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6 A DUPLA DIRECIONALIDADE DA METÁFORA – ANÁLISE DE

6.1. Metáforas sistemáticas no discurso sobre violência urbana

6.1.12. ESTAR DENTRO POR ESTAR SEGURO

Descrever o sentimento de insegurança não foi algo que ficou estanque a um momento só do discurso, mas percorreu diversas falas. E através de narrativas e comentários, esta metonímia emergiu com a participação coletiva e frequente do grupo focal. Visto que o ESTAR DENTRO, assim como o ESTAR FORA, é entendido em termos literais (mudança metafórica – literalização), ou seja, significa realmente estar dentro ou estar fora de um lugar nas falas dos participantes, então, não se trata propriamente de

uma metáfora, mas de uma metonímia: é uma parte da experiência humana com lugares estendida à subjetividade do sentimento de segurança/insegurança.

Veículos metonímicos do domínio de “fechar”, “trancar” e “dentro” apareceram com regularidade para simbolizar a segurança, enquanto o inverso também foi verdadeiro, que a insegurança está do lado de fora; portanto, sair é arriscado e manter-se trancado é a melhor proteção. Veja os trechos abaixo:

Excerto 79

Excerto 80

Fonte: Corpus Grupo Focal 1_GELP (2010)

Excerto 81 (conclusão)

Fonte: Corpus Grupo Focal 1_GELP (2010)

“Cheio de grade” motiva o uso do próximo veículo “presídio”. Metonimicamente, uma parte da casa (a grade), caracteristicamente aplicada à proteção do morador, transforma toda uma concepção do lar em um “presídio”, fazendo os cidadãos de reféns da violência. Em outras palavras, quem deveria estar fora e se sentindo seguro é quem está dentro de uma prisão, logo, estar neste tipo de “presídio” é sentir-se protegido. Foram destacadas mais ocorrências que comprovam esta metonímia:

Excerto 82 (conclusão)

Fonte: Corpus Grupo Focal 1_GELP (2010)

Excerto 83

Fonte: Corpus Grupo Focal 1_GELP (2010)

Excerto 84 (conclusão)

Fonte: Corpus Grupo Focal 1_GELP (2010)

Nas linhas 564 e 565, Ana Lívia narra um episódio da sua vida em que alguém quebrou o vidro do seu carro. Isto é imediatamente associado ao medo e à insegurança. Como já foi apontado antes, o “vidro”, metonimicamente, sugere ser esta barreira protetora, o símbolo da segurança. Se a “grade” está para a casa como referência de segurança, o “vidro” está para o carro. Esta é uma compreensão que já havia surgido em outras falas, e também é reforçada em falas posteriores a esta de Ana Lívia. Veja os excertos 85, 86 e 87:

Excerto 85

Fonte: Corpus Grupo Focal 1_GELP (2010)

Excerto 86

Excerto 87

Fonte: Corpus Grupo Focal 1_GELP (2010)

Os comentários de Mateus e Ana Lívia são bastante pertinentes quando se refere à questão cultural. É sabido por todos que, em Fortaleza, a partir das 22 horas, os semáforos não são considerados locais seguros, portanto recomenda-se aos motoristas que cruzem o semáforo, mesmo que esteja vermelho, com cautela e velocidade reduzida. A cautela também é sugerida durante o dia, pois, aos semáforos da cidade de Fortaleza, é possível ver pessoas lavando os para-brisas de carro ou pedindo dinheiro nos sinais, e alguns assaltantes se passam por estas pessoas para ter a oportunidade de executar o furto. Desse modo, é frequente ver os motoristas desta cidade subindo os vidros ao se aproximarem dos semáforos. Assim, a metonímia a partir do discurso também é peculiar ao seu contexto discursivo, pois emergiu principalmente devido à experiência social em Fortaleza.

6.2. Tópicos Discursivos como atratores e Metáforas que não emergiram no discurso

A metáfora sistemática é carregada de aspectos cognitivos e histórico- sociais. Isto a torna particular no discurso, beneficiando-o de maneira específica. Não que isso a impeça de aparecer em outros discursos, envolvendo os mesmos e/ou outros participantes, mas a probabilidade disto ocorrer é mais desafiadora. Assim, como o discurso também poderia ter emergido algumas outras metáforas que, por algum motivo, não alcançaram a estabilidade que queriam e, dessa forma, são consideradas metáforas potenciais para outros discursos.

Uma das possíveis razões para que a metáfora não tenha se desenvolvido são os atratores do discurso, ou seja, as preferências discursivas escolhidas pelos participantes do grupo focal. Estes atratores demandaram mais tempo e mais discussão, não permitindo que outros tópicos fossem desenvolvidos, o que nos termos da Teoria dos Sistemas Dinâmicos Complexos Adapativos (DE BOT, LOWIE & VERSPOOR, 2007; LARSEN-FREEMAN & CAMERON, 2008), demandaram mais energia do sistema para permanecer estável, enquanto os tópicos não desenvolvidos não conseguiram obter energia o suficiente para influenciar o sistema. Os tópicos discursivos que funcionaram como atratores são os que auxiliaram nomear as metáforas sistemáticas analisadas:

 Banalização da violência pela mídia;

 Tipos de violência;

 Mudança comportamental;

 Sentimento de insegurança;

 Sociedade e grupos sociais;

 Ações do governo.

