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Pensar a Escola – Práticas reflexivas e desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional

Desenvolvimento Organizacional da Escola – Influências, Dinâmicas e Lógicas de Acção

1.6. Pensar a Escola – Práticas reflexivas e desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional

Os professores, no dia-a-dia do seu exercício profissional, enfrentam incertezas e dúvidas, experimentam conflitos de valores e dilemas de acção. Chamados a desempenhar uma multiplicidade de papéis para os quais não foram preparados, sentem na pele a dificuldade do muito que se lhes exige e procuram adquirir competências que os ajude a crescer pessoal e profissionalmente.

Torna-se cada vez mais importante que os docentes reflictam de forma fundamentada sobre as suas práticas profissionais. Só dessa reflexão, poderá emergir uma consciência profissional que promova a qualidade do desempenho de cada um. Tal como refere Nóvoa (1992 b, p. 16), “temos de ser capazes de pensar a nossa profissão”.

O trabalho centrado na pessoa do professor e na sua experiência, é particularmente relevante nos períodos de crise e de mudança, pois uma das fontes de stress, é o sentimento de que não se dominam as situações e os contextos de intervenção profissional.

Os problemas da prática profissional docente, comportam situações problemáticas que obrigam a decisões importantes e tal como refere Donald Schön (1993, p. 24), “têm de ser tomadas num terreno de grande complexidade, incerteza, singularidade e de conflito de valores”.

As situações que os professores são obrigados a enfrentar e a resolver apresentam, segundo Nóvoa, (Idem, p. 27), “características únicas, exigindo portanto, respostas únicas.”

O êxito profissional do professor depende da sua capacidade para lidar com a complexidade e resolver problemas práticos, e isso pressupõe uma integração inteligente e criativa do conhecimento e da técnica. Esta capacidade implica um estudo reflexivo das situações e habilidades para actuar de modo adequado em cada caso.

87 A vida quotidiana de qualquer profissional depende do conhecimento tácito que mobiliza e elabora durante a sua própria acção. Perante a pressão de múltiplas e simultâneas solicitações da vida escolar, o professor deve activar os seus recursos intelectuais para elaborar um diagnóstico rápido da situação e desenhar estratégias de intervenção. E essa “arte”, segundo Arends (1995, p. 1), “reveste-se de componentes (…) que dependem de um conjunto complexo de apreciações individuais, baseadas em experiências pessoais.”

Nos últimos anos, o termo “prático reflexivo” adquiriu uma enorme expressão, tendo-se generalizado por todo o mundo. As origens deste movimento remontam a John Dewey, Montessori, a Tolstoi e a Froebel. Dewey (1933), considerava que a prática reflexiva levava a cabo “o exame activo, persistente e cuidadoso de todas as crenças de supostas formas de conhecimento, à luz dos fundamentos que as sustentam e das conclusões para que tendem”, (cit. por García, 1992, p. 60, in A. Nóvoa, org., Os Professores e

a sua Formação). Um outro autor que merece ser referido pela abordagem que

efectuou em torno desta temática foi Zeichner. No entanto, foi sobretudo, Donald Schön quem se afirmou como um dos autores de maior impacto na difusão do conceito de reflexão. A designação “professional Artristy” é usada pelo autor com o sentido de referir as competências que os profissionais revelam em situações caracterizadas, muitas vezes, por serem únicas, incertas e de conflito.

O triplo movimento sugerido por Schön – reflexão na acção, reflexão sobre a acção e reflexão sobre a reflexão na acção – ganha uma pertinência acrescida no quadro do desenvolvimento profissional dos professores e remete para a consolidação no terreno profissional de espaços de autoformação participada.

Em Portugal, têm sido realizados estudos onde a reflexão sobre a prática tem tido um papel fundamental (Alarcão, 1996; Nóvoa, 1992).

As investigações em torno da prática reflexiva têm vindo a aumentar nos últimos anos, contribuindo para a clarificação de conceitos, contrapondo uma visão tecnicista da prática profissional.

As ideias defendidas por Schön sobre o desenvolvimento do conhecimento profissional, baseiam-se em noções como a de pesquisa e de experimentação na prática.

88 A prática reflexiva constitui actualmente uma disposição profissional genérica que os programas de formação contemplam, com maior ou menor incidência. A crítica e autocrítica da prática sempre foram os meios privilegiados em situação de formação.

O espaço pertinente da formação contínua já não considera o professor, apenas como técnico nos domínios científico e metodológico, mas também, nas suas funções de relação com os colegas, os alunos, os encarregados de educação e ainda de organização e de gestão da escola.

Na perspectiva de Nóvoa (Idem, p. 26), “Os movimentos de balanço retrospectivo sobre os percursos pessoais e profissionais são momentos em que cada um produz a sua vida, o que no caso dos professores, é também produzir a sua profissão.”

Para Pérez-Gómez (1992, p. 103), refere que a prática reflexiva “implica a imersão consciente do homem no mundo da sua experiência, num mundo carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências afectivas, interesses sociais e cenários políticos.”

