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1. CONSTRUÇÃO DA CULTURA MONOJURÍDICA LATINO-

1.1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS: A CONSTITUIÇÃO DA

1.1.2. Formas de dominação

Tendo em vista o que foi anteriormente mencionado em torno da questão da fundamentação filosófica, religiosa e jurídica, aborda-se neste tópico específico a respeito da conquista, com destaque para a barbárie da postura espanhola e para os atos de atrocidades que compõem a denominada “legenda negra” da história. Esse tipo de postura faz com que alguns historiadores e pensadores possam identificar a conquista como sinônimo de guerra; entre estes Tzvetan Todorov, segundo o qual “[...] la guerra, o más bien, como se decía entonces, la Conquista”67 esta caracteriza-se pelos qualificativos “violência, injustiça e hipocrisia”68

. A atitude rudimentar e brutal dos conquistadores pode ser lida com base em alguns caracteres que são constitutivos da forma na qual se materializou este procedimento, entre esses, simbolicamente, é marca indelével a “espada, a cruz e a ganância”, o que gera para as populações indígenas um contexto de aculturação, de desestruturação social/política e de evangelização69. Assim sendo, urge explorar como é montada a arquitetura conquistadora para lograr dominação de forma tão eficaz e rápida, tendo em vista que a hecatombe produzida junto aos povos originários é espantosa pela quantidade e pela eficácia no agir do extermínio. Ao remontar essa estrutura, busca-se começar pelas origens fáticas da violência declarada, que se pode encontrar na disjunção dos princípios que motivam os

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TODOROV, Tzvetan. La conquista de América: el problema del otro. 2. ed. México: Siglo XXI editores, 2010, p. 65.

68

RUGGIERO, Romano. Os Mecanismos da conquista colonial: os conquistadores. São Paulo: Editorial Perspectiva S.A., 1973, p. 12.

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interesses na empresa da conquista enquanto dominação, segundo Héctor Bruit:

[...] a problemática americana desenvolveu-se estreitamente atrelada ao confronto de dois princípios que marcaram o processo de dominação das Índias: o princípio do Estado legalista e burocrática contra o princípio do senhorio patrimonial, derivado do caráter privado da conquista70.

No tocante ao poder monárquico castelhano, e em termos “protetivos” dos seus interesses – preocupação em sanar seus problemas econômicos –, a ingerência pública se resumiu em redigir centenas de normativas e documentos cujos intentos eram controlar as expedições e vigiar as condições de domínio em descompasso com a índole privada dos anseios de expedicionários e dos subordinados, na busca insaciável por acumular posses e riquezas, as mesmas que lhes eram privados na Espanha.

Esses princípios se desdobram em maior ingerência, regulamentação, instruções e ordenanças da Coroa; logo surge uma seara de documentos de caráter público tendo como destinatário direto o conquistador; isso pode verificar-se em significativas cargas de repartição das riquezas conquistadas, em que aos conquistadores resta nada mais que partir forçosamente em busca de mais e mais fontes de riqueza, levando ao contexto da reação em cadeia da opressão, pois, se no topo da hierarquia do domínio, o rei investe contra os conquistadores para a obtenção de significativa parcela daquilo encontrado ou extraído, do outro lado, os conquistadores investem sobre os indígenas na usurpação e na acumulação sem precedentes. Essa relação entre as partes vai redundar na estrutura que gera o chamado “Pacto colonial”71.

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BRUIT, Hector. Bartolome de Las Casas e a simulação dos vencidos: ensaio sobre a conquista hispânica da América. Campinas: Ed. da UNICAMP; São Paulo (SP): Iluminuras, 1995, p. 22.

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La economía de las colonias hispanoamericanas es organizada en forma radial y centrífuga, con cabeza y eje en España, herméticamente cerrada contra todo elemento externo, y destinada a funcionar hacia la metrópoli, para sus necesidades y en su exclusivo provecho. Los objetivos motivadores básicos al respecto son: la provisión de materias primas baratas y de metales preciosos; el consumo de productos enviados desde (o a través de) la metrópoli; la generación y transferencia de un cuantioso excedente económico; el logro de una balanza comercial favorable. La economía colonial puede desarrollarse solo en la medida de las necesidades e intereses de tipo comercial, financiero y fiscal

