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1. CONSTRUÇÃO DA CULTURA MONOJURÍDICA LATINO-

1.3. O PROCESSO DA CENTRALIZAÇÃO UNITÁRIA DO ESTADO

1.3.1. Estado emancipador

O processo de independência das antigas colônias hispânicas deve ser compreendido envolto em um contexto de crise e de reforma na metrópole, conforme indica Marcos Kaplan235, pois é por meio dos reflexos dessa crise que começam a movimentar-se os primórdios de uma possível insurgência política na América Latina, tendo em vista que serão os fatores de disputa por hegemonia política236 que determinaram a independência das novas nações.

Nesse sentido, os intentos reformistas da era dos reinados Borbons são afrontados pelo crescimento da nova potência geopolítica mundial, a Inglaterra, que aos poucos envolve os domínios Ibéricos na condição de dependência econômica e vai afundando em uma crise financeira a estes, fato que conduz ao processo reformista institucional em ineficaz medida para contornar a crise de gerência e de controle sobre as colônias. Não restam dúvidas de que o germe emancipador passa necessariamente pela compreensão desses fatores, somados aos interesses de comerciantes e de demais setores econômicos regionais em estabelecer relações mais amplas em meio ao “pacto colonial”, pois as restrições referentes ao comércio e o fornecimento de suprimentos para Coroa espanhola se tornam cada vez mais insustentáveis com a emergência de potências econômicas, como no caso da Inglaterra e da Holanda. Seguindo esta exigência, recorda Kaplan:

235

KAPLAN, Marcos. Formación del Estado Nacional en América Latina. Buenos Aires: Amorrortu editores, 2001, pp. 99-101.

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Durante el siglo XIX y comienzos del XX se diseña y aplica en los principales países de América Latina un modelo de crecimiento económico de tipo primario-exportador y dependiente, en superficie sin transformaciones estructurales globales, y se organiza una sociedad jerarquizada, polarizada y rígida, con fuerte concentración de la riqueza y el poder en una minoría centrada en el sector agrominero exportador en alianza con las metrópolis y sus empresas de acción internacional. En relación con tal operación histórica, la fracción hegemónica (terratenientes, mineros, comerciantes y financistas, altos dirigentes políticos y funcionarios públicos, jefes militares y dignatarios eclesiásticos) imponen sus formas e poder y autoridad, su sistema político-institucional y su propia legitimidad, y logra el apoyo de otras facciones de la clase dominante (oligarquías regionales), y el consenso o la sumisión pasiva de las mayorías nacionales compuestas por clases y capas intermedias y populares. KAPLAN, Marcos. Estado y sociedad en la America Latina Contemporanea. In: RUBINSTEIN, Juan Carlos (compilador). El Estado periférico latinoamericano. Buenos Aires: Edeuba,1988, p. 87.

La independencia comienza a aparecer como prerrequisito para la reorganización de la economía y de la sociedad americanas. Se desemboca en la necesidad del acceso pleno al (y del control total sobre) el poder estatal, como medio de adoptar e imponer decisiones en materia de política económica: comercio exterior, aduanas, impuestos, gastos públicos, privilegios. Además, la libertad económica, insuficiente para algunos sectores y grupos, resulta excesiva para aquellos que producen mercancías iguales o similares a las provenientes de Europa, interesados en el proteccionismo, y afectados consiguientemente por el limitado liberalismo borbónico. Estos factores de irritación y rebeldía no son los únicos que aparecen y operan en el curso del período borbónico como determinantes y condicionantes de la lenta emergencia de un proyecto emancipador237.

Acrescenta-se a esses elementos de ordem econômica e administrativa a divisão social calcada nos privilégios e nos domínios que exercem os setores Ibéricos frente à massa urbana de crioulos e ao fortalecimento das exigências por maior ingerência política no setor administrativo da colônia. As disputas internas e o reforço da política de centralização das reformas borbônicas também aumentam a tensão entre crioulos e Ibéricos, no sentido de que a reorganização dos poderes nas mãos dos segundos cria um clima de instabilidade, que é alimentada pela maior abertura e contato com o contexto mundial por meio das relações comerciais com outros países fora do eixo colonial238.

