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2 EXPERIENCIALISMO

2.5 Metonímia

Além dos esquemas imagético-cinestésicos e das metáforas primárias, outro recurso cognitivo muito usado para realizar inferências e entender a realidade é a metonímia, tradicionalmente vista como um recurso linguístico para expressar o todo através das partes. A metonímia, assim como a metáfora, é parte do pensamento e, portanto, estrutura a linguagem e as ações dos seres humanos no mundo.

Barcelona (2003, p. 04) define metonímia como “uma projeção conceitual onde um domínio experiencial (alvo) é parcialmente entendido em termos de outro domínio experiencial (fonte), ambos inclusos no mesmo domínio experiencial comum”23. Em outras palavras, é uma correlação de subdomínios dentro de um mesmo domínio (intracorrelação), diferenciando-se da metáfora, que é a correlação de domínios distintos. Alguns exemplos de metonímias são:

(1) Ela é só um rosto bonito (ROSTO POR PESSOA24)

(2) O sanduíche de presunto está esperando pela conta. (BENS CONSUMIDOS POR CLIENTE)

(3) João andou de ombros caídos. Ele perdeu a esposa. (POSTURA CAÍDA DO CORPO POR TRISTEZA) (EFEITO PELA CAUSA)

(4) Estou lendo Shakespeare. (O PRODUTOR PELO PRODUTO)

(5) A América não quer outro Pearl Harbor. (O LUGAR PELO EVENTO)

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(…) a conceptual projection whereby one experiential domain (the target) is partially understood in terms of another experiential domain (the source) included in the same common experiential domain.

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A notação das metonímias terá a mesma formatação textual das metáforas. Contudo, elas se diferenciam na estruturação. A metonímia é A POR B, enquanto a metáfora conceitual é A É B.

(6) Wall Street está em pânico. (O LUGAR PELA INSTITUIÇÃO)

Os exemplos (1) e (2) foram dados por Lakoff e Johnson (1980), o (3) por Barcelona (2003) e os de (4) a (6) por Kövecses (2010).

De acordo com Kövecses (2010), a metonímia se constitui como uma tentativa de atrair a atenção para uma entidade através de outra relacionada a esta. O exemplo (6) refere-se aos investidores e executivos que trabalham na bolsa de valores em Wall Street, o cenário mais famoso do mundo para operações financeiras. É claro que o lugar não pode estar em pânico, mas quem deve estar são as pessoas que atuam na instituição, que por sua vez se localiza neste lugar. Desta forma, o que se observa não é só uma parte pelo todo, mas uma entidade pela outra, que compartilham um mesmo domínio: “metonímia é um processo cognitivo no qual uma entidade conceitual, o veículo, provê acesso mental para outra entidade conceitual, o alvo, dentro do mesmo domínio, ou modelo cognitivo idealizado (MCI)”25 (KÖVECSES, 2010, p. 173). Veículo e alvo metonímicos nada correspondem a domínio fonte e alvo, para as metáforas, já que, no primeiro caso, o mapeamento é interno, no segundo, o mapeamento se dá entre domínios. As figuras a seguir esclarecem bem esta diferença:

Figura 21 – Relação metafórica

Similaridade

Fonte: KÖVECSES, 2010, p. 175

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Metonymy is a cognitive process in which one conceptual entity, the vehicle, provides mental access to another conceptual entity, the target, within the same domain, or idealized cognitive model (ICM).

MCI1 DOMÍNIO FONTE MCI2 DOMÍNIO ALVO

Figura 22 – Relação metonímica

MCI todo e suas partes TODO MCI

Fonte: KÖVECSES, 2010, p. 175

A correlação metafórica está baseada em uma associação por similaridade entre os domínios sensório-motor e as experiências subjetivas. As metonímias, por sua vez, tratam de contiguidades, ou seja, um elemento do mesmo domínio para expressar outro traço ou mesmo todo o domínio. Enquanto a metáfora sugere ser usada mais para compreensão (de algo em termos de outra coisa), por meio de um mapeamento sistemático dos elementos pertencentes ao domínio fonte e alvo, a metonímia parece ser usada para direcionar a atenção de uma entidade mais saliente para outra menos acessível pertencente ao mesmo domínio, e ao fazer isto, esta entidade pode instigar a ativação de outras partes deste domínio. Apesar de se constituir como um mapeamento, a metonímia se apresenta menos sistemática do que a metáfora, neste sentido: “na metáfora, a estrutura e a lógica do domínio fonte são mapeadas para a estrutura e a lógica do domínio alvo, isto significa que a função primária da metáfora é entender, enquanto metonímias são primordialmente usadas para referência”26 (IBÁÑEZ, 2003, p. 113).

Segundo Lakoff (1987), a metonímia se constitui como uma explicação para os efeitos de prototipicidade (o porquê de certos elementos representarem as suas respectivas categorias). Conceitualmente, isto pode ser expandido para os modelos cognitivos, nos quais existem aspectos culturais e cognitivos que são mais

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In metaphor the structure and logic of the source domain is mapped onto the structure and logic of the target domain; this means that the primary function of a metaphor is understanding, while metonymies are mainly used for reference.

PART1 (PART2,

representativos que outros e que, por sua vez, quando evocados, estão carregados dos significados de todo o modelo – modelos metonímicos. Lakoff (1987) cita como exemplo o estereótipo de MÃE, para o qual os traços mais representativos são o genético (material genético), o biológico (o parentesco feminino anterior), o de dona-de- casa (a função social), o de criação (a educação e convívio com os filhos) etc. Quando se diz, por exemplo, que “A empresa-mãe não atenderá as empresas A e B nesta manhã”, compartilha-se o traço biológico: o de que a “empresa-mãe” é reconhecida como tal por ter gerado as empresas A e B. Metonimicamente, um traço do estereótipo validou o uso figurado do termo “mãe” neste contexto.

Embora haja a distinção entre metáfora e metonímia, nota-se que “a metonímia pode exercer um papel vital na gênese das expressões metafóricas”27 (CROFT & CRUSE, 2004, p. 218). A metáfora RAIVA É CALOR é gerada através de um processo metonímico. A temperatura corporal tende a variar com as emoções. Pode-se dizer que a raiva eleva a temperatura corporal, causando calor (EFEITO PELA CAUSA). Metonimicamente, o que se aplica neste caso é O CALOR CORPORAL PELA RAIVA, fazendo com que a metáfora surja de uma generalização do calor corporal para simplesmente calor ou experiências que envolvam calor. A metonímia também justifica o caráter experiencial da metáfora. (KÖVECSES, 2010).

Outra metáfora é MAIS É PARA CIMA, em que o aspecto crescente de uma pilha de livros mostra o aumento vertical do seu volume quando mais livros são adicionados. E é este traço que é considerado na hora de se expressar figuradamente, quando as pessoas dizem que “os preços estão subindo”, “as temperaturas estão mais altas”, “o índice de desemprego decola” etc (CROFT & CRUSE, 2004).

Metáforas e metonímias frequentemente interagem entre si nas expressões linguísticas. Algumas expressões podem até ser entendidas como uma mistura entre metáfora e metonímia, e outras como a metonímia sendo a motivação de determinadas metáforas. De uma forma ou de outra, é mais um recurso cognitivo a disposição dos indivíduos para fazer inferências e racionalizar o mundo.

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