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2 EXPERIENCIALISMO

2.4 Teoria Integrada da Metáfora Primária

2.4.4 Teoria da Integração Conceitual (mesclagem)

A Teoria da Integração Conceitual contribuiu para esclarecer os processos de mapeamento conceitual envolvidos durante o momento da interação discursiva e da compreensão – cognição online. Em outras palavras, ela complementa a Teoria da Metáfora Conceitual no que concerne aos mapeamentos e à estruturação de domínios.

Fauconnier e Turner (1994, 2002) propõe a existência de espaços mentais, os quais são entendidos como “pequenos pacotes conceituais” construídos no momento em que pensamos ou falamos sobre algo, a fim de favorecer o entendimento e a ação local. Diferente dos domínios, os espaços mentais são menores e mais específicos, e podem ser estruturados por um ou mais domínios conceituais. Kövecses (2010) ilustra a mesclagem entre espaços mentais da seguinte maneira: um homem

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(...) the observation of another individual’s action evokes a specular response in the neural system of the observer, which is activated as-if he himself were carrying out the action that he is observing.

chegou para uma mulher e disse - “se eu fosse você, eu teria feito”. Suponha que esta sentença tenha sido proferida quando a mulher rejeitou a proposta de ficar grávida. Para que esta sentença faça algum sentido, é necessária a participação de alguns domínios. No “domínio-homem”, não existe a propriedade de gravidez, enquanto no “domínio-mulher” é possível. Assim, o que ocorre é a integração dos dois domínios, que no momento em que a sentença é dita, tornam-se espaços mentais (input spaces – espaços de entrada). Esta integração origina um terceiro espaço mental, no qual o homem pode ficar grávido e tem esta intenção. Este último espaço mental é chamado de blended space (espaço mesclado)22, e é resultado da atividade imaginativa, pois no mundo real, não há a possibilidade de um homem engravidar.

Figura 17 – Espaços mentais homem-mulher

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Neste trabalho, faremos a opção pelo uso dos termos originais em inglês, já que não há um consenso na tradução destes termos na literatura, com exceção do espaço genérico (generic space).

Input space 1 Homem Não gravidez Input space 2 Mulher Gravidez Blended space Homem Gravidez

Perceba que não houve um mapeamento entre o “domínio-homem” e o “domínio-mulher”, isto é, o caso aqui não é entender o conceito de homem, na sentença em análise, através do conceito de mulher. Mas ambos os domínios são ativados em suas propriedades pertinentes ao contexto (no caso, a gravidez), daí se constituindo em espaços mentais, para que haja a possibilidade de proferir e compreender tal sentença. Os domínios estão estruturados na memória de longo prazo, enquanto os espaços mentais são ativados à medida que interagimos, portanto, encontram-se na memória de curto prazo.

Para Fauconnier e Turner (2002), os espaços são formados a partir de diferentes fontes, entre as quais, (a) um conjunto de domínios conceituais que conhecemos originando outro espaço, como já foi exemplificado; (b) de experiências imediatas, que podem se constituir como input space; e (c) do que é dito durante a interação conversacional. Em todos os casos, ocorre uma mesclagem online, isto é, com propósitos específicos e momentâneos.

Podemos notar pelo exemplo que as projeções não acontecem unidirecionalmente, em um modelo bidimensional como sugerido por Lakoff e Johnson (1980). Fauconnier e Turner (1998, 2002) sugerem projeções multidirecionais, já que é um modelo baseado em múltiplos espaços, ou seja, os conceitos são projetados de um input space para outro, ou de ambos para um blended space. Feltes (2007, p. 122) afirma que “nem sempre as inferências são geradas da fonte para o alvo, e é possível que haja várias projeções de ‘ida e volta’ entre espaços para a derivação de inferências”.

Esta perspectiva de interpretar as operações cognitivas durante as emergências metafóricas se aproxima bastante da Teoria dos Sistemas Dinâmicos Complexos Adaptativos (ver capítulo 3), no sentido de que esta propõe uma dinamicidade nos estados comportamentais do sistema para o surgimento de outros padrões. Os espaços mentais poderiam ser vistos como agentes dinâmicos que se combinam na emergência de outro estado (blended space), o qual se apresenta como uma estabilização temporária de conceitos para favorecer a produção e compreensão do pensamento.

Como é possível a combinação de mais de um input space, os trabalhos de Fauconnier e Turner também introduzem a noção de espaço genérico (generic space), o qual é a generalização dos input spaces a partir das semelhanças que há entre eles. Kövecses (2010) compara os espaços genéricos aos protótipos de Rosch (1978), por serem estes os melhores exemplos da categoria devido à maior quantidade de traços em comum com os demais membros da categoria. Observe o exemplo com o conceito de REINO, em que mais de um input space de REINO colabora na elaboração de uma generalização a partir das características compartilhadas por estes input spaces.

Figura 18 – Espaço genérico para REINO

Fonte: KÖVECSES, 2010, p. 280 Input 1 Reino1 Rei1 Autoridade1 Súditos1 Input 2 Reino2 Rei2 Autoridade2 Súditos2 Input n Reinon Rein Autoridaden Súditosn Espaço Genérico = Reino Reino Rei Autoridade Súditos

Os input spaces não são somente constituídos por domínios, mas também por metáforas conceituais. Kövecses (2010) traz o exemplo do provérbio em inglês Look before you leap, que traduzindo literalmente seria “Olhe antes de você saltar”, aconselhando a alguém a pensar/avaliar bem as opções antes de tomar qualquer atitude: pensar bem antes de casar, de terminar um relacionamento, de assinar um contrato, de gastar as finanças etc. Este provérbio pode ser compreendido desta forma devido à mesclagem entre duas metáforas conceituais PENSAR/CONSIDERAR É OLHAR e AÇÃO É MOVIMENTO COM AUTOPROPULSÃO. Cada metáfora funciona como um input space para a emergência de um blended space, favorecendo a produção deste provérbio e sua interpretação descrita neste parágrafo.

Os espaços mentais não se referem unicamente às produções linguísticas. Como se tratam de pensamento, eles também se aplicam à conceitualização de situações. Ainda com base em Kövecses (2010), observe a situação de alguém, por exemplo, brincando de acertar uma bola de papel amassado em um cesto de lixo, como se estivesse jogando basquete. Outra pessoa passa e percebe o que está havendo. Então, ela também decide tentar acertar e ver quem marca mais pontos no jogo. A situação poderia ser mentalmente mapeada na metáfora DESCARTE DE LIXO É BASQUETE, ilustrada da seguinte forma:

Figura 19 – Mapeamentos metafóricos em DESCARTE DE LIXO É BASQUETE

Domínio do descarte de lixo Domínio do basquete (Input 1) (Input 2) Fonte: KÖVECSES, 2010, p. 280 aquele que descarta o lixo papel amassado cesto de lixo jogador de basquete bola cesta de basquete

Mas a análise adicional através do modelo de multiespaços mostra que existem mais complexidades envolvidas nesta situação, que não tinham sido abordadas pelos estudos anteriores, e que são claramente importantes para a compreensão de todo o esforço cognitivo envolvido na ação e interpretação no/do mundo. Observe o diagrama na perspectiva dos espaços mentais:

Figura 20 – Jogando basquete de cesto de lixo

Este modelo oferece algumas vantagens, dentre elas, a de realizar análises metafóricas com mais precisão, lidando melhor com certos problemas de conexão entre domínios, descrevendo os fenômenos conceituais com maior sistematicidade.