No âmbito sociopolítico interno, o domínio e os privilégios dos Ibéricos239 sobre os crioulos começam a gerar um contexto de

237

KAPLAN, Marcos. op. cit., p. 106. 238

Ibid., p. 111. 239

La casi totalidad de los puestos administrativos y militares importantes y de los cargos eclesiásticos eran asignados a un inmigrantes de la Península; en 1808, por ejemplo, se encontraban ocupados por europeos los siguientes: el virrey todos sus dependientes, el mayordomos y sus familiares, su secretariado, prosecretariado y oficial mayor, el regente de la Real Audiencia, la gran mayoría de los oidores y alcades de corte, los tres fiscales, todos intendentes menos uno, el director de minería, el director de alcabalas, todos los alcaldes; en ejército: el capitán general, todos los mariscales de campo, brigadieres, comandantes y gran parte de los capitanes y oficiales. La burocracia política

insatisfação somado ao desejo de insubordinação frente aos poderes coloniais, isso em vista de que os cargos de alto nível eram vetados aos setores crioulos, gerando um sentimento de limitação nas suas capacidades políticas, bem como a falta de representatividade na defesa dos seus interesses, fatores que afetam significativamente os condicionamentos existentes na relação entre estes grupos. Nesse sentido, acirram-se as disputas entre os setores locais contra o contingente de espanhóis hegemônico; as investidas dos setores crioulos começam a gerar certo clima de instabilidade 240.

Contudo vale ressaltar que, mesmo no âmbito dos interesses do setor dos crioulos, logra-se verificar certo desencontro das propostas e dos acordos a respeito da política interna colonial; isso é importante, pois estes que poderiam referir-se como posição política momentânea, na eminência da independência, dividem-se em interesses dispersos e por vezes contraditórios; nada mais reflete a futura tomada de posturas políticas na formação do Estado nação241.

Juntamente ao setor de crioulos descontes, deve-se incluir a classe trabalhadora constituída pelos indígenas explorados 242, que había aumentado considerablemente a partir de las reformas administrativas introducidas por los Borbones. […] Esta burocracia política, al igual que el alto clero y los cuadros superiores del ejército recibía de la Corona nombramientos y prebendas. Constituía un grupo, dentro de la clase dominante, cuyo estaba prácticamente cerrado a los criollos y que detentaba con mano firme el control político de la colonia. Para mayor brevedad, lo llamaremos “grupo europeo” en el curso de este trabajo. VILLORO, Luis. El proceso ideológico de la revolución de Independencia. México: FCE, 2010, p. 23

240

Ibid., p. 34. 241

Si los obstáculos superables causaban irritación al criollo rico, la carencia de situación, la vida relegada a la esfera de lo imaginario, es fuente de resentimiento y melancolía para el criollo pobre, sentimiento amargo de vivir errando en las posibilidades, condenado a contemplarlas todas sin poder realizar ninguna. La clase media tenderá a oponer al orden social existente otro orden antagónico en su mundo imaginario. Así, a las distintas situaciones corresponderán actitudes diferentes: mientras el criollo privilegiado tratará de adaptar a la realidad social una teoría política inadecuada, la tentativa del criollo medio será exactamente la inversa: negar la realidad existente para elevarla a la altura de la teoría que proyecta. Desde ahora podemos percibir el punto de partida situacional de dos actitudes que perdurarán a lo largo de toda la revolución y se prolongarán, inclusive, durante la larga pugna de conservadores y liberales. Ibid., p. 37.

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Los indios formaban, en efecto, un grupo social aislado de las demás clases, vejado por todas y condenado por las leyes a un perpetuo estado de “minoría”

ocuparam a última margem de toda essa estrutura social atravessada por disputas de poder e por hegemonia. Em relação a isso, Luis Villoro afirma que, em meio às disputas das classes dominantes e ao revezamento hegemônico do grupo europeu - altos cargos -, grupo econômico - mineiros e comerciantes e crioulos abastados - e outros grupos de relevância no poder político enquanto possuidores de bens - igreja e fazendeiros - vai emergir em termos revolucionários uma classe média em sua versão de intelectuais condicionados à subordinação e às dependências desses demais grupos, juntando-se ao contexto da classe trabalhadora explorada243.

Tendo em vista esses fatores e somando-se ao clima de inquietude social, vale salientar que, a ordem política, as influências das guerras de independência nos EUA e também o contexto europeu das disputas entre França e Inglaterra fazem com que, logo em seguida, reflita-se nas colônias hispânicas o ideário de independência244. Entretanto vale salientar que a crítica à administração colonial, fomentada pelos primeiros intentos crioulos, dá-se em decorrência do ímpeto de reforma e da manutenção do sistema político do reinado existente, já que não havia ainda uma proposta de independência245 formal, tampouco fática.