Se um dos motivos fundadores que permearam a estupidez gananciosa dos conquistadores foi a disjunção dos princípios que norteavam a empreitada, o pacto econômico assegurava melhor organização da empresa de exploração e ao menos resolvia o problema internamente – diga-se em dois terços da relação na tríade conquistadora: Estado, Igreja e interesses privados. Em termos concretos, os desdobramentos do pacto colonial se traduzem na fórmula de escoamento ideal para suprir a Coroa castelhana. Segundo Marcos Kaplan, o esquema de produção era determinado da seguinte maneira:

[…] único o predominante fin de la explotación, con destino a la metrópoli, para satisfacer la voracidad fiscal de la Corona, para el consumo suntuario de los grupos de poder […]. Para mejor aprovechamiento de las posibilidades americanas en su propio favor y en el de los grupos que expresa o patrocina, la Corona impone un rígido sistema de monopolio mercantil, bajo estricta fiscalización del gobierno. […] El comercio colonial entre cada colonia y España sólo puede fluir así, teóricamente, por puertos privilegiados en ambos extremos, bajo impulso y control de los grupos metropolitanos beneficiados por el monopolio, y con exclusión de los grupos locales de América y de terceros países. Prohibiciones estrictas y severas sanciones fulminan todo tráfico o contacto entre las colonias, y entre estas y el extranjero, y todo proceso productivo autónomo que pueda competir con empresas y actividades de la metrópoli, especialmente las manufactureras72. Entretanto, se na disjunção política dos princípios entre os espanhóis ficou resolvida - ao menos minimizada - através do pacto econômico, o que teriam a ver com isto tudo os indígenas? De pronto nem faziam parte da tríade conquistadora, porém estavam envolvidos involuntariamente no processo, mas no pólo das vítimas. Ora, retomando a questão das formas da conquista com os caracteres já mencionados, cabe referir que três categorias são importantes para se de la metrópoli, o, por el contrario, en infracción directa de las normas tutelares impuestas por y para aquella. KAPLAN, Marcos. Formación del Estado Nacional en América Latina. Buenos Aires: Amorrortu editores, 2001, p. 70. 72

levar adiante a compreensão do processo de conquista/dominação e entender o papel indígena nesta conformação mencionada, que seriam o eurocentrismo, a intolerância e a violência, para as quais se dedica especial atenção.

A denominação eurocentrismo73 comporta o momento em que os reinos católicos de Isabel de Castela e Fernando de Aragão extrapolam o cerco muçulmano-chino-otomano e abrem perspectivas de exploração além-mundo - desconhecido até então -. Desse modo, o nascimento do eurocentrismo é momento que em que o continente deixa de ser periferia e se alça na condição de centro geopolítico na história e do qual a América Latina será sua válvula propulsora nesse processo. Os chamados descobrimentos possibilitaram à Europa contornar suas crises, resolvendo significativamente os problemas principalmente de ordem econômica, somado ao espírito dominador, os soberanos europeus terão possibilidade não só de afirmar seus domínios na América indígena, como também de expandir de forma alarmante, alastrando-se sobre África e Ásia, acossando e reduzindo o poder do império chinês e do muçulmano, colocando em crise esses dois mundos, simultaneamente ao gerenciamento dos domínios ditos coloniais, fundando uma potência imperialista, promovendo-se como centro da bipolarização do mundo entre ocidente e oriente.

Essa ingerência toda e seus desdobramentos se fizeram possíveis graças ao arquétipo indo-europeu de dominação e não-alteridade, presente não somente na consciência dos povos Ibéricos como também na dos europeus em geral; ao se esmiuçar o eurocentrismo, basicamente constitui-se uma visão geopolítica do mundo, na qual se transforma o „Ser‟ do „Outro‟ em um „Ser‟ de „Si-mesmo‟. Dessa maneira, ser europeu é não considerar a existência do outro ser da América, trata-se

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“Se se entende que a „Modernidade‟ da Europa será a operação das possibilidades que se abrem por sua centralidade na História Mundial, e a constituição de todas as outras culturas como sua periferia, poder-se-á compreender que, ainda que toda cultura seja etnocêntrica, o etnocentrismo europeu moderno é o único que pode pretender identificar-se com a „universalidade-mundialidade‟. O „eurocentrismo‟ da Modernidade é exatamente a confusão entre a universalidade abstrata com a mundialidade concreta hegemonizada pela Europa como centro”. DUSSEL, E. Europa, modernidade e eurocentrismo. Edgardo Lander (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e cências sociais. Perspectivas latino- americanas. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina: Colección Sur Sur, CLACSO, 2005b, p. 28.

