• Nenhum resultado encontrado

2 EXPERIENCIALISMO

2.6 Universalidade e variação

Nem todas as metáforas conceituais são universais, mas algumas podem ser identificadas em diferentes línguas, sendo possível afirmar que se aproximam muito desta universalidade. É o caso da metáfora RAIVA É UM FLUIDO QUENTE EM UM RECIPIENTE PRESSURIZADO, que recebeu uma atenção considerável em estudos de línguas de diferentes raízes, tais como o inglês, húngaro, japonês, chinês, zulu, polonês e taitiano. Kövecses (2010) compara estes estudos e percebe que não só a metáfora, mas também as metonímias associadas a esta metáfora são recorrentes nestas línguas: CALOR CORPORAL PELA RAIVA, PRESSÃO INTERNA PELA RAIVA, ROSTO E PESCOÇO AVERMELHADOS PELA RAIVA.

A possível explicação para esta potencial universalidade é a fisiologia conceitualizada, a qual oferece a motivação cognitiva para as pessoas entenderem uma pessoa raivosa metaforicamente como um RECIPIENTE PRESSURIZADO, além de motivar o uso do esquema imagético-cinestésico de recipiente para a estruturação desta metáfora. Se, em determinada cultura, a reação fisiológica durante o momento de raiva é o aumento da temperatura corporal, da pulsação, da pressão sanguínea e a respiração intensa, então as pessoas desta cultura acharão natural o uso da metáfora e das metonímias. Estudos comprovam que estas respostas fisiológicas são universais (EKMAN et al., 1983; LEVENSON et al., 1992), logo a fisiologia conceitualizada deve ser equivalente. Embora não possamos afirmar que a fisiologia conceitualizada seja idêntica entre as línguas, pois as experiências também variam histórica e culturalmente, há esta forte evidência de que é pelo menos equivalente, devido aos aspectos universais do corpo humano.

Como foi dito, nem todas as metáforas conceituais tendem à universalidade, mas o argumento da fisiologia conceitualizada favorece o caráter universal das metáforas conceituais primárias, pois estas possuem nítida fundamentação sensório- motora, diferente das metáforas conceituais complexas, que resultam da combinação experiencial, cultural, social e histórica.

As metáforas primárias se encontram em um nível genérico, por se aproximarem do universal. Contudo, existem metáforas e metonímias que pertencem ao nível específico, isto é, a mesma metáfora conceitual com variações específicas entre culturas e indivíduos.

Kövecses (2010) faz um levantamento das variações metafóricas para as metáforas que envolvem emoção, tais como RAIVA É UM FLUIDO QUENTE EM UM RECIPIENTE PRESSURIZADO e FELICIDADE É PARA CIMA, É LEVE, É UM FLUIDO EM UM RECIPIENTE. Este levantamento percorre o inglês, o japonês, o zulu e o chinês, e foi possível observar diferenças nos domínios fonte.

As expressões metafóricas relacionadas à metáfora RAIVA É UM FLUIDO QUENTE EM UM RECIPIENTE PRESSURIZADO podem ser compreendidas tanto no inglês, no japonês e no zulu (o que sugere a sua universalidade), porém elas apresentam outras metáforas relacionadas com domínios fonte mais particulares às suas respectivas culturas. No japonês, por exemplo, existe a metáfora RAIVA É/ESTÁ (NO) HARA, onde hara significa barriga. No zulu, o domínio fonte usado para conceitualizar a RAIVA é o CORAÇÃO, diferente do inglês, por exemplo, o qual geralmente usa o CORAÇÃO como fonte para emoções boas, como o amor, a afeição etc. A metáfora no zulu é RAIVA ESTÁ NO CORAÇÃO.