Pode-se considerar como estopim dos anseios insurgentes o processo de invasão napoleônica na Espanha, com a posterior prisão do social, del que sólo podían escapar excepciones individuales. Las castas sufrían, además del estigma de su ilegítimo origen, prohibiciones tales como las de recibir órdenes sagradas, portar armas, usar oro y seda, mantos y perlas, etc. Sin embargo, eran la parte más útil y trabajadora de la sociedad, según unánime consenso, y proporcionaban trabajadores a las industrias y soldados al ejército. Ibid., p. 39.

243

Ibid., p. 40. 244

Proporciona a la élite criolla de las ciudades un sistema de ideas y modelos correspondientes al liberalismo económico y político de los países avanzados, con las nociones de comercio irrestricto en lo interno y con el mundo exterior, modernización de la producción, de la sociedad y del Estado, progreso cultural, y los conceptos de libertad, igualdad, seguridad, soberanía popular, división de poderes, parlamentarismo. La penetración y difusión del nuevo pensamiento no se cumplen sin dificuldades; enfrentan la prohibición, la persecución y las sanciones del gobierno imperial y de la iglesia. Ello no impide que prosigan y multipliquen sus efectos. El espíritu crítico se desarrolla y fortalece, aplicándose a todos los aspectos del sistema colonial. KAPLAN, Marcos. Formación del Estado Nacional en América Latina. Buenos Aires: Amorrortu editores, 2001, p.114.

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Rei Fernando VII, o que criou um contexto de ausência da soberania. Logo, permeado por esse problema político, alguns setores dominantes no reinado da Nova Espanha se veem envolvidos por uma possibilidade de emancipar-se politicamente, a qual não é acompanhada pela perspectiva dos grupos hegemônicos locais, que se lançam em uma reafirmação da monarquia espanhola contra a presença napoleônica. Sendo assim, a hesitação dos crioulos hegemônicos é oriunda da presença dos grupos conservadores no poder e calcada na ideia de defender e manter o sistema com as reformas que lhe deram alguma margem de atuação mais ampliada, que obviamente estava beneficiando-lhes246, auferindo então apenas em princípio, apenas a exigência de administrar em nome do rei e mantendo a estrutura do Estado colonial na ausência deste247.

Portanto o real fator que determina a emancipação é a reação monárquica espanhola no retorno ao poder. Não foram somente as disputas internas por hegemonia no poder local, nem mesmo os benefícios econômicos, maior liberdade para gerenciar o comércio e as relações com nações em emergências e nem mesmo a tomada da Espanha por Napoleão, mas sim a conjunção de todos esses fatores no cenário político, somada à pronta postura de Fernando VII na reação contrária aos avanços liberais realizados na sua ausência, nas propostas de Cádiz, em que aparecem a restrição ao poder real e uma maior autonomia administrativa para as colônias. A conjuntura política que se desdobra desses elementos faz o monarca espanhol, quando de seu retorno ao trono, intentar reprimir e punir aos autores dessas afrontas, pois afinal em suas veias absolutistas ferve sangue do autoritarismo248.

246

Ibid., p.118. 247

La patria novohispana se concibe ya constituida; no se piensa en alterar el orden vigente, sino tan sólo en crear nuevas formas de gobierno sobre la base de las leyes estatuidas. No se trata, pues, de independencia para constituirse autónomamente; por lo pronto, sólo se entiende por el término la facultad de administrar y dirigir el país si intromisión de manos extrañas, manteniendo fidelidad a la estructura social que deriva del pacto originario. El americano pide ser él quien gobierne los bienes del rey, y no otra nación igualmente sujeta a la corona. “Independencia” cobra el sentido de separación de cualquier otra instancia gerente del haber real. No es aún libertad de hacer una patria, sino de manejarla y dirigirla. Libertad de gerencia, no autonomía. VILLORO, Luis. op. cit., p. 53.

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Repuesto Fernando VII en el trono, demuestra que no ha aprendido nada ni olvidado nada. Su ciega intransigencia absolutista anula totalmente la obra de las Cortes de Cádiz, elimina las libertades constitucionales, restablece la

Essa postura frustra a muitos setores ao mesmo tempo na colônia, e a incitação revolucionária não tarda. Contudo, o movimento revolucionário, de acordo com a obra de Marcos Kaplan, dá-se em três momentos distintos. No primeiro deles, o setor da burguesia urbana dominante lança o estopim da revolução e toma as rédeas de forma a evitar uma maior ingerência dos setores populares, algo que poderia tornar a situação incontrolável politicamente e atingir até mesmo os privilégios e interesses; “[...] La independencia es visualizada en algunos casos por la élite criolla como medio preventivo de tomar el poder antes de que advenga una subversión incontrolable”249

