, o que redundará na autoconstituição do sistema jurídico, permeando-se pela reprodução permanente. Assim, o que não corresponder ao sistema, o que lhe for alheio, corresponderá a algo que lhe é entorno

305 GONZAGA, Álvaro de Azevedo. Op. cit., pág. 467-468.

306 HABEERMAS, Jürgen. Teoria de la Acción Comunicativa. Madrid: Cátedra, 1987. 307

GONZAGA, Álvaro de Azevedo. Op. cit., loc. cit. 308

LUHMANN, Niklas. Introducción a la eoria de sistemas. México: Universidad Iberoamericana, 1996. Disponível em: http://books.google.com.br/books?id=mfx7SwHpMUoC&pg=PA3&hl=pt-BR&source=gbs_selected_pages&cad=3#v=onepage&q&f=false

Acesso em 08/08/2013, às 12:00.

309 ALCOVER, Pilar Giménez. El derecho em la teoria de la sociedade de Niklas Luhmann. Barcelona: Bosh, 1993, pág. 48.

ou meio ambiente. Meio ambiente que, por isso, impregna-se de autonomia.310 Mas meio ambiente que há de interferir num determinado sistema posto (como o jurídico), impondo “provocações (irritações)”, quando o sistema jurídico deverá “processá-las através de ‘portas de entrada’ chamadas de códigos binários, e, a partir, daí, operar o resultado mediante seus métodos específicos, sem a necessidade de utilização de remédios hauridos de outros sistemas”.311

É como se o sistema jurídico internalizasse as contribuições de outros sistemas através da necessidade contínua da ciência jurídica dialogar com outros saberes, sendo que essa interação se opera basicamente através da comunicação. As normas jurídicas ou o trato jurídico se impõe, na pós-modernidade, não somente pela hierarquia de uma norma hipotética superior editada e eventualmente atualizada com exclusividade pela atividade legislativa, mas também pela democracia, quando se percebe que, paralelamente, ao Estado (leia-se Estado-Poder Legislativo), outros entes sociais (empresas, agências reguladoras, sindicatos, associações, etc.) se apresentam como legítimos para pautar e exigir inovações no ordenamento jurídico, apostando-se, inclusive, numa possível autorregulação, o que corrobora a ideia de um salutar pluralismo jurídico e participação democrática.

A teoria de Niklas Luhmann buscou a nomenclatura da Biologia para explicar a autorreprodução dos sistemas sociais. Os “sistemas celulares possuem, internamente, todos os elementos necessários para o desempenho de suas funções fundamentais, inclusive a autorreprodução”312

Trata-se de um sistema que se autopreserva, sem, contudo ser autossuficiente, exatamente por necessitar do meio ambiente, revelando-se como um sistema fechado, autorreferencial, ou, “conforme a terminologia depois consagrada, um sistema autopoiético”.313

Afirma-se que os subsistemas sociais funcionais são autônomos, pois “são sempre autorreferenciais, ou seja, produzem e reproduzem a si próprios”314

pela comunicação. A crise do denominado Estado de Bem Estar Social pode ser pensada como uma insuficiência

310 “A visão luhmaniana da sociedade desloca-a para a função de comunicar e não para a figura humana. Portanto, aquilo que não é sistema é ambiente. É justamente nisso que reside a importância de seu raciocínio, porque, ao separar o homem do sistema e colocá-lo junto ao ambiente, acaba por lhe conferir a grandeza da autonomia, visto que o sistema não pode determinar o ambiente e isso, de consequência, vai incrementar os processos de liberdade contratual, autonomia privada e confiança no pós-positivismo”. Eis a interpretação de MARTINS, Fernando Rodrigues. O Contrato entre Luhmann e Habermas. In ___ Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, Ano 20, v. 77, jan.-mar./2011.

311 Idem, pág. 60. 312

CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2000, pág. 73. 313 Idem.

de comunicação do sistema jurídico para suprir a regulação das relações sociais, também “normatizadas” pelos “subsistemas familiar, educacional e econômico, por exemplo”.315

O sistema jurídico, apesar de sua autonomia, em tempos de Globalização, evidentemente, para manter-se funcional e eficiente, deve incrementar sua interdependência em relação ao ambiente externo, mantendo-se “sempre aberto aos influxos e requisições que a economia e a política, por exemplo, lhe apresentam”.316

Em conclusão parcial, possível inferir que se apresenta como tendência a Análise Econômica do Direito (quando de sua formação, durante o processo legislativo), bem como a interpretação do Direito com apoio na Economia (quando de sua aplicação, principalmente durante a atividade jurisdicional).

A técnica da desconsideração da personalidade jurídica, que, no caso brasileiro, há de se operacionalizar judicialmente, demonstra-se economicamente ineficiente, pois, ao proteger pontualmente determinado credor, poderá contribuir para a desagregação de todo o empreendimento, em prejuízo de outros agentes econômicos dependentes do ente coletivo. Cogite-se, por exemplo, da indenização a um credor-consumidor, em sede de execução singular, que se tenha tornado possível depois da desconsideração da personalidade jurídica em relação a um fornecedor pessoa jurídica, reduzindo-se com isso à insolvência os sócios do empreendimento, mesmo aqueles que não detinham poderes de administração. Nesta hipótese, deve-se explicitar se houve a contextualização da técnica da desconsideração da personalidade jurídica pelo viés subjetivo ou meramente objetivo.

No primeiro caso (teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica), ainda que eventualmente indenizado um hipossuficiente, há a possibilidade de que outros credores-consumidores sejam alijados da possibilidade de também serem indenizados. A injustiça da decisão refletirá igualmente sobre os empreendedores que confiaram num limite de responsabilidade, que lhes teria sido garantido pela lei. Não se pode deixar de considerar a ausência de patrimônio, pós-desconsideração da personalidade jurídica e atos consequentes, o que poderá frustrar, ainda, a pretensão dos colaboradores subordinados do empreendimento (empregados) de eventualmente requererem indenização do ente coletivo.

No segundo caso (teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica), os custos sociais de tal decisão serão os mesmos, à exceção da preservação do patrimônio

315

CAMPILONGO, Celso Fernandes, op. cit, loc. cit.

316 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Teoria do direito e globalização econômica. O direito na sociedade complexa. São Paulo: Max Limonad, 2000, pág. 147.

particular de sócios meramente investidores, destacando-se, porém, que, apesar de teoricamente possível argumentar-se como fundamento para eventual pedido de levantamento do véu corporativo o art. 28, caput, do CDC, logicamente, preferível à teoria maior a opção pela teoria menor, que assim se apresenta como verdadeiro direito potestativo, nos termos do § 5º, do mesmo art. 28 ora mencionado.

Os critérios de eficiência – como o de Pareto – fazem-se distantes de tal decisão. Egoísticamente, tal decisão privilegiará e melhorará a posição de um dos credores, em detrimento dos demais. Apesar disso, não haverá a internalização de externalidades negativas. Não haverá a preocupação com a preservação do empreendimento. Não existirá compromisso com a socialização dos riscos entre credores reunidos numa mesma classe, sendo que o medrar de expectativas se demonstra patente e, em vez de pacificação social, perceber-se-á uma litigiosidade contida e derivada da insolvabilidade contextualizada, com a probabilidade de que os prejudicados exerçam seu direito de ação ou mesmo que qualquer deles se predisponha a deflagrar o processo de falência do ente coletivo, porém com ínfimas chances de sucesso.

4.8.2 A Teoria Discursiva do Direito de Jünguen Habermas a referendar um Processo