da autoafirmação do ego dominador ou “ego conquiro”74, sujeito que não verifica no personagem indígena uma outridade, o que transparece na subjetividade do espanhol é a visão do outro tendo a si como parâmetro e, em razão disso, julga-o e interpreta-o do seu âmbito hermenêutico próprio – experiência e estrutura cultural europeia.

Desses esses aspectos derivam as teorias civilizatórias, bem como a cegueira hermenêutica de Hernán Cortés e seus correligionários quando se encantam com a cidade dos Astecas, comparam sua arquitetura, inclusive afirmando que as de Sevilha seriam melhores; admiram a organização política e tributária, chegam fazer uso dela depois, porém de forma alguma isso evita que sejam destroçadas, pelo fio das espadas, as gentes, as instituições e a cultura desses povos originários: eis então a materialização do eurocentrismo.

A consolidação do que se denomina eurocentrismo se dá quando, concomitante à invenção da América, surge como verdade mundial: a perspectiva do universalismo75, a qual nada mais é que o ato de tornar hábitos, estruturas linguísticas, instituições, cultura e religião, em padrão para o julgamento do que seja a civilização ou a barbárie. O particularismo dos arquétipos que conformam o “Ser” europeu é elevado ao grau de “selo civilizatório”, expansão ideológica que conforma uma postura de domínio mono-cultural, intolerante e opressor.

Essa afirmação, por dizer geoepistêmica e geopolítica do eurocentrismo, é atomizada por sua postura frente aos povos indígenas na maneira intolerante de compreender sua expressão de vida. Darcy Ribeiro recorda que, para os Ibéricos, os indígenas em sua condição de perfeição física possuíam “[...] um defeito capital: eram vadios, vivendo uma vida inútil e sem prestação. Que produziam? Nada. Viviam suas fúteis vidas fartas, como se neste mundo só lhes coubesse viver”.76 Esse choque cultural permite imaginar qual foi a interpretação indígena, e também indica um pouco a impressão que tiveram os conquistadores; porém deve-se considerar a leitura tendenciosa de um explorador alvejando a possibilidade de dispor daqueles corpos para o trabalho. Ademais essa interpretação, se faz presente na profunda diferença do modo de vida em

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DUSSEL, E. Filosofía de la liberación. México: FCE, 2011, p. 19. 75

RUGGIERO, Romano. Mecanismos da conquista colonial: os conquistadores. São Paulo: Editorial Perspectiva S.A., 1973, p. 98. Ou WALLERSTEIN, Immanuel. Universalismo europeu: a retórica do poder. São Paulo: Boitempo, 2007.

76

RIBEIRO, Darcy. Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia da Letras, 2006, p. 41.

que se encontram europeus em relação ao do índio, para quem “[...] a vida era tranquila fruição da existência, num mundo dadivoso e numa sociedade solidária [...]”77

, ao passo que no modelo do invasor:

[...] a vida era uma tarefa, uma sofrida obrigação, que a todos condenava ao trabalho e subordinavam ao lucro. Envoltos em panos, calçados de botas e enchapelados, punham nessas peças de luxo sua vaidade, apesar de mais das vezes as exibirem sujas e molambentas, do que pulcras e belas, [...] eles se achavam e se sentiam a flor da criação78.

Enfim, os índios eram vistos como irracionais, inferiores, infantis, isto é, como seres que não dispunham de aspectos civilizatórios, mas de uma forte capacidade para exploração; conforme a percepção acima mencionada, a religião era tida como algo demoníaco, suas instituições em nada tinham a ver com as medievais espanholas ou portuguesas, havia a necessidade de civilizar esses povos e dar-lhes oportunidade de conhecer a verdadeira fé, organizar-se nos modelos políticos e sociais sob o poder da realeza soberana e também conhecer um sistema econômico “dadivoso” e ter relações culturais requintadas e de “bom gosto”. Com esse objetivo de conduzir os indígenas no caminho da verdade, da razão e da civilização, pelo Requerimento eram oferecidas duas opções civilizatórias de afirmação eurocêntrica: a) caso aceitassem a dominação os espanhóis não teriam Direito de transformá-los em escravos; b) caso se rebelassem, seriam severamente punidos; tudo isso validado nos justos títulos79 que a Coroa Ibérica possuía.