Na perspectiva de Alarcão (1993, p.12), agir de forma reflexiva “implica compreender a situação e tomar consciência atempadamente das decisões mais correctas. Implica saber recorrer ao saber, (…). Implica também conhecer-se a si próprio, (…), ser capaz de descobrir no agir e no dizer dos outros (…). Implica dialogar, confrontar, reflectir, para criar novos olhares e novas formas de agir”.

Todos os que estão envolvidos na concepção e implementação do seu desenvolvimento profissional, lançam-se numa busca constante pela aquisição de competências, quer ao nível da dimensão pessoal, quer ao nível dos valores e do posicionamento crítico sobre a sua própria forma de actuar, aquilo que é designado por Simões (1995, p. 64), “o saber ser e o saber tornar-se” Assim, o poder de reflexão, os hábitos de trabalho e de ordem, a aceitação e a iniciativa da crítica, a entreajuda, a autodisciplina, são algumas, das muitas atitudes que o professor pode e deve desenvolver. É necessário que os docentes valorizem a oportunidade de explorar o seu profissionalismo prático em situações estruturadas, quer pelo seu próprio processo auto-orientado de reflexão crítica ou no contexto mais formal de uma acção de formação.

89 Alarcão e Tavares (2003, p. 146) defendem que a prática reflexiva mantém presente a importante questão da função que a escola desempenha na sociedade e clarificam o seu pensamento referindo que este processo, se desenvolve,

introduzindo preocupações éticas e sociais, fundamentais à correcta definição das políticas e estratégias institucionais. Justifica a razão de ser da sua existência, estabelece interacções com outros pólos de formação e educação, redefine papéis para os que nela vivem e convivem e clarifica os laços e ambientes de convivência comunitária. A mesma atitude não deixa agudizar os problemas que, prontamente resolvidos, mantêm o nível de satisfação necessário ao desenvolvimento pessoal, profissional e institucional e desenvolvem o sentido de auto-estima e a satisfação que deriva da tomada de consciência de que se podem dominar as situações difíceis.

Vieira (2006, p.152) no âmbito de um estudo desenvolvido com 13 professores, que desempenhavam funções de supervisão, em que pretendia explorar linhas de pensamento e acção para uma pedagogia de orientação

transformadora na formação pós-graduada de professores, assente na criação

de condições para a democratização da construção do conhecimento

profissional, optou pelo recurso a portefólios reflexivos, pretendendo que acção

se desenrolasse num quadro de formação reflexiva. Nestes portefólios, pretendia-se que os formandos reflectissem sobre as suas experiências de supervisão, tanto ao nível do trabalho desenvolvido com estagiários, como a um nível mais alargado. O recurso a portefólios reflexivos, constitui uma estratégia de formação e de reflexão cada vez valorizada, tanto ao nível da formação inicial, como da formação contínua, na medida em que, segundo Sá- Chaves (1998, p. 140), “são vistos e utilizados como instrumentos do pensamento reflexivo, providenciando oportunidades para documentar, registar e estruturar os procedimentos e a própria aprendizagem, ao mesmo tempo que, evidenciando para o próprio formando e para o formador, os processos de auto-reflexão permitem que este último aja em tempo útil para o formando,

90 indicando novas pistas, abrindo novas hipóteses que facilitem as estratégias de autodireccionamento e de reorientação, em síntese, de autodesenvolvimento.” Vieira (Idem, p. 156), ao justificar a opção pela formação de cariz reflexivo, parte do pressuposto de que “a prática é geradora de teoria” e a sua finalidade prendesse com a emancipação profissional, ao permitir aceder a “um saber criativo, a uma capacidade de acção educativa, a uma capacidade de auto- regulação e a uma postura crítica face aos contextos.

Considera, ainda, que o desenvolvimento de experiências de supervisão por parte destes formandos, a par da construção de portefólios reflexivos “implicam uma atitude indagatória dos formandos face à prática, no sentido da sua (re)conceptualização e permite que a transformação de teorias e práticas profissionais se faça no quadro de uma educação emancipatória para todos os actores envolvidos (professor/alunos, supervisor/estagiários)” (Ibidem). Por outro lado, entende que esta iniciativa visa “a emancipação profissional através da (re)construção de competências (atitudes, saberes, capacidades) facilitadoras da autodeterminação e tomada de decisões (…) que integram algumas dimensões principais da prática profissional – criação, acção, regulação e crítica – e conferem à actuação profissional uma orientação indagatória, em modalidade aproximada à investigação-acção” (Ibidem).

Iniciativas desta natureza, ao colocarem a tónica nos sujeitos em formação, conferem-lhes um papel pró-activo no seu desenvolvimento profissional. Por outro lado, permitem reforçar o papel da comunicação na formação e evidenciam a natureza social do saber em construção.

Esta atitude de criar condições para “a democratização da construção do conhecimento” permite o desenvolvimento de uma “pedagogia transformadora”, em contraponto a uma “pedagogia reprodutora” onde o formador consolida o seu poder numa relação de dominação que, segundo a autora, “(sobre)vive à custa da (aparente) sujeição e (suposta) ignorância do formando” (Idem, p. 184).