Ainda com relação à FELICIDADE, o inglês e o chinês compartilham dos mesmos domínios fonte: PARA CIMA, LEVE, UM FLUIDO EM UM RECIPIENTE. Porém, existe uma metáfora em chinês que o inglês não tem: FELICIDADE SÃO FLORES NO CORAÇÃO, a qual se refere ao caráter introvertido das emoções na cultura chinesa. Esta metáfora é um contraste com outra metáfora que o inglês tem, e o chinês não: ESTAR FELIZ É ESTAR FORA DO CHÃO, que, por sua vez, expressa as emoções de modo extrovertido na cultura norte-americana.

Além do aspecto intercultural, a metáfora varia individualmente devido às características pessoais e históricas. Kövecses (2010) exemplifica isto com as metáforas que podem ser ditas por um médico, usando domínios fonte particulares à sua área profissional. Neste caso, só as pessoas que compartilham desta mesma

profissão provavelmente teriam interesse nestas metáforas, que fariam muito mais sentido para elas. A hipótese é de que o conhecimento técnico de qualquer área faz com que o indivíduo explore este conhecimento ao máximo, portanto, sendo um potencial domínio fonte para expressões metafóricas.

Isto não só é verdade para o conhecimento técnico, mas também para a história vivenciada por cada um. Em seus exemplos, Kövecses (2010) destaca trechos dos discursos de políticos norte-americanos28, onde eles usavam o domínio fonte de esportes a fim de convencer o eleitorado. Averiguando a história de cada parlamentar, foi possível ver que eles praticaram os esportes que forneciam os termos para os seus discursos.

As histórias pessoais nunca são exatamente iguais, e se a metáfora depender deste argumento para variar, ainda que no nível genérico seja universal, ela certamente sofrerá variação no nível específico, principalmente, se emergir em um contexto construído não por uma pessoa somente, mas pela interação entre os indivíduos e seus respectivos interesses e culturas.

28

3 SISTEMAS DINÂMICOS COMPLEXOS ADAPTATIVOS

Aplicada em diversos campos do saber, tais como a lógica, a matemática, a biologia, a filosofia, as ciências humanas e cognitivas, a Teoria dos Sistemas Dinâmicos tem recentemente também tocado nas questões relativas à corporificação (os problemas sobre a relação mente-corpo) e a fenomenologia (a intencionalidade) (WALMSLEY, 2008). Quanto à primeira questão, os processos mentais não estão dispersos em uma “massa cinzenta”, mas eles são como são devido à estrutura biológica que os oferece condição de existência, no caso, o corpo como um todo. O corpo é mais um elemento influenciador dentro de um sistema complexo que conjuga uma série de outros fatores que interagem entre si para emergir padrões de comportamento e de compreensão de mundo. Dentre estes outros fatores, aspectos culturais, sociais e históricos também se configuram como elementos que participam ativamente desta rede interativa, e muitas vezes, estes são os elementos que dão caráter particular para determinadas emergências discursivas e comportamentais. Daí a razão pela qual a Teoria dos Sistemas Dinâmicos Complexos e Adaptativos (doravante TSDCA) tem interesse nos estudos fenomenológicos.

Os sistemas dinâmicos abordam a noção ecológica do comportamento humano. Um SDCA é composto de vários tipos diferentes de agentes ou elementos que interagem dinamicamente por meio de diferentes relações e conexões. É dito complexo, não somente devido à multiplicidade de elementos e conexões entre os componentes, mas, pelas mudanças que constantemente ocorrem nas relações entre os elementos, o que resulta em auto-organizações e emergências. Isto mostra que os sistemas complexos não são sistemas fechados, autocontidos, mas estão abertos a novas energias e interagem com elementos externos e internos a eles próprios, estando altamente propensos a mudanças. É desta instabilidade que decorrem adaptações e evoluções no sistema, o que equivale a dizer que o sistema dinamicamente se adéqua ou muda a ponto de fazer emergir uma nova ordem. As mudanças podem acontecer de forma suave e contínua ou podem ser repentinas à medida que o sistema muda de comportamento.

As próximas seções aprofundam as noções e propriedades de um SDCA que serviram de constructo teórico para as análises da presente dissertação.