Sendo assim, a respeito das duas opções cabe mencionar a argumentação que levantou, como contestação, o príncipe inca Atahualpa – chefe de uma facção Inca que disputava o poder – perante a exposição do Padre Valverde, capelão da expedição de Pizarro, sobre a “essência do Cristianismo”:

Além disto me disse vosso falante que me propondes cinco varões assinalados que devo conhecer. O primeiro é o Deus, Três e Um, que 77 Ibid., p. 42. 78 Ibid., p. 43. 79

Sobres os justo títulos ver ZAVALA, Silvio. Las instituiciones jurídicas en la conquista de América. México: Porrúa, 1988, pp. 22-29.

são quatro a quem chamais Criador do Universo, porventura é o mesmo que nós chamamos Pachacamac e Viracocha? O segundo é o que diz que é Pai de todos os outros homens, em quem todos eles amontoaram seus pecados. Ao terceiro chamais Jesus Cristo, só ele que não colocou seus pecados naquele primeiro homem, mas que foi morto. Ao quarto dais o nome de papa. O quinto é Carlos a quem, sem levar os outros em conta, chamais poderosíssimo e monarca do universo e supremo de todos. Mas, se este Carlos é príncipe e senhor de todo o mundo, que necessidade tinha de que o Papa lhe fizesse novas concessão e doação para me fazer guerra e usurpar estes reinos? E, se o tinha, logo, o Papa é mais Senhor, e não ele, e mais poderoso e príncipe de todo o mundo? Também me admiro que digais que estou obrigado a pagar tributo a Carlos e não aos outros, porque não dais nenhuma razão para o tributo, nem eu me acho obrigado a dá-lo de maneira nenhuma. Porque se por Direito houvesse de dar tributo e serviço, parece-me que se deveria dar àquele Deus e àquele homem que foi Pai de todos os homens, e àquele Jesus Cristo que nunca amontoou seus pecados, finalmente se havia de dá-los ao Papa [...]. Mas se dizeis que a este não devo dar, menos devo dar a Carlos que nunca foi senhor destas regiões nem o tenho visto80.

O próprio procedimento do documento por si alude à postura extremamente violenta, no sentido de que as opções em realidade são imposições, pois se aceitam os termos de maneira irrestrita e sob alguma forma de subjugação; ou então, em caso de rebelião como foi com o representante Inca, também é dado o mesmo destino. De qualquer forma a ação violenta não oferece escolha a si própria. Novamente resta a inquietude quanto à origem desse ímpeto violento dos conquistadores, apesar de já ter-se mencionado anteriormente que uma das questões se dá pela disjuntiva dos princípios na empresa da conquista; esta resolve a

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DUSSEL apud SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Da “invasão” da América aos sistemas penais de hoje: o discurso da “inferioridade” latino- americana. In: WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos de história do Direito. 4 ed. Ampl. e Revisada. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2009, p. 285.

indagação no âmbito do processo, mas nada ajuda a entender a manutenção da violência na prática dominadora a não ser compreendê-la como instrumento de efetividade do eurocentrismo. Dessa maneira, para o pesquisador italiano Romano Ruggiero a construção do ideário da violência ibérica, é dada pelo prolongamento que se fez do contexto de reconquista:

A violência instaurada com a chegada dos conquistadores espanhóis não foi um processo exclusivamente americano mas, sim, uma continuidade da Reconquista da península Ibérica, agora em novo ambiente. Na luta pela expulsão do mouro de seus territórios, os costumes criados com as sucessivas vitórias e o Direito feudal espanhol estabeleceram uma série de práticas e valores sociais que deram origem a uma cultura conquistadora entre os cavaleiros espanhóis. Assim, a conquista militar dos territórios mouros significava não apenas a expansão da fé cristã, mas também a concessão de privilégios econômicos aos vitoriosos. As derrotas impostas ao infiel modelaram, paulatinamente, o mito da superioridade do sangue espanhol frente ao muçulmano e a qualquer outro povo. Finalmente acrescentou-se à cultura conquistadora cavalheiresca o ideário “guerra santa”: luta contra o mouro infiel era, ao mesmo tempo uma luta pela glória de Deus, não admitindo contemplação. Se portadores da única e verdadeira fé, não poderiam ser tolerantes com qualquer outra religião que não a católica81.