Destes tópicos, Banalização da violência pela mídia e Sociedade e grupos sociais foram os tópicos mais comentados ao longo de todo discurso, permitindo que

fossem identificadas seis metáforas para o primeiro e quatro para o segundo. Os outros não foram tão comentados como estes, contudo, ainda assim possibilitaram metáforas importantes para os objetivos deste trabalho. A tabela a seguir mostra os tópicos discursivos e suas respectivas metáforas sistemáticas analisadas:

Tabela 1 – Relação entre tópicos discursivos e metáforas sistemáticas (continua)

Tópicos Discursivos Metáforas Sistemáticas

Banalização da violência pela mídia

MÍDIA É ORGANISMO VIVO COM VONTADE PRÓPRIA

VIOLÊNCIA É NUTRIENTE

VIOLÊNCIA É ORGANISMO VIVO

VIOLÊNCIA É AGRESSOR

VIOLÊNCIA É FERIDA

COMPREENDER A SI MESMO É ENXERGAR-SE NA MÍDIA Tipos de violência TIPOS DE VIOLÊNCIA SÃO FORMAS

Mudança comportamental

MUDANÇA COMPORTAMENTAL SÃO AÇÕES BÉLICAS

MUDANÇA COMPORTAMENTAL É MOVIMENTO Sentimento de

insegurança

Tabela 1 – Relação entre tópicos discursivos e metáforas sistemáticas (conclusão)

Sociedade e grupos sociais

COMPREENDER DIFERENTES GRUPOS SOCIAIS É VER ELES

COMPREENDER A SI MESMO É ENXERGAR-SE NA MÍDIA

GRUPOS SOCIAIS SÃO NÍVEIS DE UMA ESCALA VERTICAL

GRUPOS MENOS FAVORECIDOS SÃO ELES

Ações do governo

GOVERNO É A FONTE DO MAL QUE VEM LÁ DE CIMA

GOVERNO COMPREENDE A VIOLÊNCIA QUANDO ABRE O VIDRO E OLHA PROS LADOS

Outro motivo que justifica o fato de algumas metáforas não terem tido sucesso quanto à sua emergência neste discurso é a baixa recorrência de veículos, não encaminhando, assim, a sistematicidade sugerida pela abordagem da metáfora conduzida pelo discurso (CAMERON, 2003, 2007, 2008; CAMERON & MASLEN, 2010). Quando se trata de recorrência de veículos, não há um consenso de quantos termos seriam necessários exatamente para validar uma metáfora sistemática. Porém, percebe-se que o importante não é só o volume de termos, mas a participação destes termos e/ou sinônimos em diferentes falas e tópicos no discurso. Alguns veículos foram usados no discurso por somente um participante, o que não é de interesse para a pesquisa, já que se preza aqui a construção da metáfora de modo interativo. A metáfora sistemática se propõe ser exatamente o momento em que o sentido foi negociado entre os interlocutores; por isso, os seus termos veículos podem ser identificados de maneira sistemática dentre as diversas falas, apontando para um mesmo conceito.

Nisto diferencia a proposta de Cameron (2003, 2007, 2008) de uma análise pautada em metáforas conceituais (LAKOFF & JOHNSON, 1980), pois, para esta última, não interessa se a metáfora é resultado de uma intensa interação discursiva; se há a possibilidade dela se manifestar linguisticamente em determinada cultura, então ela merece ser analisada. Além de também tenderem à universalidade, enquanto as metáforas sistemáticas são discursivamente situadas.

Abaixo foram listadas algumas metáforas e suas respectivas observações por que não alcançaram a estabilidade no discurso. Entretanto, estas metáforas seriam de absoluto interesse, se os critérios aqui de análise estivessem pautados somente na Teoria da Metáfora Conceitual, já que se manifestaram linguisticamente:

VIOLÊNCIA É OBJETO EM EXPOSIÇÃO (baixa frequência de veículos: 3 identificados);

FAZER VIOLÊNCIA CONTRA O OUTRO É DESCONTAR DÉBITO (baixa frequência de veículos: 2 identificados);

GRUPOS SOCIAIS SÃO RECIPIENTES (baixa frequência de veículos: 3 identificados, ditos por somente uma participante – Vânia);

IDEIAS SÃO OBJETOS (apesar de 6 veículos identificados, todos foram ditos em um mesmo trecho por um mesmo participante: Igor);

EDUCAÇÃO É OBJETO QUE PODE SER DADO (apesar de dois participantes, Mateus e Vânia, terem usado este conceito, somente 4 veículos foram identificados, o que é pouco para um assunto que foi debatido por todos os integrantes do grupo focal).