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O Estado e a emergência do sistema escolar português O sistema escolar português constituiu-se entre nós, na fase do

Desenvolvimento Organizacional da Escola – Influências, Dinâmicas e Lógicas de Acção

1.1.1. O Estado e a emergência do sistema escolar português O sistema escolar português constituiu-se entre nós, na fase do

Pombalismo. Marquês de Pombal adoptara o Mercantilismo como pensamento orientador das reformas económicas a que estava, indissoluvelmente, ligada a reforma do Estado.

As reformas educacionais implementadas por Pombal destinavam-se, por um lado, a permitir a implementação do mercado nacional e, por outro, a formar os quadros capazes de aderir a um projecto cultural, político e económico.

No processo de instauração de uma nova ordem económica e cultural, Marquês de Pombal, ministro de D. José I, teve a percepção de ser impossível contar com a adesão da grande aristocracia. Habituada a viver de rendimentos e não de trabalho, sempre disponível para receber benesses régias ou o fruto dos tráficos ultramarinos, a alta aristocracia portuguesa não partilhava, em regra, a visão empreendedora de outras aristocracias pertencentes a outros países.

Diferente era, no entanto, a situação da pequena nobreza provincial, na sua modéstia, bem próxima, por vezes, dos demais elementos das comunidades junto das quais vivia. A administração desses pequenos centros populacionais, cujo horizonte era o município, era assegurado pela burguesia.

A este grupo associava-se a nobreza rural, os párocos, os capitães e os juízes.

Em matéria de instrução pública, os interesses destes sectores convergiam com os do Estado central, carecido de funcionalismo na esfera fiscal e judicial. Assumindo o Estado a função de regulador das actividades

39 económicas, o funcionamento dos seus órgãos centrais e periféricos teria de se centralizar no desempenho de alfabetizados.

Em vários planos, durante o Pombalismo, o Estado reorganiza-se com vista a intervir nos vários sectores da vida nacional, sobretudo em matéria de tributação e de administração da justiça. A intensificação das relações comerciais, o peso da contratualização no plano da fixação dos compromissos mercantis, o registo contabilístico dos valores monetários, o conhecimento de novas técnicas de produção agrícola ou industrial, torna necessário a posse de uma cultura elementar (leitura, escrita, cálculo) e, em certos casos, de uma preparação técnica especializada na área da contabilidade.

A questão da instrução estava, portanto, na ordem do dia, o que justificava a existência de inúmeros requerimentos dirigidos ao Poder, para a abertura de escolas de primeiras letras.

Luís António Verney, autor do Verdadeiro Método de Ensinar, critica o ensino ministrado pelos Jesuítas e insurge-se contra uma nova corrente designada por “pedagogia moderna” proposta por Locke e Rollin.

Este facto é encarado como um forte apelo no sentido de reformar globalmente o sistema, incluindo a necessidade da difusão do ensino elementar entre o povo (o que não viria a ser acolhido na reforma pombalina).

Em 1759, quando já estavam em aplicação os primeiros dispositivos reformadores, o médico António Nunes Ribeiro Sanches envia ao ministro português, a partir de Paris, uma síntese das suas opiniões críticas sobre o ensino em Portugal e das suas propostas no sentido de se implementar uma educação moderna, limitada às classes superiores e médias.

Este quadro ideológico veio desencadear o encerramento de todos os colégios e estudos sob a direcção da Companhia de Jesus, assim como a proibição dos livros escolares publicados sob a sua orientação.

Este facto obrigou Marquês de Pombal a preencher este vazio, instituindo nos principais centros urbanos, em 1759, as primeiras escolas régias gratuitas de Latim, Grego e Retórica.

A legislação pombalina prevê a criação do cargo de Director dos Estudos, considerado alto funcionário, imediatamente dependente do Soberano. Passa a competir-lhe a administração e gestão pedagógicas dos chamados Estudos Menores, tanto públicos como privados.

40 A primeira consequência política desta determinação foi a estatização da

orientação, ficando a igreja impedida da tradicional inspecção e direcção do

ensino. Contudo, nem o currículo deixou de contemplar matérias de religião, nem o clero foi impedido de exercer a profissão docente, não obstante a presença crescente de leigos no exercício da docência.

A segunda consequência tem a ver com o controlo do sistema escolar. A autorização do exercício legal da função docente, quer ao nível do ensino público, quer do ensino particular, passou a depender da prestação de provas perante o Director dos Estudos ou perante outras pessoas em quem delegasse funções. Esta mesma exigência era igualmente aplicada aos professores em exercício, no momento em que foi aplicada a referida legislação.