Justificada ou não a postura violenta dos conquistadores como instrumento do eurocentrismo, o que assombra não são as artimanhas utilizadas para formalizar, legalizar e legitimar, mas o resultado das análises quantitativas da violência. O censo ocupa cifras altíssima, por exemplo no “[...] México, às vésperas da conquista, a população era de aproximadamente 25 milhões; em 1600, de apenas um milhão. „Nenhum dos grandes massacres do séc. XX‟ pode comparar-se a esta

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FERREIRA, Jorge Luiz. Conquista e Colonização da América Espanhola. São Paulo: Ática, 1992, p. 92.

hecatombe”82. Essa cifra, ainda que seja diminuída drasticamente, não afasta o conhecimento do massacre em Technochitlán, capital do império Asteca, relatado em diversas obras dos conquistadores83, ação que espanta pela proporção e seus feitos.

Compreendendo essa atitude como forma de extermínio, vale explorar posicionamentos como o de Tzvetan Todorov, que analisou sob três ângulos esse fenômeno: assassinato direto - na guerra justa -, maus tratos - nas relações de trabalho - e enfermidades - pelo contato com doenças típicas da Europa medieval -84, parte-se para a sequência. A já referida Guerra Justa, Santa ou de Dominação foi a forma pela qual a dominação teve maior eficácia; esta tipologia ministrada no assassinato direto é a que comporta maior grau de frieza e de desumanidade na não verificação do Outro na condição de humano, a brutalidade dos atos narrados principalmente pelos clérigos que acompanhavam as expedições, distorce qualquer tentativa de justificação para os atos violentos, sejam estas jurídicas, princípios, religiosas, culturais ou históricas.

Nesse sentido, vale recordar o defensor dos indígenas, Frei Bartolomé de Las Casas, que menciona:

Aqueles que foram de Espanha para esses países (e se tem na conta de cristãos) usaram de duas maneiras gerais e principais para extirpar da face da terra aquelas míseras nações. Uma foi a guerra injusta, cruel, tirânica e sangrenta. Outra foi matar todos aqueles que podiam ainda respirar ou suspirar e pensar em recobrar a liberdade ou subtrair-se aos tormentos que suportam como

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TODOROV apud SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Da “invasão” da América aos sistemas penais de hoje: o discurso da “inferioridade” latino- americana. In: WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos de história do Direito. 4 ed. Ampl. e Revisada. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2009, p. 279.

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Ver as obras: CORTEZ, Hernan. A conquista do México. Porto Alegre: L&PM, 2001. CASTILLO, Bernal Díaz del. Historia verdadera de la conquista de la Nueva España. Prólogo con reseña crítica de la obra, vida y obra del autor, y marco histórico. Editores mexicanos unidos: México, 2013. TAPIA, Andrés. Relación de la conquista de México. Axial entre manos: México, 2008.

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Estas formas encontram-se classificadas em TODOROV, Tzvetan. La conquista de América: el problema del Otro. 2. ed. México: Siglo XXI editores, 2010, p. 163.

fazem todos os Senhores naturais e os homens valorosos e fortes; pois comumente na guerra não deixam viver senão crianças e as mulheres: e depois oprimem-nos com a mais horrível e áspera servidão a que jamais se tenham submetido homens ou animais. A essas duas espécies de tirania simbólica podem ser reduzidas e levadas, como subalternas do mesmo gênero, todas as outras inumeráveis e infinitas maneiras que se adotam para extirpar essas gentes85.

A configuração da dominação pela guerra não encontra nos atos, como esses narrados pelo padre, nenhuma justificativa, pois, na maioria das vezes em que toca descreve os assassinatos, Bartolomé de Las Casas menciona que as populações não estavam em posição de guerra, ou seja, traduzia em puro massacre a produção de infindável tormento e ímpeto destrutivo. O terror causado pelos espanhóis tanto contra os domínios Astecas quanto aos povos Incas, apesar de ter servido como procedimento para programar e consolidar a dominação, em muitos