. Porém é oportuno mencionar que essa tentativa de controlar a sublevação popular se choca com as profundas diferenças existentes entre os setores sociais que foram vistos acima; a intentada defesa de manter as estruturas econômicas e a política no ritmo do grupo hegemônico logo desperta em outros setores adesão ao intento revolucionário mais ampliado; e finalmente, no terceiro momento, dá-se o que Kaplan considera como ocasião de total guerra civil, em que a complexidade dos conflitos torna difícil vislumbrar quais os interesses concretos de cada grupo; e por vezes as alianças no confronto se dão por afinidades díspares e efêmeras, mas que ao final consolidam uma nova ordem política independente, que segue refletindo esses confrontos oriundos da divisão de classe colonial; esse autor assim esclarece:

La revolución emancipadora – si se excluyen los intentos precursores abortados – se desarrolla desde 1810 hasta 1823, período que puede ser subdividido en dos etapas: la de las tentativas y fracasos iniciales (1810-1817), y la del triunfo final (1817-1823). En la primera etapa se va pasando rápidamente de la lealtad – en parte auténtica y en parte ficticia y táctica – hacia la monarquía española a la voluntad explícita de independencia total250.

Inquisición, reprime a los liberales. El monarca tampoco acepta la posibilidad de una transación – grata a Inglaterra – con las élites americanas, que hubiera combinado el mantenimiento de la soberanía española con un mayor grado de autonomía política y económica para las colonia. KAPLAN, Marcos. op. cit., p. 119.

249

Ibid., p. 120. 250

A constituição do novo Estado Nacional em realidade funda outro tipo de dependência já anteriormente antevisto nas relações que começava a traçar Inglaterra para a América Latina, chegando ao ponto de muitos Estados terem sido emancipados nesta região com apoio da Grã-Bretanha ou atendendo aos interesses diretos dessa potência – basta lembrar que a fundação nacional do Uruguai surge no contexto da resolução de conflitos com total tutela inglesa. Ademais, essa nova situação de dependência também incluirá a presença comercial e ideológica massiva das antigas treze colônias agora conjugadas em Estado Unidos251.

Dessa forma, o chamado Leviathan Crioulo 252 se forma na base da concentração da riqueza nas mãos das elites dominantes locais, que se revezam em disputas pelo poder e por hegemonia, mas que conformam ao mesmo tempo uma relação exportadora dependente, firmando no aspecto econômico um modelo neocolonial, pois mudou apenas a metrópole à qual se fornecem produtos de ordem primária; já no aspecto cultural, também se traduz em um mimetismo sem coesão interna; a originalidade da intelectualidade regional se encontra quase ceifada pelas fortes influências dos pensadores europeus e principalmente dos franceses.

Somando-se a esses fatores, o sistema social seguirá reproduzindo pouca mobilidade, e as classes subalternas em quase nada terão sua posição alterada; já na estrutura político-institucional, o caráter centralizado se afirma com base em princípios importados basicamente de duas vertentes: estadunidense e europeia, em que a burocratização e o aparelhamento elitizado legou conotação de uma hegemonia política classista, baseada nas disputas entre setores agrários e uma incipiente

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El Estado nacional que se constituye a partir de la independencia refleja la nueva situación de dependencia hacia Europa y Estado Unidos, la estructura socioeconómica y el clima cultural-ideologico en emergencia, pero es también agente activo en la configuración de esta constelación y de la sociedad global. Los prerrequisitos, las tareas y los resultados del proceso de formación y del funcionamiento del Estado nacional están referidos a: la constitución de la clase dominante y, sobre todo, de su fracción hegemónica: el logro de alianzas efectivas; la construcción del orden político-institucional y sus modalidades de operación; las funciones estatales de institucionalización y legalidad, coacción social, educación y propaganda, organización colectiva y política económica, y relaciones internacionales. KAPLAN, Marcos. Estado y sociedad en la America Latina Contemporanea. RUBINSTEIN, Juan Carlos (compilador). El Estado periférico latinoamericano. Buenos Aires: Edeuba, p. 88.

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burguesia nacional, basicamente de comerciantes e pequenos empreendimentos de produção “industrial”. Finalmente o Estado nacional consolidado tem o desafio de dar unidade material aos seus cidadãos, algo que leva alguns anos para desenvolver-se, mas que vai paulatinamente minimizando qualquer tipo de identidade cultural em troca de uma lógica nacional projetada253 e unificada; isso em termos jurídicos se desdobra no primeiro golpe encobridor do Pluralismo Jurídico regional, o que será verificado abaixo.

1.3.2. O Nascimento do sistema jurídico moderno na América Latina