No que respeita à criação de estruturas escolares, as prioridades vão no sentido dos interesses da aristocracia e da burguesia, procedendo-se à criação de um ramo académico, que se aproximaria do actual ensino secundário:

- Criação de escolas gratuitas de Gramática Latina, Gramática Grega, Retórica e Filosofia, núcleo duro da cultura geral, mas também matérias relevantes no percurso académico universitário;

- Criação dos colégios dos Nobres e de Mafra, sendo o primeiro destinado exclusivamente à aristocracia e o segundo à aristocracia e à burguesia.

Também foi criado um ramo de ensino secundário profissional, designado por Aula do Comércio, criada em 1759, a pedido da classe de negociantes de Lisboa, e reservada a filhos e netos de comerciantes, podendo, no entanto, receber alunos oriundos de outros meios, se existissem vagas.

Também foi criada em 1761, a Real Escola Náutica, destinada ao ensino da navegação e pilotagem.

Em 1769, a Junta Administrativa da Companhia Geral da Agricultura e Vinhos do Alto Douro, que administrava a escola, conseguiu que nela existissem aulas de debuxo e desenho.

Na base do ensino, é criado em 1772, o que poderemos chamar ensino primário português. Trata-se das Escolas de Ler, Escrever e Contar, nas quais se ensinaria a leitura, a escrita, o cálculo, a caligrafia e a ortografia, a doutrina cristã e a civilidade.

41 Finalmente, a reforma da Universidade de Coimbra, precedida da extinção da Universidade de Évora (1759), visava a criação de novas instituições (as Faculdades de Filosofia e de Matemática onde se cultivassem novos saberes no âmbito naturalístico-matemático e se formassem novos profissionais capazes de proceder ao levantamento topográfico de um país desconhecido (cosmógrafos).

Fixemo-nos, por agora, no sector dos Estudos Menores, constituído pelas Escolas Régias de Ler, Escrever e Contar, e pelas disciplinas de Gramática Latina e Grega, Retórica e Filosofia Natural e Moral.

Os critérios de distribuição do ensino da rede escolar eram de carácter geo-demográfico e social. Em relação a este último ponto, refira-se que no preâmbulo da Carta de Lei de 6 de Novembro de 1772, identificavam-se os limites da escolarização. Aí se estabelecia, em primeiro lugar, que o sistema escolar não seria acessível em plano de igualdade, a todos os sectores sociais. Da escolarização excluíam-se aqueles que trabalhavam na agricultura e nas artes fabris, sob a alegação de não necessitarem das Primeiras Letras, bastando-lhes as “instruções dos párocos”, isto é, o ensino oral do catecismo realizado aos domingos.

Outros, melhor situados na escala social, ficar-se-iam pela instrução da Gramática Latina, já que as suas aspirações profissionais se compaginavam com o fundo de cultura geral que ela proporcionava.

Por último, havia os que tinham maiores ambições e que seguiriam para o ensino universitário. Neste caso, o seu percurso escolar esgotaria todas as cadeiras previstas para o ensino secundário, para além de outras disciplinas preparatórias da frequência do ensino superior.

Estes critérios de exclusão, também eram aplicados na distribuição de escolas ou de cadeiras pelas diversas regiões, em consonância com os dados da geografia e da demografia. Além da Gramática Latina, o número de outras cadeiras era inferior, imprimindo à estrutura escolar a forma clássica de pirâmide.

A política educacional de D. Maria I prosseguirá, em parte, a política Pombalina. Terá como objectivo a expansão das Escolas de Primeiras Letras, embora acompanhada pela sua entrega aos conventos e pela desaceleração dos ritmos de alargamento do ensino secundário.

42 Durante o governo de D. Maria I concretiza-se a primeira alteração marcante da estrutura geral das escolas públicas. O sistema escolar instituído por Marquês de Pombal era essencialmente masculino. D. Maria I criou um conjunto de dezoito escolas femininas régias em Lisboa. Pouco depois, a Câmara do Porto reivindicou este mesmo direito para a sua cidade.

Estas instituições apresentavam uma característica discriminatória, na medida em que, algumas teriam o currículo completo - Primeiras Letras, Doutrina Cristã e Lavores - ao passo que outras poderiam circunscrever-se, apenas, ao ensino prático destas últimas matérias.

Entre os finais do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX, o sistema de educativo sofre algumas transformações. O Exército, em processo de modernização, reclama a necessidade de subalternos alfabetizados, gerando a criação de Escolas Militares.

Em 1816 é criada a primeira Escola de Habilitação (Formação) de Professores. Fundada pelo Exército, é aberta igualmente a civis.

Pela primeira vez na história da escola portuguesa, as mulheres ocupam lugares de mestras régias. Também pela primeira vez (1813), professores e mestres juntam-se numa associação de socorros mútuos (Montepio Literário), no âmbito do qual, iniciam a defesa de alguns dos seus interesses profissionais, perante o Poder.

1.1.2. A intervenção das forças liberais no desenvolvimento