A reflexão crítica é um processo em que analisamos incidentes e acontecimentos do nosso passado para compreendê-los e integrá-los no nosso sistema de valores e ideias profissionais. Reflectimos, igualmente, sobre experiências passadas para seleccionarmos o que consideramos serem dificuldades e sucessos específicos.

91 A informação extraída desse processo permite encarar os incidentes e acontecimentos futuros e actuar em conformidade. Este processo interactivo de acção, reflexão e planeamento está subjacente a toda a aprendizagem profissional e revela-se indispensável para a estruturação das actividades de desenvolvimento profissional que concebemos e implementamos. A Fig.3 ilustra de forma sintetizada todo este processo, com base na perspectiva de Schön.

Fig.3 – O profissional reflexivo

Uma organização eficaz exige que a experiência seja considerada como um recurso-chave para a aprendizagem e desenvolvimento. Esta situação envolve inúmeros debates e discussões abertos sobre o que se passa, o que parece estar a funcionar bem, onde ocorrem os obstáculos e o que cada participante aprende gradualmente de dia para dia.

O processo reflexivo caracteriza-se por um vaivém permanente entre acontecer e compreender, na procura de significado das experiências vividas.

Os professores são conduzidos através da reflexão na sua própria prática e, especialmente, através da reflexão sobre ela, a obter uma visão crítica do contexto estrutural ou ideológico em que estão a trabalhar. Esta forma de reflexão na acção, interfere na construção do conhecimento e nas formas espontâneas de pensar e de agir, surgidas no contexto da acção e que orientam a acção posterior.

A acção reflexiva confere poder emancipatório ao professor e não pode ser dissociada do contexto social e cultural em que se insere. Implica um desejo activo de transformação no sentido de alterar a situação social onde nos movimentamos. Nesse enquadramento, o professor reflexivo é alguém que atribui importância a questões globais da educação, como as finalidades e as

92 consequências do ponto de vista social e pessoal, a racionalidade dos métodos e do currículo e a relação entre estas questões e a sua prática docente.

Sá-Chaves (1997), p. 121), no sentido de consolidar a ideia de que a prática reflexiva constituiu um elemento válido nos processos formativos, baseia-se nos fundamentos de Brubacher et al. (1994, p.25), e aponta os seguintes aspectos:

“a) a prática reflexiva ajuda os professores a libertarem-se de comportamentos impulsivos e rotineiros;

b) Permite que os professores ajam de um modo deliberado e intencional;

c) Distingue os professores enquanto seres humanos instruídos, pois é um marco da acção inteligente.”

As exigências do mundo actual, requerem sensibilidade perante as transformações económicas, sociais e culturais, tomando em consideração as novas e diversificadas necessidades da sociedade. Torna-se necessário que cada docente se habilite a responder às funções que a escola e o sistema educativo esperam que ele desempenhe.

Há já quem defenda que vivemos o fim das certezas. Perrenoud (2000, p. 10), afirma que o educador deve “fazer o luto das certezas” e que deve “agir na urgência, decidir na incerteza”. A partir do pressuposto de que a educação se movimenta no paradigma da incerteza, Schön (Idem, p. 83) defende a ideia de que o professor é um criador, um transformador de situações, dotado de um saber que na sua concepção se aproxima de uma competência artística.

Os professores reflexivos desenvolvem a sua prática naquilo que apreendem da sua própria acção num dado contexto escolar. A prática é sustentada em teorias da educação, em relação às quais, mantém uma perspectiva crítica. Deste modo, a prática é sujeita a um processo constante de vaivém, que conduz a transformações e a investigações futuras.

Na vida profissional de qualquer docente, a reflexão constitui um elemento importante na sua forma de agir face aos diferentes contextos inerentes à prática profissional. Os estudos de Schön (Idem, p. 6) sobre as práticas, tornaram claro que “há zonas indeterminadas da prática - incerteza, carácter único, e conflito de valores, que necessitam de abordagens flexíveis

93 que permitam lidar com situações ambíguas e complexas. O professor reflexivo busca o equilíbrio entre a acção e o pensamento e uma nova prática implica sempre uma reflexão sobre a sua experiência, as suas crenças, imagens e valores.

Também Roldão (1999, p.116), entende que o pleno exercício de uma profissão, pressupõea

possibilidade, a necessidade e a capacidade de o profissional reflectir sobre a função que desempenha, analisar as suas práticas à luz dos saberes que possui e como fontes de novos saberes, questionar-se e questionar a eficácia da acção que desenvolve no sentido de aprofundar os processos e os resultados, os constrangimentos e os pontos fortes, a diversidade e os contextos da acção, reorientando-a, através da tomada fundamentada de decisões, ou da gestão de dilemas.

Para concluir, diria que a prática reflexiva só adquire o seu pleno sentido, se for alargada a toda a escola enquanto organização, permitindo vislumbrar uma perspectiva conjunta de pensar a escola e de promover o seu desenvolvimento organizacional, tal como nos sugere Alarcão (2002, p. 220), ao definir escola reflexiva como uma “organização que continuadamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua estrutura e se confronta com o desenrolar da sua actividade num processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo.”

1.7. Formação Contínua – No trilho da requalificação da